O protesto A Pão e Água aconteceu na segunda-feira, 9 de novembro, na Praça dos Aliados, no Porto, mas Pedro Limão não marcou presença. Não é que o chef do norte discorde da iniciativa, que levou a que trabalhadores da restauração se juntassem para contestar as medidas (e falta de apoios) que tão fortemente têm prejudicado este setor — com especial destaque para os próximos dois fins de semana de Estado de Emergência, com dever de recolher obrigatório a partir das 13 horas. Bem pelo contrário. O chef do restaurante O Pedro Limão e do Metade e Meia, ambos de portas fechadas há três semanas, vê com muitos bons olhos o gesto público e unido de descontentamento geral.
Mas, neste momento, não se recusam trabalhos: "Estava em Faro a fazer um jantar com o restaurante a Venda, porque preciso de sobreviver", conta à MAGG. "Até comentei que não havia nada que me desse mais gozo do que marcar presença nessa manifestação."
Com 44 anos, natural de Viana do Castelo e com um percurso que começa como urbanista na Câmara Municipal da sua terra natal, atira-se de cabeça ao mundo da cozinha com 30 anos: entre 2012 e 2014, mantém a Oficina de Cozinha Pedro Limão nas Virtudes, em 2016 inaugura uma loja de comida nas Galerias Lumière, rumando depois ao Algarve, onde passa um ano a desenvolver o restaurante da unidade hoteleira Casa Mãe. De regresso ao Porto, abre em 2017 um restaurante de nome próprio que, em 2020, se muda para a porta ao lado. Mantendo o nome e conceito, viria a transformar-se num projeto com alojamento local integrado, que nunca aconteceu porque chegou a pandemia. Mais recentemente, em 2020, inaugura o Metade e Meia, um pequeno espaço em parceria com uma loja de moda sustentável Coração Alecrim.
"Um minuto de revolução por dia, nem sabe o bem que lhe fazia" é o mote que acaba de lançar na sua conta de Instagram, em que, ao longo de 60 segundos, deixa em cima da mesa ideias e pensamentos relacionados com a profunda crise que a COVID-19 potenciou na restauração — crise essa que terá trazido à luz do dia os problemas que já antes de existir uma pandemia minavam este setor.
"A intenção é partilhar a minha experiência e falar sobre as coisas que estão mal. Essa intenção resulta de dois aspetos: de ter mais tempo, em consequência de ter sido obrigado a fechar a minha atividade, e porque acho que é preciso abanar as cabeças."
Foi um dos proprietários que optou por fechar as portas dos seus estabelecimentos, sob pena de ter de se ter de vergar às características típicas deste setor, contra as quais sempre quis combater: salários baixos, horários demasiado extensos, rotatividade frequente de equipa.
Pela altura em que fechou O Pedro Limão, escreveu: "Agradecemos do fundo do coração a todos que estiveram presentes e vamos parar sem ressentimentos e seguros de que fizemos o melhor trabalho possível. Por outro lado, vamos felizes, não engolimos um único sapo!"
Que sapos são esses? O chef explica: "Fizemos sempre as coisas com a convicção de que estávamos a fazer o melhor possível. Isso significa não praticarmos o mesmo tipo de trabalho que de forma geral se pratica. Com respeito por quem trabalha connosco, não nos vendemos a qualquer tipo de propaganda ou não temos medo de dizer o que achamos do assunto. E essa foi sempre a imagem de marca que acabou por passar de uma forma positiva para o cliente. Os sapos não engolidos foram esses."
À semelhança do que acontece com tantos outros restaurantes, os apoios disponibilizados pelo Estado não estiveram à altura do enorme desafio. Pedro Limão chegou a um cruzamento com dois caminhos possíveis e difíceis: ou despedir e fechar até que a situação acalme; ou ceder ao modus operandi do setor, pautado pelas tais más práticas. "Não foi uma decisão fácil para mim. Se não fosse isto, este ano tinha sido bom para nós. Tínhamos um projeto a andar que caiu em bloco", diz, referindo-se ao alojamento local.
"Mas eu nunca conseguiria trabalhar de acordo com o principio generalizado de horas de trabalho sem fim, com malta a sair porque já aguenta o volume e cansaço, e que é muito mal paga. Durante muito tempo, a prejudicar o próprio negócio, mantive uma equipa que trabalhava feliz."
Apesar de não ter de lidar com as dificuldades acrescidas pelo dever de recolher obrigatório, consegue sentir a facada que isto representa para os colegas de setor. Sobretudo no fim de semana: "Quando há turismo, não há diferença entre semana e fim de semana. Mas com clientes portugueses a diferença é toda. A decisão tem um risco enorme."
Ainda que este não seja mais um problema presente, tem uma "avalanche" de outras questões com que lidar: o Pedro Limão está para trespasse, o recheio que o compõe poderá vir a ser vendido. Não descarta, no entanto, a possibilidade de o reabrir, quando o medo tiver desaparecido, quando a população deixar de ter receio, quando as regras do jogo mudarem. "Se houver algumas condições reunidas, poderá ser possível abrir no mesmo espaço, mas com outro conceito. E também nesse momento, vamos procurar não nos vergar às eventuais soluções que possam ser sugeridas."
