Num pequeno exercício a puxar pela imaginação, perguntei ao meu grupo de amigos que forma davam à voz que todos os dias ouvem no metro. Preparem-se para as respostas, são hilariantes.
. “Imagino-a baixinha, e cabelo encaracolado, assim um bocado aborrecida”
. “Eu não, acho que ela é gira, magra, cabelo castanho claro, olhos azuis, com um fato de executiva, numa sala só para ela e a limar as unhas enquanto fala ao microfone”
. “Já eu imagino que seja tipo Sophia, a robô que fala com o Ronaldo, e não me perguntes porquê!"
Não perguntamos, a ideia era mesmo deixar a imaginação falar por si e aumentar ainda mais a expectativa de chegar ao ponto de encontro e ver finalmente a voz que todos os dias me lembra para ter "atenção à entrada e saída do comboio”.
“Não sou uma máquina, muito menos a que fala com o Ronaldo”, brinca Helena Lopes, enquanto nos abre as portas da régie do Metro de Lisboa. Sim, há uma régie no Metro de Lisboa e não, não é sempre a mesma pessoa a dar voz a todas as mensagens. “Na verdade somos uma equipa de seis pessoas, a trabalhar por turnos 356 dias por ano, desde a abertura do metro, às 6h30, até ao encerramento, à 1h30”, explica. Em cada um desses turnos, asseguram que nunca falte informação ao utente e encarregam-se ainda de outros serviços adminitrativos.
Num espaço de poucos metros quadrados e com isolamento de som, Helena dá início ao turno da noite, durante o qual tem que ficar atenta a qualquer anomalia que seja registada na linha para, se necessário, gravar uma mensagem sonora de última hora. “Essa mensagem é depois enviada para a rede e pode ser difundida numa linha, numa estação ou até só num átrio ou no cais”, refere, lembrando assim que o trabalho de locução vai muito além da gravação dos excertos básicos e repetitivos que anunciam o nome das estações ou que alertam para a importância de protegermos os nossos bens.
Nem tudo são avarias na linha
Helena começou no Metro há 27 anos e na altura trabalhava na bilheteira. “Quando vi que tinha aberto um concurso interno para locução candidatei-me e acabei por integrar o primeiro grupo da régie”, conta. Isto foi há 22 anos. Antes disso, os utentes do metro não tinham qualquer tipo de informação sobre possíveis anomalias na linha. “Mas calma, nem tudo são mensagens negativas”, salienta Helena, “também damos boas notícias”. Uma das mais marcantes foi, sem dúvida, a que dava os parabéns à seleção portuguesa no final do Europeu. “E agora aconteceu o mesmo com a equipa de futsal”.
Positivas ou não, Helena garante que nunca se habituou a ouvir as mensagens ditas com a sua voz quando, também ela, usa o metro enquanto passageira. “Sorrio sempre, é inevitável”.
E no Porto?
Mesmo sem dizer nada aos amigos, Maria do Rosário Domingos lembra-se bem de, volta e meia, receber telefonemas a perguntar: “És tu, não és?”. E era mesmo. A locutora é a voz do Metro do Porto ainda antes de as carruagens começarem a circular pela cidade.
Em 2001, um ano antes da inauguração do Metro, Maria do Rosário foi escolhida num casting e ainda nesse ano começou a gravar os nomes das primeiras estações. Desde aí que é sua a voz que os utilizadores ouvem a dar conta do nome das estações e respetivas conexões de linhas. Já tudo o que sejam anomalias ou incidentes de última hora são comunicados por uma equipa responsável, com sede no posto de comando do Metro do Porto.
A voz sempre foi a sua ferramenta de trabalho. Trabalhou 12 anos na Renascença e foi a voz da NOS ao longo de outros 16. “Pelo meio, fiz milhares de outras locuções”, refere. E ainda em Julho do ano passado voltou a fazer mais uma para o Metro do Porto, uma vez que ao longo dos anos, a rede ganhou novas estações, o que obriga também a que sejam dadas novas indicações. “A última foi a de Vila do Conde Fashion Outlet - Modivas, em português e inglês, e ainda a dar conta das conexões com outras linhas e outros transportes”.
O que poucos imaginam é que esta voz, apesar de ajudar a orientar o Norte, é natural de Lisboa. “Mas tenho uma relação afetiva com o Porto e, sempre que vou, faço questão de andar de Metro para me ouvir. Apesar de já não ser novo, nunca deixa de ser engraçado”.