São bonitas, vestem bem. Levam uma vida desafogada, repleta dos melhores produtos. Vão aos melhores restaurantes, dormem em hotéis incríveis e vivem experiências de sonho. Recebem tudo de borla e, em troca, partilham nas redes sociais. Só podem ser influencers, certo?
Não. E, respondendo à questão do artigo, o problema dos influencers é precisamente esse: aquilo que achamos que eles são. É que é não é tudo farinha do mesmo saco. É difícil distinguir, mas lembre-se disto: uma miúda gira com muitos seguidores não é sempre uma influenciadora digital. Para se adquirir este estatuto dos tempos modernos não basta ter uma cara bonita, um corpo de top model ou uma vida onde não cabem problemas. A realidade é que pode ser exactamente o contrário disto tudo, porque não é nenhum traço físico ou um quotidiano a saltar de brunch em brunch que faz de um influencer um influencer.
Basta ir ao étimo do termo. De acordo com o dicionário Priberam, o verbo influenciar significa que alguém tem a capacidade de “exercer influência em”. Andamos a ver isto mal: mais do que alguém que recebe produtos de todas as marcas em troca de um post, um verdadeiro digital influencer é alguém que, com ou sem patrocínios, consegue levar as pessoas a tomarem uma determinada acção.
Vamos a exemplos. Sara Carbonero, mulher de Iker Casillas, publicou a 26 de setembro, uma fotografia com umas botas da Zara que, no próprio dia, esgotaram. As pessoas viram, foram influenciadas pela modelo e compraram. Mas nem precisamos de ir tão longe. Também a maquilhadora Helena Coelho, com mais de 500 mil seguidores, é capaz de, em território nacional, levar à mesma corrida desenfreada. Já aconteceu várias vezes — e o mais insólito foi quando, em 2019, esgotou o jantar de natal que organizou com os seus seguidores, o The Amazing Christmas, em 45 segundos. E nem sequer era um evento gratuito: a participação no encontro natalício, limitada a 80 pessoas, tinha um custo de 55€.
Nestas duas personalidades encontramos os dois tipos de influenciares digitais distintos. "Temos as figuras públicas portuguesas que, devido à sua notoriedade, têm nas redes sociais uma extensão do seu trabalho”, aponta à MAGG Miguel Raposo, digital manager da CGI e autor de vários livros, incluindo “Profissão: Influencer”. “Depois temos os criadores de conteúdos, os nativos digitais, que são famosos porque criaram uma conta de TikTok, de Instagram ou de Youtube e que normalmente têm alguma coisa que os diferencia.”
É no segundo grupo que nos vamos focar. Apesar do nome do livro, Miguel Raposo diz-nos de imediato: “Não gosto do termo influencer. Prefiro criador de conteúdo.” Seja na área da maquilhagem, das viagens, da sustentabilidade, do lifestyle, é disso que se trata: “São pessoas que criam conteúdo do seu dia a dia e que vão introduzindo marcas nesse quotidiano de conteúdos”, diz o digital manager.
Portanto, quando se fala nos criadores de conteúdo nativos do digital e de influencers não há a questão do ovo versus galinha. Em primeiro lugar, vem o conteúdo, um bom conteúdo. Só depois, é que vem a capacidade para influenciar.
O que é que faz, então, um bom criador de conteúdo?
Criar conteúdo de qualidade não é só tirar a fotografia perfeita, no ângulo que mais favorece e com a edição que torna. “Uma fotografia muito bonita é uma forma muito desinteressante de falar sobre um tema. Não acrescenta nada vermos um creme bem enquadrado e umas hashtags. É preciso experimentar, criar uma narrativa”, considera Tiago Froufe, fundador da agência de comunicação Luvin. “Não queremos catálogos. Queremos pessoas que criem conteúdo relevante para os seus seguidores. Que sejam autênticos.”
