Benedita Pereira, atriz de teatro, cinema e televisão de 38 anos, estreia-se esta quinta-feira, 19 de outubro, em “Bernardo Santareno x2” no Teatro Nacional São João, no Porto. O espectáculo é uma sessão dupla das peças “A Promessa”, de 1957, e “O Pecado de João Agonia”, de 1961, do dramaturgo português.

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Em entrevista à MAGG, a atriz, que se popularizou na primeira temporada da série juvenil “Morangos com Açúcar” dando vida a Joana, recordou quando foi estudar para Nova Iorque, aos 22 anos, recusando ser protagonista da novela da TVI "Deixam-me Amar", correndo atrás de uma carreira internacional.

Benedita Pereira, que foi mãe de Álvaro em fevereiro de 2020, fruto do casamento com Francisco Roldão Cruz, contou ainda como está a ser a maternidade e como é conciliá-la com a sua profissão.

Esta quinta-feira estreia no Teatro Nacional São João “Bernardo Santareno x2”. Como descreve este projeto e as suas personagens?

São duas peças que, supostamente, seriam duas peças separadas. São do Bernardo Santareno e houve esta ideia de as fazer na mesma noite, fazer um evento disto também um bocadinho o resgate do Bernardo Santareno que tem sido um autor um bocadinho esquecido da dramaturgia portuguesa.

Há dois anos fizemos “O Pecado de João Agonia” aqui no Porto, no Teatro Carlos Alberto, e teve uma aceitação enorme, que foi um pouco surpreendente de certa forma e ingenuamente da nossa parte, porque tínhamos aquela dúvida de ‘será que isto ainda é pertinente?’. Tem uma linguagem um bocadinho mais antiga, em que a homossexualidade era vista como uma doença, como o pior pecado e a coisa mais suja. É uma peça que começa com uns momentos bastante leves, quase como uma comédia, e que acaba por ser uma tragédia, e que deixou principalmente a malta mais jovem muito comovida, foi muito giro ver isso. O que me surpreendeu mais na altura foi ver o público mais jovem tão comovido com o que se estava a passar ali.

Há muito preconceito, há muito este sentimento de culpa, há muito este julgamento da família, da comunidade e ainda está muito presente em Portugal, nos meios mais pequenos e nos grandes também, mas nos mais pequenos é mesmo muito visível. “A Promessa” é a mesma coisa, com um tema mais ligado à religião e ao fanatismo religioso, a culpa e a emancipação da mulher que não era uma realidade de todo, com o facto da mulher mostrar desejo e vontades. Não é por acaso que ambas as peças foram censuradas na altura.

É um grande desafio, é uma grande loucura para nós atores e para a equipa, e também acho que é um evento único como público ver estas duas peças de seguida, porque nos faz mesmo mergulhar nesta realidade, apesar de uma ser numa aldeia serrana e outra numa aldeia piscatória. São realidades que ainda estão muito próximas do que nós vivemos hoje em dia e faz-nos olhar um bocadinho para dentro, para um passado ainda muito presente, para uma realidade ainda muito presente. Continuo a deparar-me com muito fanatismo religioso, aliás o que se está a passar hoje em dia no Médio Oriente e não só, mas mesmo em Portugal, quando houve a Jornada Mundial da Juventude, conversou-se muito sobre isto.

Quanto às minhas personagens, são duas Marias: uma é Maria Giesta e outra é Maria do Mar. A Maria Giesta, como o nome diz, é mais do campo e a Maria do Mar vive ao pé do mar. A Maria Giesta, que era a personagem que eu conhecia melhor porque já vem de há dois anos, hoje em dia até me parece uma lufada de ar fresco comparada com a Maria do Mar, porque ela tem energia positiva, é uma mulher que até onde lhe deixam é livre, que se insurge contra o patriarcado, contra a subjugação do poder da mulher em relação ao homem, portanto ela tem esse rasgo e tem uma energia boa.

Ela acaba por nutrir sentimentos pela personagem do João Agonia, que é um homossexual, e nunca se fala sequer na palavra “homossexual”, e obviamente que ele não lhe dá troco e a personagem começa a ficar um bocadinho mais negra nesse sentido em que não lida bem com essa rejeição e que também não sabe lidar com isto de ele ser diferente.

