O livro "Sexual Misconduct in Academia - Informing an Ethics of Care in the University" ("Más condutas sexuais na Academia - Para uma Ética de Cuidado na Universidade"), escrito por Catarina Laranjeiro, Lieselotte Viaene e Miye Nadya Tom, e publicado pela editora internacional Routledge, denuncia atos de assédio e violência sexual praticados contra as mulheres por dois membros do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, nomeadamente, Boaventura Sousa Santos, e Bruno Sena Martins, revela o "Diário de Notícias".
A obra em questão, que ficou disponível online a 31 de março, apresenta 12 capítulos, com especial destaque para o último, "The walls spoke when no one else would" (As paredes falaram quando ninguém se atrevia), que relata, sempre anonimamente os acontecimentos, não havendo referências diretas à instituição ou aos acusados. Porém, o CES é facilmente identificado, como sendo o local em questão, visto que é a única instituição em comum no percurso académico das três autoras, diz o "DN". De acordo com o mesmo órgão, apesar de o período também não se encontrar explícito, as acusações terão ocorrido entre 2011 e 2018/2019.
Já os autores, são identificados no livro como "The Star Professor" (o professor estrela), fazendo referência a Boaventura Sousa Santos, diretor emérito do CES, e "The Apprentice" (o aprendiz), Bruno Sena Martins, sociólogo, antropólogo e investigador da mesma instituição. O "DN" contactou ambos, que assumiram que as referências no livro diziam respeito aos próprios, mas negaram as acusações de que são alvo.
Em resposta ao "DN", Boaventura Sousa Santos refere que "é evidente que [o artigo] se refere ao Centro de Estudos Sociais", afirmando que o CES constitui "um alvo apetecível por muitas razões, e eu certamente em especial".
"O que é descrito é uma distorção e uma falsificação da realidade a meu respeito e a respeito do CES, de tal ordem que nem sequer ouso comentar. (...) O ambiente académico de proximidade e de crescimento coletivo que criámos ao longo de décadas é arrasado de uma maneira vil e inqualificável. (...) O artigo é um típico produto de um ataque ad hominem em que o mundo académico começa a ser fértil. O objetivo é lançar lama sobre quem se distingue e luta por um mundo melhor. (...) Chama-se a isso cancelamento", transmite ao "DN".
Afirma ainda que "aos 82 anos de idade julgava ter direito a um pouco de paz, mas infelizmente o mundo em que vivemos não permite que isso suceda", e concretiza que "os factos de alegada conduta menos ética mencionados nunca foram apresentados aos órgãos do CES".
Bruno Sena Martins, de 45 anos, descrito no livro como "Aprendiz", também deixou a sua posição ao DN. "Ao contrário do que o capítulo ora publicado ardilosamente pretende insinuar, quero reiterar que em momento algum agredi física ou sexualmente [uma das autoras do artigo] ou qualquer outra pessoa", e garante que "em nenhum momento" foi alvo de algum tipo de queixa do teor de que está a ser acusado.
No livro, as autoras revelam que os acusados já eram conhecidos pelas suas condutas por outras estudantes, que Boaventura violou várias mulheres, e que propunha "aprofundar relacionamento em paga de apoio académico". Para além disso, uma "investigadora sénior" (cuja identidade também não é mencionada) sabia o que se passava, estava ciente das condutas dos colegas, e não os confrontava "em defesa das estudantes".
"Assim que uma investigadora sénior se deu conta de que uma antiga estudante de doutoramento tinha denunciado publicamente o professor estrela por abuso sexual, a investigadora sénior contactou-a, expressando o seu apoio. Tinha feito o mesmo com outras estudantes de doutoramento que tinham passado por situações semelhantes. No entanto, a investigadora sénior não confrontou os seus colegas ou supervisores em defesa das estudantes. Claro que uma atitude mais frontal teria gerado hostilidade dos seus pares. Num contexto laboral competitivo, muito poucas/poucos arriscarão perder as suas posições, mesmo se isso significa ignorar condutas inapropriadas e antiéticas", conta o DN, através do que é relatado no livro.
Também o CES já emitiu um comunicado relativamente ao sucedido. "Estando o CES comprometido com o tratamento diligente deste tipo de ocorrências, decidiu averiguar a fundamentação das alegações produzidas no capítulo supramencionado. Nesta medida, o CES irá constituir num curto prazo uma comissão independente à qual caberá a identificação de eventuais falhas institucionais e a averiguação da ocorrência das eventuais condutas antiéticas referidas naquele capítulo".
Mais informam que "embora tradicionalmente apresentadas como ambientes neutros e seguros, as instituições académicas e de investigação não são alheias ao sistema social e cultural que produz e reproduz relações de poder desiguais", mas que "sendo as diversas formas de desigualdade, violência e abuso (moral e sexual) problemas transversais às organizações, o Centro de Estudos Sociais (CES) não se coloca fora desta discussão importante, nem se demite da responsabilidade que tem na promoção efetiva de um ambiente de trabalho científico mais igualitário e livre de todas as formas de assédio.
Quanto às autoras, a belga Lieselotte Viaene, a portuguesa Catarina Laranjeiro e a norte-americana Myie Nadya Tom, que frequentaram o CES, respetivamente, enquanto investigadora de pós-doutoramento (com uma bolsa Marie Curie) e estudantes de doutoramento, estão neste momento noutras instituições universitárias, escreve o "Observador". Lieselotte é docente, na Universidade Carlos III, em Madrid, Catarina é investigadora no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, e Myie Nadya é docente na Universidade de Nebraska, em Omaha, Estados Unidos.
Segundo o "Observador", as autoras foram contactadas e acordaram, em conjunto, não mencionar ou dar qualquer entrevista relativamente ao assunto em questão.