Miguel Raposo vai ao encontro da mesma ideia. Um criador de conteúdo capaz de influenciar é aquele que trabalha para construir uma audiência próxima, uma comunidade que interage, que lhe é fiel e que vem em busca do conteúdo relevante e original. “Há vários criadores ótimos a tirar fotografias, mas não passam disso. Falta o conteúdo, a essência, uma história”, diz. “Consegue ter-se um feed bonito, mas isso é ser só um outdoor.”
Catarina Beato concorda. A autora do blogue "Dias de uma Princesa" diz-nos que um bom criador de conteúdo é aquele que, utilizando todas as ferramentas que tem ao seu dispor nas diferentes plataformas — da escrita, ao vídeo ou fotografia —, fala para um nicho específico, sobre um assunto que domina. É um "veículo de informação".
A antiga jornalista, que acaba de lançar o projeto Amar o Corpo, entrou no mundo da internet antes de os blogues se tornarem famosos. Já depois de estes terem caído no desuso, mantém presença assídua para a sua comunidade de 70 mil no Instagram. Diz-nos que "ser influencer não é profissão", reforçando que a única forma de subsistir neste meio é através da criação de conteúdo que seja útil numa determinada matéria. Mais do que influenciador, trata-se de um indivíduo "ser capaz de se tornar numa referência num determinado campo."
Dá-nos alguns exemplos específicos: “A Catarina Barreiros, por exemplo, dá informação super especifica sobre questões de desperdício e de sustentabilidade. Ela especializou-se de tal maneira neste tema que deixou de ser só mais uma conta para ser alguém a quem vou recorrer quando quero saber mais sobre um assunto", diz.
Continua: "Com a maquilhagem é igual e aí temos a Helena Coelho. Nas tecnologias temos o youtuber Filipe Neto. Tornaram-se em referências. As pessoas acreditam no que eles dizem."
"Por mais que se goste das contas perfeitinhas, não é isso que atrai a audiência"
Quem segue a conta de Catarina Beato no Instagram conhece bem os temas e o estilo com que a mãe de três comunica. No seu feed, vemos uma espécie de diário pessoal, onde se fala de maternidade, de autoestima, de amor próprio. Não tenta vender a vida perfeita. Bem pelo contrário. Quando está mal, diz que está mal. Quando a vida não lhe corre pelo melhor, não esconde. Do outro lado, muitas seguidoras identificam-se, partilham histórias, lançam perguntas.
"As pessoas estão fartas de vidas perfeitas", diz. “Uma plataforma digital é feita de e para pessoas. Nós queremos a realidade daquela pessoa. Por mais que se goste das contas perfeitinhas, não é isso que atrai a audiência. Tem de haver conteúdo. E esse conteúdo obriga a que se trabalhe.”
De tal forma, que Catarina quis ir estudar. “No momento em que comecei a viver isto senti necessidade de aprofundar os meus conteúdos e conhecimento”, conta. Assim, tirou um curso de coaching, foi estudar comunicação digital e tirou ainda outra formação em coaching de relações.
Raquel Janeiro forma com Miguel Mimoso a dupla de criadores de conteúdos Explorerssauros, um casal de viajantes portugueses — autores do livro recente “As Aventuras, Dicas e Segredos dos Viajantes Mais Famosos do Instagram” — que têm já quase um milhão de seguidores no Instagram. Com as aventuras para lá das fronteiras nacionais presentes desde o início da relação, são 100% nativos do digital, tendo começado como muitos outros começam: além de trabalharem esta rede social, tinham vidas mais formais, com empregos e aulas com horas fixas.
Mas com o crescimento do projeto, e sem mãos para tanto trabalho, tomaram a decisão de se dedicarem exclusivamente à criação de conteúdo. Este conteúdo, marcado por paisagens idílicas em torno do mundo, poses apaixonadas (e acrobáticas), cores vivas, legendas sinceras — e uma boa dose de imagens cómicas de bastidores — têm dois destinos: o seu feed de Instagram ou as plataformas digitais das marcas que os contratam. É isso: eles são fotógrafos freelancers e influencers de viagens. As duas coisas tocam-se e é assim que viajam o globo.