A Maria do Mar vive um casamento em castidade, por causa de uma promessa que fizeram para salvar na altura o futuro sogro que estava em apuros no mar, e prometeram casar-se em castidade. Ela não quer continuar, quer consumar o casamento, e o marido está cada vez mais dentro da religião e já é sacristão da igreja.

São duas mulheres que são rejeitadas por motivos diferentes e vivem numa amargura, num beco sem saída de querer libertar-se disso e não saber como. São duas personagens com energias fortes, mas muito diferentes, e principalmente fazendo-o de seguida.

Créditos das fotos: João Tuna

A um dia da estreia [nr: a entrevista foi realizada esta quarta-feira, 18 de outubro], quais são as expectativas? Como se está a preparar para estes dias que aí vêm?

Pelo facto de estarmos a fazer duas peças, tem sido um processo bastante mais duro do que o costume. Nesta fase, obviamente que há nervos, insónias, medos e inseguranças, mas é engraçado, porque estamos tão cansados de certa forma, é tanta coisa que temos de ter na cabeça que, a um dia da estreia, ainda estou um bocado a pairar. Estou só a tentar sobreviver todos os dias, porque há dias em que eu até digo às pessoas à minha volta: ‘eu sei lá o que é que vou fazer daqui a três dias, deixem-me sobreviver a este dia e amanhã pensamos no próximo dia’.

Claro que tenho noção da dimensão do desafio e que me assusta muito e acho que também é o meu cérebro que me está a tentar proteger de tentar não pensar muito nisso. É um bocadinho a sensação de cada vez que começamos um ensaio, e hoje vamos ter o ensaio geral, de também não pensar muito no longo curso e pensar: ‘pronto, vou começar, isto há-de estar aqui, eu vou confiar que está cá e estes meses de ensaio e tudo o que eu preparei vai estar aqui para mim’. Há uma altura em que nós temos de largar, deixar acontecer, porque o processo já foi, as coisas estão dentro de nós e nós temos de acreditar que elas vão estar lá para nós.

A Benedita nasceu no Porto e pisou o palco do Teatro Nacional São João pela primeira vez com 13 anos. Tem um gostinho especial atuar nesse lugar?

Tem sempre, sim. Eu estreei-me profissionalmente no Teatro São João quando era adolescente, aos 13, e é um sítio a que gosto muito de voltar. Tenho feito muito teatro no Porto, bastante ultimamente, e eu gosto muito de trabalhar aqui, com as pessoas daqui, estou em casa com os meus pais, o que também é bom, estou fora de casa mas estou dentro também.

A equipa do São João é sempre muito acolhedora, muitos deles são os mesmos de há 20 e tal anos. Eles lembram-se de mim pequenina e eu lembro-me deles e portanto tem um sabor especial sempre. O público do Porto também me acarinha. Não tenho razões de queixa do público em lado nenhum, mas pronto, de facto tem um gosto especial.

Foi na primeira temporada de “Morangos com Açúcar” que se popularizou, dando vida a Joana. Que impacto é que a série juvenil teve na sua vida e na sua carreira?

Primeiro não há entrevista em que não me falem sobre isso (risos), por isso há-de ter impacto. Já passaram 20 anos, obviamente que foi uma altura muito feliz da minha vida, onde fiz amigos para a vida, onde aprendi muito, foi uma escola. Eu estava a aprender em direto, as pessoas viam-me a evoluir. Acho que as pessoas acarinharam muito o projeto e a nós atores e a maior parte das pessoas ainda se lembram de mim dessa altura. Há miúdos que não existiam e que veem hoje em dia os “Morangos” e que eu acho fabuloso, naquela ingenuidade de acharmos que as coisas são datadas e pelos vistos as pessoas continuam a gostar.

