Quando nós nascemos, o filme "Zona J" estava em quase todas as salas de cinema portuguesas, a EXPO'98 era o evento do ano em Portugal e Prince dava um concerto épico no Pavilhão Atlântico. Foi uma pesquisa no Google que nos levou a estes fun facts que relacionam Portugal ao ano de 1998 — claro que sabemos o que foi a EXPO'98, toda a gente sabe. Mas temos de admitir que nunca tínhamos ouvido falar do filme "Zona J" e de Prince só mesmo as canções mais conhecidas. Quanto ao Pavilhão Atlântico, para nós será sempre o Altice Arena.
Nós somos de uma geração diferente. Somos da chamada geração Z, que chegou numa altura em que Portugal já fazia parte da União Europeia (UE) há muitos anos. Sempre pudemos viajar para todo o lado sem passaporte, não temos ideia do que é lidar com escudos e estamos habituados a esta ideia de ter um mercado único onde mercadorias, capitais e serviços pessoais circulam livremente. Nunca conhecemos outra realidade.
Já agora, uma pequeno aparte: os nossos nomes são Ana, Luísa e Patrícia, nascemos e estudámos no Porto e pertencemos à chamada geração Z — aquela que supostamente não quer saber de nada. Já lá vamos.
Estávamos no segundo ano no curso de Ciências da Comunicação quando decidimos fazer Erasmus em Praga, na República Checa. Conseguimos fazê-lo graças a um programa financiado pela UE. Quando voltámos, lançámos um podcast para responder a todas as dúvidas sobre este programa — e acreditem, havia muitas. “Erasmus na Ponta da Língua” foi o nome escolhido e, em julho, vencemos o prémio Fernando de Sousa. A convite da assessora do Parlamento Europeu, Vera Ramalhete, em setembro fomos conhecer a sede do Parlamento Europeu em Estrasburgo.
Esta viagem de quatro dias mudou por completo a forma como olhávamos para a política. Nenhum jovem gosta de admitir que está desligado deste mundo — não fica bem dizer que não votámos nas últimas Europeias ou que contribuímos para os números assustadores da abstenção. Não fica bem porque votar não é apenas um direito, é uma obrigação. Crescemos a ouvir isto, mas sabem qual é a realidade? Nunca compreendemos verdadeiramente isto — pelo menos até esta visita ao Parlamento Europeu.
Nenhuma de nós tinha especial interesse pela área da política. Não éramos desligadas ao ponto de não saber o que era a "gerigonça" ou quem é que governava o País, mas não íamos além dos básicos. Nem sempre exercemos o nosso direito de voto, da mesma forma que nem sempre estivemos atentos ao que opunha os principais candidatos. Admitimos tudo isto, mas não admitimos que nos digam que somos desligados.
Nunca fomos: dedicamo-nos de corpo e alma a causas como o feminismo, lutamos para mudar mentalidades, estamos sempre a querer aprender. Viajamos sempre que nos é possível porque acreditamos na importância de conhecer outras culturas e defendemos com unhas e dentes que não há um planeta B. Então o que é que está a falhar para, até esta viagem, nunca nos termos sentado a discutir sobre política com o mesmo fervor com que analisámos as diferenças salariais entre homens e mulheres?
Não vamos tentar encontrar uma resposta única — não existe, nós próprias não representamos toda uma geração de jovens. Mas podemos desde já dizer-vos uma coisa: a política na forma como vocês falam hoje em dia vive no abstrato. Nós não conseguimos entender, em termos práticos, o que é que vai mudar com o candidato A, B ou C. Toda a gente diz que é importante votar, mas ao mesmo tempo dizem-nos que os políticos são mentirosos. Dizem que a taxa de abstenção é uma vergonha, mas abrimos a televisão, vemos um debate político e não percebemos a grande maioria das coisas que estão ali a ser discutidas. E procuramos informação, mas ela vem fragmentada, às vezes até é contraditória. Outras vezes é só ambígua.
Os jovens batem recordes de abstenção. O que é que está a falhar? É fácil dizer que somos egoístas e mimados. Mas e além disso? O que é que está a falhar do outro lado para conseguirem chegar até nós? Foi essa pergunta que decidimos fazer a três eurodeputados, nesta viagem até ao Parlamento Europeu. Se os recursos são tantos e aparentemente estão todos disponíveis, como se justifica o desinteresse dos jovens em relação às políticas europeias? Como é que se justifica o nosso próprio desinteresse? Nuno Melo, Sara Cerdas e Lídia Pereira tentam ajudar-nos a encontrar uma resposta.
Os jovens são mesmo desligados?
Para Nuno Melo, a abstenção é “um absurdo”. Aos 53 anos, o eurodeputado do CDS não tem dúvidas de que estes números refletem as diferenças entre uma geração com tudo e outra sem nada. “Os mais novos hoje têm oportunidades extraordinárias do ponto de vista do ensino, do ponto de vista recreativo, da mobilidade e do ponto de vista do emprego", explica.