Tendo a dupla começado do zero, Raquel Janeiro explica que, naquela etapa inicial, há pouco mais de dois anos, “a única forma de convencer alguém era pelo conteúdo”. O casal conta que isso isso exigiu pensar fora da caixa, criar um produto diferente, pensar o público para quem se queria comunicar, despender tempo para fotografar, para interagir com a comunidade, para estudar.
E fizeram-no em troca de nada. Porque, tal como explicam, para se vingar no meio digital, o dinheiro nunca pode ser o primeiro pensamento. A mentalidade tem de ser outra. E é preciso lançar questões. 'O que é que eu tenho para oferecer? Como é que eu posso contribuir?'
Ainda hoje, apesar do sucesso, Raquel Janeiro aponta para a importância de despender tempo para a criação de conteúdo que não é encomendado — tanto que é frequente a dupla fazer viagens só com este propósito. “Tem de haver equilíbrio entre posts patrocinados e posts não patrocinados. É preciso tirar tempo para trabalho não pago. De outra forma, os seguidores percebem e sentem-se enganados.”
Quanto ganham os influencers?
Para quem se pergunta sobre como é que estes criadores de conteúdo ganham dinheiro (e não produtos), o modelo de negócio é simples. É troca por troca: as marcas pagam-lhes para que criem conteúdo específico para um certo produto — que pode ir desde um creme a um destino turístico.
A ser bem feito, isto gera muito dinheiro às marcas, diz Miguel Raposo. Mas há vários fatores a considerar antes de escolher o criador: primeiro, o seu poder de conversão — ou seja, quantas vendas, em concreto, é que a sua publicação é capaz de gerar. Depois, ser criterioso na escolha da figura que representa determinado produto, tendo em conta aquilo que ele defende. Os dois têm de ter uma ligação.
“O produto tem de se identificar com o criador de conteúdo, tem de haver um match”, garante o digital manager. “É muito mais rentável para a marca, porque acaba por ter um target muito definido." É fácil perceber porquê: "A marca vai comunicar exatamente para o público-alvo que quer. Essa é uma das grandes vantagens para o marketing no mundo digital.”
Falemos de números. Os valores cobrados por influenciadores variam. Mas deixamos aqui os intervalos que tendem a ser praticados no mercado. Há os microinfluenciadores, que têm entre 10 a 50 mil seguidores, e que tendem frequentemente a não cobrar nada (já lá vamos). Depois, até aos 100 mil seguidores, os valores por post variam entre os 200 e os 1000 euros. Dos 100 aos 400 mil seguidores, o intervalo de valores aumenta, e fica entre os mil e os dois mil euros. Depois, a partir dos 500 mil seguidores, e até aos 800 mil, o valor dispara para 2000 a 6000 euros por post.
Pode parecer muito, mas como garantem Miguel Raposo e Tiago Froufe, continua a ser muito menos dispendioso (e muito mais eficaz) comunicar via influenciadores, comparativamente aos meios tradicionais. “Consegue gastar-se mil euros num post que chega a 100 mil pessoas. Num outdoor tem de se gastar dez vezes mais. É um investimento mais baixo, com um alcance muito maior.”
Ainda assim, há quem opte por investir ainda menos. É a tal questão dos microinfluenciadores: as marcas enviam a vários criadores de conteúdo com comunidades mais pequenas produtos para que, gratuitamente, estes produzam posts ou InstaStories.
Este é um dos principais problemas. “Temos esta geração que faz tudo a troco de nada”, diz Miguel Raposo. "De repente as marcas perceberam que era fácil ter publicidade quase gratuita, enviando umas prendas. As pessoas mostram estas coisas que recebem, a audiência é inundada disso e fica aquela sensação de “ok, e o que é que tens para me dar?”, considera Catarina Beato.