É uma coisa que há-de viver comigo para sempre e há-de viver na memória de quem viveu “Morangos” para sempre, e como as pessoas falam sempre com carinho não há nada de mau a apontar. Claro que em 20 anos muita coisa na minha vida se passou, mas só tenho boas memórias e alguma nostalgia. Claro que os “Morangos” foram muito especiais, porque também marcaram a minha mudança de Porto para Lisboa e de vida, mas o que fica dos trabalhos são as pessoas e as memórias que nós criamos com elas, e sem dúvida que criei memórias e amizades incríveis nessa altura. E não é por acaso que são as mesmas até hoje.

"Não gosto quando os colegas se começam a queixar, e quando dizem coisas meio a brincar meio a sério tipo ‘a minha vida não é isto’"

Apesar de ter participado na primeira temporada da série juvenil, sentiu logo o fenómeno 'Morangos'?

Foi um fenómeno logo, foi estranhíssimo. Nós não estávamos mesmo à espera. Nos primeiros meses em que estávamos a gravar e não estava no ar nós não fazíamos ideia de que isto ia acontecer e na verdade até olhavam para nós de soslaio a achar que aquilo ia ser um flop, a malta assim à nossa volta. [Era] a primeira vez que punham assim os miúdos a protagonizar.

De repente foi um fenómeno que, no início, foi difícil de interiorizar. Tinha 17, 18 anos, não estava muito preparada para ser reconhecida na rua, para as pessoas pedirem autógrafos. Houve momentos em que eu sinto que não sabia lidar muito bem e que se calhar não era tão simpática quanto devia ser, porque ficava muito assoberbada com tudo o que se estava a passar. Era difícil, mas foi logo, foi muito rápido.

Não estávamos à espera que, depois, fosse uma coisa continuada e que durasse anos já sem nós, ninguém estava à espera disto. Hão de mentir se disserem que estavam à espera de que isto acontecesse, mas sinto que fomos um bocado um teste e correu bem.

Depois disso integrou o elenco de várias telenovelas portuguesas, como “Tempo de Viver”, “Santa Bárbara” ou “Prisioneira”, na TVI. Qual foi a personagem que mais a marcou?

Provavelmente a de “Santa Bárbara” [Gabriela], porque era uma protagonista com um arco grande, porque tive de aprender coisas sobre uma profissão que eu desconhecia completamente, a de mineira, e tinha muitos desafios em termos de construção de personagem, emocionais. Mesmo a fazer cenas passávamos por coisas muito difíceis, como gravar cenas nas minas. Também tenho muito boas memórias, porque foram meses com uma equipa muito boa, um elenco muito bom e muito coeso.

Em termos de novela foi a que gostei mais de fazer assim em idade adulta, sem ser os “Morangos com Açúcar”. Eu tive muita sorte na maior parte das novelas que fiz, gostei muito de as fazer. Como nunca fiz muitas seguidas, quando as fiz, fiz com vontade. As novelas têm essa coisa, damos muito tempo da nossa vida, é muito intenso, são muitos meses seguidos, e eu acho que as pessoas têm de o fazer com muita vontade.

Às vezes há quem não a tenha e nós sentimos isso na pele e eu não acho isso fixe, não gosto quando os colegas se começam a queixar, e quando dizem coisas meio a brincar meio a sério tipo ‘a minha vida não é isto’. Não, a minha vida é isto, estou a trabalhar. Quando eu dou esse passo de entrar num projeto é porque estou de corpo e alma, por isso vou fazendo novelas assim de vez em quando, porque não quero fazer por rotina e porque acho que há outras coisas que se podem fazer, que gosto de fazer, e assim quando volto a fazer uma novela vou com muita vontade e com vontade de fazer a melhor novela, com o espírito de que estamos a fazer a melhor novela de sempre. Eu senti isso quando fiz a “Santa Bárbara”.

A última novela que fez foi “Prisioneira”, na TVI, e já passaram cerca de três anos. Está para breve o regresso às novelas?

Para já não sei. Agora estou numa fase em que já faria uma. Depende obviamente. Já aconteceram convites em que não era compatível com o que eu estava a fazer, porque eu tenho feito muito teatro, e tive de recusar. Agora estaria aberta a um novo convite e se desse para conjugar com as que coisas que tenho, como estou numa fase um bocadinho mais calma, acho que agora estaria disponível para fazer uma novela. Ou outro tipo de série ou assim. Na “Prisioneira” eu engravidei, depois foi ter o filho, a pandemia e a agenda ficou cheia de teatro e foram uma data de condicionantes. Mas acho que estaria pronta.