Há mais: "Sei que tomei a decisão certa quando fechei, no momento em que fechei, mas agora tenho muitos problemas relacionados com esse fecho: dívidas a fornecedores, dividas ao Estado e à Segurança Social. São situações muito complicadas", conta. "Se têm sido tempos terríveis? Têm."
"8 mil euros serve de pouco nesta catástrofe"
Na segunda-feira, 9 de novembro, no "Jornal das 8", da TVI, António Costa falou de um apoio que está a ser preparado para o setor da restauração. "Vamos agora anunciar esta semana um pacote específico para apoiar as empresas da restauração relativamente ao que vão perder de receita nos próximos dois fins de semana", anunciou o primeiro-ministro, fazendo referência a 1550 milhões de euros, grande parte a fundo perdido, que serão entregues a micro e pequenas empresas, muitas da restauração.
Já Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, falou de apoios que podem ir dos quatro aos oito mil euros, destinados aos restaurantes e lojas de Lisboa, cuja quebra na faturação tenha sido igual ou superior a 25% — desde que não haja dividas ao fisco ou Segurança Social.
"Acho que a grande decisão deveria passar por um perdão fiscal aos que tiveram a sua vida arrasada e viram as suas empresas em dificuldades ou a falir sem culpa alguma."
Pedro Limão considera as medidas insuficientes. "Acho que a maior parte dos restaurantes devem ter dívidas a ambos, neste momento", diz. "Oito mil euros servem de pouco nesta catástrofe."
Sobre os apoios já disponibilizados ao setor, o chef considera que o "dedo apontado" ao Governo é "mais do que justo". "Com uma carga só de salários a rondar os sete mil euros, 1.700 de ajuda com o layoff não são nada. Esse dedo apontado é mais do que justo."
As medidas certas, considera, já deviam ter sido tomadas há mais tempo. Umas temporárias para melhorar a situação atual, outras permanentes, de forma a libertar os pequenos negócios da asfixia constante.
"Como é que é possível manter a cobrança de impostos às empresas que não faturam num momento destes? Eu acho mirabolante", diz. "E acho que a grande decisão deveria passar por um perdão fiscal aos que tiveram a sua vida arrasada e viram as suas empresas em dificuldades ou a falir sem culpa alguma."
Além disso, há alterações estruturais fundamentais para que os negócios no setor — sobretudo os mais pequenos e independentes — possam vingar e parar de "viver no limite": "A carga fiscal é uma loucura", diz. "Baixar o IVA na restauração de 23% para 10% ou 6% ajudava muito."
É que "com ou sem COVID-19, seria impossível manter as coisas com o sistema com que vivemos." Ao contrário do que se pensa, projetos de restauração mais pequenos, com ou sem pandemia, vivem "no limite". Entre impostos, fornecedores de qualidade, salários justos para equipas de cinco pessoas (como era o seu caso), valores de "rendas absurdas" e a criação de uma carta com um preço que o cliente esteja disposto a pagar, "a margem de lucro é muito fina."
Com "uma perda de 75% de faturação" nem se fala. "Alguém devia fazer alguma coisa sobre isso. Mas tenho 44 anos e sei muito bem que não é neste país que vamos conseguir os apoios de que precisamos. Não é desistir, mas quase."
Pedro Limão não gosta de estar parado e já está envolvido noutros projetos. "Temos de puxar pela versatilidade e esforço", diz. Está a organizar a jantares privados, alguns dos quais acabaram por ser cancelados, devido ao novo estado de emergência. Dá aulas na Escola de Hotelaria e começa a explorar a possibilidade de colaborar com projetos fora de Portugal, na área da consultoria. "Tenho um projeto de consultoria para um restaurante na Suíça, para março, que começa a ser formalizado."
O chef gostaria de ver mais "firmeza nas decisões e posições de quem manda". E também gostava de ver o setor mais unido e vocal. Esta ideia não vem de hoje: "Precisamos de nos juntar. Às vezes fico com a sensação ou de que as pessoas não falam dos problemas, por pudor ou vergonha, ou então é porque está tudo muito bem. Há alguns anos que partilho da ideia de, num dia, ninguém no setor trabalhar. Que impacto teria na parte social e económica do país se, de repente, num dia, não houvesse sítios para comer fora em Portugal? Parte das pessoas, dos empregados, dos patrões, que criarem essa consciência global."
De portas fechadas e até tudo se restabelecer, Pedro Limão vai concentrar-se em duas coisas: resolver os problemas que tem pela frente e refletir. "Não fará mal ter algum tempo para repensar o futuro."
Na terça-feira, 10 de novembro, o minuto foi de silêncio: “A revolução também se faz em silêncio. E a minha de hoje vai ser pelos restaurantes que continuam a fechar no Porto, alguns bem conhecidos do vosso universo. Vamos pensar nisto.” E não se ouviu mais nada.