Vamos começar por recordar o dia em que tudo começou. Ângelo Rodrigues deu entrada no Hospital Garcia de Orta no dia 26 de agosto de 2019 em choque séptico devido a uma fasceíte necrotizante do membro inferior esquerdo — uma infeção bacteriana grave e rara dos tecidos subcutâneos.
Durante o último ano, muito se especulou sobre o que teria levado a esta infeção. Este domingo, 13 de setembro, através do documentário "Ângelo Rodrigues - Toda a História", Portugal ficou a saber pelo ator de 33 anos o que realmente aconteceu.
Ao contrário do que se falava na altura, Ângelo Rodrigues admite que o problema teve origem em muito mais do que uma "obsessão física". Um ano e dezoito dias depois, num testemunho sincero, o ator revela que tudo começou quando se encontrava a viver no Brasil e sentia que as expectativas que tinha em relação à carreira não estavam exactamente como pensava.
"O ponto da carreira onde eu estava, não estava como eu queria ainda e isso gerou alguns períodos de desanimo, desalento, sentimentos de apatia, alguns pensamentos depressivos, falta de concentração para fazer quase tudo... no fundo era uma angustia existencial.", confessa. "Esta felicidade emocional que todos nós projetamos, não corresponde à realidade", acrescenta.
Estes sentimentos depressivos levaram-no a procurar ajuda, tendo recorrido à endocrinologia e foi aí que lhe falaram do tratamento de reposição hormonal, visto que havia a possibilidade de Ângelo sofrer de um desequilibro hormonal. Depois de realizar testes ao sangue, acabou por se confirmar que o ator sofria de uma descompensação no sistema endócrino. Estes resultados levaram-no a iniciar o tratamento hormonal sobre o qual assumiu não ter "qualquer julgamento moral", uma vez que lhe foi apresentado como uma coisa comum e "normal", decidindo fazê-lo por questões de saúde.
"Fiz as primeiras aplicações na clínica, sentia-me menos angustiado, menos cansado, menos irritado", conta. Ângelo Rodrigues dirigia-se à clínica sempre que precisava de fazer uma injeção intra-musculares, mas o facto de ter surgido trabalho em Portugal fez com que tivesse de parar o tratamento no Brasil, uma decisão "que acabou por ser o motor para tudo o que aconteceu". Já em Portugal, o ator optou por continuar o tratamento sozinho e em casa e essa decisão "acabou por ser o principio do fim". O mau manuseamento do material ditou o agravamento do estado de saúde do ator.
"Foi mesmo pelo mau manuseamento do material, não foi sequer, como acho que chegou a ser apontado, da validade do produto ou da qualidade do produto. Foi mesmo eu ser profundamente ignorante e fazer um mau manuseamento do material que acabou por ditar quase o meu fim", lamenta o ator.
Os sintomas iniciais eram muito parecidos aos de uma gripe, o que acabou por fazer com que o ator desvalorizasse a situação, pondo sempre o trabalho em primeiro lugar. Mas Ângelo Rodrigues encontrava-se a gravar um Talk Show e foi durante um dia de trabalho que percebeu que o estado de saúde já se tinha agravado e, obrigado pela produção, dirigiu-se ao hospital.
Ricardo Souto, médico de cirurgia geral, explica que Ângelo Rodrigues deu entrada no hospital com uma "infeção grave nos tecidos moles da coxa que estavam, no fundo, a descompensar já todo o organismo, todos os sistemas, todos os aparelhos estavam a entrar em falência. Era uma situação que tinha de ser agressivamente tratada" e o controlo passava por uma cirurgia imediata.
"Tiveram de abrir quase metade do meu corpo, uma cicatriz que tem uma extensão de 82 cm, que vai desde o topo da perna até quase ao gémeo", revela o ator.
Durante os quatro dias em que esteve em coma, Ângelo releva que havia um cenário a persistir na sua cabeça. "É uma imagem em que eu estava num corredor escuro em que tudo era preto, como se eu tivesse sido abandonado na escuridão. No lugar onde eu estava via portadas de um lado e do outro, portadas brancas e elas abriam e fechavam constantemente e isto ressoava dentro da minha mente e eu só pensava "é só isto? a vida é só isto? A vida é suposto terminar aqui?".
Ao longo do documentário o ator conta todos os pormenores do processo de recuperação, os tratamentos que fez e como foi "humilhante" ter de passar pelo processo de fazer as necessidade numa fralda ou voltar a viver com a mãe quando saiu do hospital. Apesar disso, Ângelo encara o que lhe aconteceu como uma forma de passar a valorizar mais as experiências positivas. Ângelo Rodrigues encara o documentário como um exemplo de sobrevivência que servirá para o ajudar a "conseguir fechar esta porta" e para evitar que coisas como estas voltem a acontecer com outras pessoas.
O ator revela ainda que quando lhe foi proposto o documentário, o foco era só um: " Eu só termino o documentário quando correr". Ângelo Rodrigues termina a correr ao lado de Nelson Évora que encara a situação do ator como um testemunho de força e superação.