O corpo humano tem várias formas de revelar o que a mente sente. Em momentos de maior pressão, entre prazos apertados, dramas pessoais ou períodos de mudanças significativas, a pele é muitas vezes o primeiro órgão a dar sinais visíveis de stress. Vermelhidão, borbulhas inesperadas, oleosidade acentuada ou descamação não são meros incómodos, mas reflexos do sistema nervoso a comunicar com a barreira cutânea.
Não se trata apenas de uma questão de genética ou de uma rotina de cuidados, porque a pele e o cérebro estão em constante diálogo. Cada emoção intensa deixa a sua marca, mesmo que subtil, e cada reação cutânea conta uma história diferente. A pele torna-se um mapa vivo do que se passa no sistema nervoso, revelando vulnerabilidades e mostrando onde precisamos de atenção e cuidado.
Claro que há uma justificação científica, que vem mesmo antes do berço, explica Sara Fernandes, farmacêutica especializada em Cosmetologia, à MAGG: "a pele e o cérebro derivam do mesmo folheto embrionário". Trocando por miúdos, as nossas células da pele são as mesmas do que as que vão ser do nosso sistema nervoso, pelo que há uma "reação indissociável" entre ambas.
Assim, esta conexão, conhecida na dermatologia como eixo pele-cérebro, mostra que a sensibilidade cutânea não depende apenas de genética ou fatores ambientais, mas é profundamente influenciada pelo estado emocional de cada um. Depois, a forma como o stress se manifesta vai diferir, claro, consoante o tipo de pele e o histórico de sensibilidade.
Cada reação é única, mas a máxima a reter é universal: é absolutamente indiscutível que o stress altera a forma como a pele se comporta. E desengane-se quem acha que é algo que só tem implicações estéticas e supérfluas, porque, além da autoestima, está "mais do que estudado" que estas condições cutâneas podem impactar até o rendimento e a produtividade no trabalho, por exemplo.
"As doenças de pele trazem ansiedade, trazem um espaço mental que está sempre a ser ocupado com isto", explica a especialista, acrescentando que é importante "pensarmos nos cuidados de pele como ferramentas que também ajudam a saúde global da pessoa e ao seu bem-estar geral". No fundo, é simples: cuidar da mente ajuda a pele e cuidar da pele ajuda a mente. Quem diria que a skincare quase poderia ser um loop filosófico?
Por isso, Sara Fernandes sublinha que o cuidado diário da pele não é só sobre produtos, mas sobre rituais de bem-estar, por mais simples que sejam (sim, ninguém o obriga a ter uma rotina cheia de passos). Mas certo é que "ao mudarmos estes pequenos hábitos, mudamos também a formação da nossa microbiota". Afinal, podemos nem sempre conseguir controlar o que sentimos, mas conseguimos ter mão na forma como nos mimamos.
E se lhe disséssemos que a maquilhagem pode ajudar?
É neste contexto que surge a maquilhagem híbrida, um conceito que funde maquilhagem e skincare. Para Sara Fernandes, a sua ascensão não é casual e, contra todos os preconceitos erróneos que o eco popular teima em popularizar e que, de tão enraizados que estão, até a ciência tem dificuldade em travar, já lá vai o tempo em que esconder as reações da pele com maquilhagem fazia com que estas piorassem.
"A conceção de que a maquilhagem faz mal à pele vem de formulações antigas", começa por dizer, explicando que isto se deve ao facto de que, "desde que o Homem é Homem", se usarem "óleos animais, ceras vegetais, mercúrio ou chumbo" na composição dos cosméticos, ingredientes oclusivos que pioravam algumas condições de pele. "Hoje, temos controlo rigoroso das matérias-primas, pigmentos e texturas, e todos os cosméticos são seguros para a maioria das pessoas", enfatiza.
A evolução tecnológica veio de mãos dadas com silicones, ceras sintéticas e film formers, ingredientes que formam uma película fina sobre a pele, ajudando a fixar a maquilhagem, melhorar a espalhabilidade e proporcionar leveza e conforto. Estes avanços abriram caminho não só para melhorar a qualidade da maquilhagem tradicional, como para a híbrida, que se assume como verdadeiro aliado da saúde da pele.
"Cada vez mais faz sentido termos maquilhagem que nos deixa a pele com um melhor aspeto ao final do dia do que tínhamos no início, sem nunca dispersar a rotina de skincare", explica Sara Fernandes. Ajuda a reforçar a barreira, a acalmar irritações e até a complementar a proteção solar, enquanto cumpre a função clássica de disfarçar imperfeições. Para quem vive com condições dermatológicas visíveis ou invisíveis, contribui ainda para reduzir o “disease burden”, o peso diário que estas doenças trazem à autopercepção e ao bem-estar mental.
Embora se assuma como "agnóstica de marcas", porque acredita que "todas têm produtos excelentes", a farmacêutica dá o exemplo da It Cosmetics, criada precisamente com este propósito, recomendando o famoso CC Cream, conhecido por combinar pigmentos com ingredientes ativos, como niacinamida e peptídeos, que reforçam a barreira cutânea e ajudam na hidratação. "É uma win-win-win situation", resume a especialista, "porque a pele fica mais saudável, os problemas visíveis ficam disfarçados e a pessoa sente-se melhor mentalmente".
Sara Fernandes esclarece, porém, que a acumulação de ingredientes ativos é “cumulativa, para o bem e para o mal”. Explica que, embora seja maravilhoso observar os efeitos progressivos dos mesmos, "todos os ingredientes têm uma concentração máxima tolerável", exemplificando com a niacinamida, que se fixa em cerca de 10%. O problema surge quando a indústria e os consumidores se fixam na percentagem máxima, transformando cada produto num veículo para a dose máxima do ativo mais trendy.
Isto pode fazer com que a pele fique intolerante, não ao ativo mas à quantidade excessiva usada – e, a partir daqui, abre-se espaço para a desinformação. "Só porque [o ativo] está destacado no rótulo, não significa que seja necessariamente ele que me está a fazer ter uma reação. Por exemplo, se usar 10 produtos com 10% de niacinamida, qualquer pessoa fica intolerante", alerta. E não é só na pele que poderá ter implicações.
Este fenómeno pode acabar por afetar, simultaneamente, a liberdade de as marcas desenvolverem produtos inovadores, restringindo-os. A farmacêutica sublinha que há situações em que um sérum precisa de concentrações elevadas de múltiplos ativos para tratar condições específicas e que estas restrições, impostas por receio e excesso de regulamentação, podem impedir que soluções mais eficazes cheguem ao público.
Contudo, uma coisa é certa: tal como qualquer outro produto, quando usado como deve ser, a maquilhagem híbrida é uma extensão do cuidado que oferecemos a nós próprios. É o ponto de encontro entre ciência, sensibilidade e estética, através da qual cada gesto conta para a saúde da pele e para o equilíbrio mental. "Temos aqui o melhor dos dois mundos e ainda contribui para a saúde mental das pessoas com problemas de pele. Saímos todos a ganhar", remata Sara Fernandes.