Em fevereiro era ver-me bater palminhas por saber que este ano ia juntar pelo menos mais quatro países à minha lista de pontinhos visitados no mapa mundo. Entretanto, chega um vírus que dita que a viagem mais emocionante que farei nos próximos meses será ao ecoponto a duas ruas da minha.

Verto uma lágrima a cada email que me chega com a notícia de cancelamento. Viagem ao México em novembro adeus e a de junho para África só se for no sofá a ver o Robert Redford a lavar os cabelos à Meryl Streep. Retiro no Alentejo em abril, festival Aleste na Madeira em maio, visitar amigos em Londres em novembro. Zerinho. Toda a vida está em suspenso e nem uma viagem de autocarro ao norte, daquelas que faço todos os meses para ver a família há quase 12 anos, está garantida.

O COVID-19 pôs-nos de quarentena e quem nos punha a viajar tem agora que lidar com uma crise. Não há clientes, não há aviões, não há viagens. "Com o desaconselhamento generalizado de viagens, com o fechar de fronteiras progressivo a nível mundial, com a quarentena voluntária e, finalmente, a implementação do estado de emergência, existe uma estagnação total na procura por viagens, que coincide com a época que, por excelência, os portugueses começam a comprar as suas férias de verão. Resumindo, a pandemia tem um impacto financeiro sem precedentes ao sector do Turismo", explica à MAGG Fernando Bandrés, diretor comercial da Soltrópico.

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Já a agência de viagens Wanderlust, que nos habitua a destinos fora do comum, admite que a quebra começou logo em fevereiro. "Foi nessa altura que decidimos cancelar algumas viagens face à situação que, já na altura, se vivia nos países de destino", refere Miriam Augusto, fundadora da empresa. Foi o caso do "Irão, a pérola do Islão com a Karina Sousa" e da "Rota do Transiberiano com a Tânia Neves". "Em Março, a quebra foi significativa em termos de reservas para viagens, bem como em termos de cancelamos por parte dos viajantes, o que nos levou a tomar a difícil decisão de suspender todas as viagens que tínhamos agendadas até ao final de Abril que, entretanto, já se estendeu até meados de Maio", acrescenta a líder de viagens.

Esta onda de cancelamentos apanhou as agências na pior altura. É que Março, como é o mês limite para as pessoas marcarem as férias nas empresas, é também o mês de excelência para as agências, que costumam fechar o ano em termos de propostas e marcações. "Nesse mês facturamos zero, ao contrário do ano passado", lembra à MAGG Diana Chiu Batista, que organiza viagens a destinos como Índia e Sri Lanka através da agência Macro Viagens. "E ainda temos reembolsos por fazer, que estão também dependentes das condições dos nossos fornecedores, especialmente das companhias aéreas".

Esses reembolsos nem sempre são feitos a 100% e as agências ou os próprios clientes acabam por ter perdas. Na agência de viagens Nomad, por exemplo, propuseram às pessoas que tinham reservas já feitas para adiarem os planos e embarcarem na aventura numa outra data, mais segura para todos. A política do adiamento ou remarcação tem sido também estratégia da Soltropico, tal como explica Fernando Bandrés, que lembra que a situação atual, por ser inédita, "cria a evolução, alteração e adaptação constante de alguns procedimentos de cancelamentos e
reembolsos".

As agências não viajam, mas não estão paradas

Ainda que os tempos sejam de paragem obrigatória para todos, também as agências se reinventam para tornar os dias menos parados e aproveitam para se prepararem para o futuro.

Primeiro que tudo, foi preciso de trazer os portugueses para lugar (mais) seguro. Quando falamos com o diretor comercial da Soltrópico, contava, aliviado, que tinha acabado de repatriar todos os clientes que estavam no estrangeiro.

E enquanto o momento de voltar a vender viagens não chega, há que trabalhar por antecipação ou lembrar as possibilidades. "Acreditamos que em breve estaremos a fazer uma das coisas que mais gostamos, que é viajar. Enquanto esse momento não chega, vamos partilhando o que de mais maravilhoso este mundo tem, seja através de posts no nosso Facebook e Instagram, lançamento de vídeos ou até de artigos no nosso blog", conta a fundadora da Wanderlust. A concorrente Nomad também não para. "A produção de novas viagens é uma área a que dedicamos muito tempo e que para nós requer muita antecedência", lembra Pedro Gonçalves, fundador da agência. Neste momento, estão a trabalhar nas novas viagens para 2021 e 2022. "É muito do trabalho de produção, para além das prospeções e testes de terreno, tem muito tempo preparatório que é feito cá, atrás de computadores, em contactos locais, reuniões (agora em teleconferência), etc".

E agora que está tudo em confinamento, numa luta entre ordenados mais apertados e muita vontade de aproveitar a liberdade que aí vem, será que podemos esperar promoções para o final do ano?

Aparentemente essa não é a política das agências contactadas pela MAGG, ou pelo menos quando feitas em caracter excepcional. Miriam Augusto, da Wanderlust, lembra que, independentemente da pandemia, já é comum fazerem preços especiais em algumas viagens, principalmente quando compradas com antecedência. "Chegámos até a fazer passatempos para oferecer viagens mas, nesta fase, está completamente fora da nossa estratégia".

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A Soltrópico mantém-se na mesma linha: "Nunca entrámos numa política de descontos ou promoções que pusesse a sustentabilidade do negócio em causa, acreditamos que as promoções que serão feitas estarão em linha com os anos anteriores", salienta o responsável pela empresa.

Mas uma coisa é certa, a forma de viajar vai ser diferente. A Agência Abreu considera que quando voltarmos à vida normal, a valorização de cada viagem será maior, "dando mais valor à experiência que se tornará ainda mais enriquecedora".

Já a Soltrópico acredita que os portugueses vão ser mais seletivos na escolha dos destinos. "Acreditamos que o cuidado que os viajantes irão ter ao escolher as suas férias passará pela proximidade, seja através dos acessos, da língua, de maior ou menor conhecimento do destino", refere Fernando Bandrés, e lembra que talvez Madeira, Açores, Cabo Verde, Marrocos ou Tunísia sejam os destinos de preferência. "A confiança para viagens mais longas demorará um pouco mais", admite.

E para quem trabalha apenas com destinos mais fora da caixa, como a Wanderlut e a Nomad, os planos mantém-se a curto prazo, num acompanhamento constante do que se passa em cada um dos países para os quais viajam. "Devido à natureza de muitos destinos das nossas viagens, ao longo de mais de uma década de atividade, vimo-nos várias vezes na contingência de realizar alterações significativas em viagens por fenómenos de saúde pública, ordem natural ou convulsões políticas, tumultos e guerras", lembra o fundador da Nomad.

Miriam, da Wanderlust, pensa positivo e com os olhos nos meses de liberdade que nos esperam. "Já começámos a colocar datas no mercado para o segundo semestre, numa forma de colmatar os destinos que estão, neste momento, a ser prejudicados. Pessoalmente, acredito que no segundo semestre do ano estaremos de volta à normalidade".