Há uns tempos, a autora dos livros "Dieta das Princesas" e de "Ser Feliz Todos os Dias" decidiu que não faria mais referência a estas "prendas", que também ela recebia em casa. Não há almoços grátis: "Se queriam que eu produzisse conteúdo, tinha de ser paga para isso. Resultado: comecei a receber um décimo dos press kits que recebia e passei a trabalhar só com as marcas com que me identifico.”
Assim como Catarina Beato, Raquel Janeiro consegue identificar o preconceito em relação ao termo "influencer". Culpa não só os aspirantes a influencer, como as próprias marcas que preferem oferecer produto, à espera de, gratuitamente, verem a criação de um conteúdo a surgir no mural de quem aceitou a troca.
“Com coisas grátis não se pagam contas. Isso não é lidar com a profissão a sério. Essas pessoas não deviam ser chamadas influenciadoras”, diz. “Não é com cosméticos, restaurantes ou estadias ou hotéis que se vive." Não vê estes acordos a acontecerem fora do território português: “Lá fora isto não acontece. É tudo pago.”
Afinal, o que é que mancha o nome “influencer”?
Para Ricardo Martins Pereira, publisher da MAGG e diretor da MAGG Agency, há outros fatores que mancham o trabalho dos criadores de conteúdo, das pessoas que vivem das suas plataformas digitais. “Mancha o facto de cada vez menos terem opinião, de não se quererem comprometer com medo de mau feedback. Mancha o facto de não terem capacidade para reagir a isso, que é uma coisa que gera a ideia de que são uns tontinhos e que só têm preocupações estéticas."
Tal como Miguel Raposo e Tiago Froufe, fala ainda na pouca qualidade do conteúdo: “Mancha também o facto de contarem poucas histórias: fazem tudo de forma muito superficial, com a preocupação do filtro e com um copy que é uma palavra. Não passam nada para o seguidor, além de uma sensação que dura três segundos.”
O autor do blogue “O Arrumadinho” lamenta ainda o facto de que, “organicamente”, os criadores de conteúdo digital não tenham a iniciativa “para sugerir uma exposição ou uma peça de teatro", para defender uma causa ou deixar alertas. "Para isso é que devia ser canalizada a capacidade de influência. Se isto existisse, acabaria a ideia de que estas pessoas são tontinhas. Estariam a transformar a comunidade em nome do bem comum.”
Em agosto, o Rebel Asian publicou um post no Instagram em resposta aos múltiplos pedidos de influencers que pediam uma refeição gratuita em troca de publicações no seu Instagram: convidava-as a passarem pelo restaurante do Cais do Sodré, a usufruirem de uma refeição paga, de modo a que aquele valor revertesse, depois, para uma instituição de solidariedade.
No início de outubro, ainda ninguém tinha aderido à causa e a notícia tornou-se viral nas redes sociais. O preconceito em torno do nome “influencer” viu a luz do dia nas caixas de comentários. Entre “parasitas” e “vão mas é trabalhar”, era este o retrato que se montava: pessoas que fazem vidas de luxo à base de produto grátis, pessoas sem substância, pessoas fúteis, que não querem fazer nada.
“As pessoas que trabalham nisto de forma profissional não se vendem por almoços, por coisas que não fazem sentido. A Helena Coelho esgota coisas na Zara. Esta influência vale muito dinheiro”, alerta Miguel Raposo.
Catarina Beato também chama a atenção para a importância fundamental da coerência nas parcerias que se estabelecem e que, nota, nem sempre se verifica. Não tem lógica um maquilhador publicitar um iogurte, da mesma maneira que não tem lógica um cozinheiro publicitar um creme hidratante . É um erro crasso. É um lose-lose: as marcas não conseguem converter e o criador de conteúdo fica com a sua imagem denegrida, porque a sua audiência vai sentir-se desiludida. "Não faz sentido eu estar a mostrar férias de luxo, quando falo sobre uma vida mais minimalista e poupada", alerta.
"Depois acontece termos pessoas a promoverem depilação definitiva e, na semana seguinte, a dizerem que adoram bandas depilatórias", sublinha, a propósito do mesmo, Miguel Raposo.