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A geração de Nuno Melo não tinha ao seu dispor as oportunidades que existem hoje. E garante: "A juventude é mais hedonista, egocêntrica e consumista do que as gerações precedentes. As novas gerações hoje vivem no imediato."
É verdade que vivemos no imediato. Mas será justo dizer que não queremos saber de nada? Lídia Pereira, do PSD, não concorda com esta opinião. Na opinião da eurodeputada de 28 anos, o desinteresse limita-se à participação formal, uma vez que em atividades como o voluntariado “esta é a camada da sociedade que mais participa”. Para além disso, os movimentos em torno de causas sociais são uma das principais atrações para os jovens, e que levam ao aumento dos votos em “novos partidos”.
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"Há uma certa frustração com o cumprimento dos políticos face às suas funções e em relação àquilo que prometem nas campanhas", continua, tentando explicar o porquê dos jovens estarem tão afastados da política. Além disso, diz, este é um trabalho que tem de ser feito por ambas as partes: quando não há uma preocupação em adaptar e “mitigar o espaço entre os eleitores e os partidos”, os jovens não veem os seus anseios e as preocupações concretizados. "Então pensam: “Para que que eu vou votar?'."
Como trazer os jovens para a política
Se é nas redes sociais que a geração Z consome informação e se expressa, se calhar é melhor começarmos por aí: produzir conteúdo online que, de uma forma eficaz e de rápido consumo, chegue a esta camada. Isto com temas abordados de uma forma apelativa e capazes de desmistificar e esclarecer a população.
São pequenas coisas como explicar “que os tremoços e a imperial que eles (jovens) bebem são de boa qualidade por causa de um padrão europeu”, que Sara Cerdas (PS) vai conquistando o interesse da sociedade. Isto porque, aponta Lídia Pereira, “não é fácil comunicar” o que é desenvolvido no Parlamento: “É um órgão complexo”, continua, onde as decisões são tomadas em co-decisão. E às vezes a informação não chega cá fora, ou pelo menos não é divulgada o suficiente — Lídia Pereira dá o exemplo do “Your First Eures Job”, um programa que não é suficientemente comunicado e que se encontra disponível para os jovens que procuram ingressar no mundo do trabalho.
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Vivemos na era da web, onde através da Internet podemos correr o Louvre ou ver em tempo real um concerto a acontecer nos Estados Unidos. A informação está lá, mas o conhecimento depende do interesse de cada um. Para Nuno Melo, esta “desinformação” é o defeito de uma geração que se deixa à preguiça.
A questão é que, quer tenhamos ou não interesse, “estamos interdependentes”, afirma Lídia. Ainda assim, nas últimas eleições europeias, a 26 de maio, a da taxa de abstenção dos jovens foi de 72%.
A consciencialização em casa é, para Nuno Melo, o primeiro passo para refletir “sobre aquilo que é realmente relevante e não só em relação ao próprio presente e futuro.” E recusa a desculpa de que “os partidos são todos iguais”, deixando o conselho de que os jovens devem refletir sobre o que são, o que têm à sua disposição e o que podem fazer para alterar a sociedade em que se inserem.
Depois do 25 de Abril, votar passou a ser um direito dos cidadãos. Hoje, o ato eleitoral é visto como uma forma de manifesto e também um “instrumento de dizer que estamos presentes e queremos preservar aquilo que temos e aprofundar o que falta”, diz Lídia Pereira. Por esta razão, a primeira mulher a presidir a maior organização política de juventude da Europa não entende a abstenção da últimas europeias.
E é sobre a União Europeia que falamos de seguida.
Os jovens compreendem a importância da União Europeia?
Em Portugal sempre existiu uma convergência entre os partidos políticos quanto à importância da presença de Portugal na UE — e não surgiram, até à data, movimentos nacionalistas ou eurocéticos.
Só que encontrar uma resposta para esta pergunta se os jovens compreendem a importância da UE não é fácil. A abstenção nas legislativas fixou-se nos 45,5%, o que significa que quatro milhões e 250 mil portugueses decidiram não votar no candidato que vai governar o seu próprio País. Se não há interesse em algo que lhes é tão próximo, o que dizer da UE, aquele órgão que, para algumas pessoas, é quase uma ideia abstrata?
Na opinião de Sara Cerdas, 29 anos, enquanto intermediários, os partidos nacionais têm de se esforçar por estabelecer um elo entre os dois polos: a UE e os portugueses. Isto significa que é necessário colocar de lado as rivalidades partidárias e anunciar os investimentos feitos pela UE no País, argumenta.
Depois de 33 anos na UE, Nuno Melo não teme o fim desta, mas a verdade é que “pode acabar e os maiores prejudicados são os jovens”, afirma.
Estes direitos adquiridos na Europa podem não ser eternos e, como reflete Lídia, “a nossa geração é a geração que está na eventualidade de vir a viver pior do que geração dos nossos pais”.
Nuno Melo assistiu com 20 anos à entrada de Portugal na UE. Era jovem e sentiu na pele as diferenças no País. “A maior parte dos nossos sucessos são possíveis graças à UE. Sem a UE vivíamos na pobreza absoluta, hoje. E o resto é conversa!”.