Além das telenovelas, já participou em séries, como “Sim, Chef!”, na RTP1, em peças de teatro, como “O Homem” de João Telmo, e filmes como “Quero-te Tanto” de Vicente Alves do Ó. Qual foi a personagem mais desafiante?

Há várias. No teatro, esta Maria do Mar está a ser um desafio gigante. O “Pulmão”, a peça que eu fiz no fim do ano passado e início deste ano e que há-de voltar agora no início do próximo ano, foi provavelmente dos desafios talvez mais estimulantes e difíceis, mas também gratificantes. Também porque foi um projeto que saiu da minha cabeça. Não fui eu que o escrevi, mas fui eu que o quis fazer e, por isso, teve um gostinho especial.

Em séries e filmes... fazer a série “Versailles” foi um desafio gigante por todos os motivos, por entrar numa produção internacional, por fazer uma infanta e uma personagem de época, estar a falar inglês com um sotaque que não é o meu natural, estar a trabalhar com pessoas que eu já admirava, foi super desafiante e um dos highlights [“destaques” em português] do meu percurso.

Uma série que eu fiz há muitos anos na TVI, o “Ele É Ela”, também foi uma comédia que me deu muito prazer fazer, porque a premissa era muito parva: um homem que um dia acorda num corpo de mulher e tem de lidar com isso tudo. Na altura já se falava obviamente do feminismo e do que as mulheres sofrem com assédio, mas foi pré-MeToo [movimento contra o assédio sexual e a agressão sexual] e pré essas revoluções todas, por isso acho que hoje em dia essa série teria um impacto... e podia ser desenvolvida de uma forma muito interessante. Na altura, na minha ingenuidade com os meus 20 e poucos anos, foi um desafio e um prazer enorme fazer.

Eu tenho algum gosto por fazer comédia e também drama. Neste momento estou a fazer duas tragédias, o “Pulmão” é o chamado “dramedy” que tem drama e comédia, e eu acho que é mais ou menos por aí o género com que eu me identifico.

"Sinto que estar a fazer mais teatro e estar a fazer teatro no Porto me deixa mais fora do circuito do que o tempo em que estive em Nova Iorque"

A Benedita decidiu ir estudar para Nova Iorque aos 22 anos, tendo recusado ser protagonista da novela “Deixa-me Amar”, da TVI. Porque é que decidiu arriscar? Estando a começar a sua carreira, não teve medo de “perder este comboio” em Portugal?

Eu não pensei muito no assunto. Era uma coisa que eu queria fazer, que sempre tinha imaginado fazer e senti que se eu não marcasse uma data e fosse talvez não teria ido. Não pensei muito no futuro, também não pensei ficar lá tanto tempo, achava que ia ser só um ano. Depois a vida acontece, nós apaixonámo-nos pelos lugares, pelas possibilidades de aprendizagem e de carreira e eu fui ficando e o tempo passa, de facto, muito rápido.

Não perdi o comboio, se calhar perdi mais agora que resolvi fazer mais teatro. Não perdi, nunca tive falta de trabalho felizmente, mas sinto que o facto de estar a fazer mais teatro e estar a fazer teatro no Porto me deixa mais fora do circuito do que o tempo em que estive em Nova Iorque. Também tenho outra idade e estamos noutro momento, mas não é uma coisa que me tenha preocupado nem é uma coisa que me preocupe hoje em dia, acho que fiz o que tinha de fazer.

Não sou daquelas pessoas que diz ‘se voltasse atrás fazia tudo o mesmo’. Não sei se fazia, porque entretanto aprendi muita coisa e soube de coisas que não sabia, fui muito ingénua em muitos momentos da minha vida. O recusar essa novela e ir nesse momento não me arrependo, vou ser sincera. Outros convites que surgiram a meio se calhar tinha lidado com as coisas de maneira diferente, não faço ideia. É o meu percurso, faz de mim quem sou hoje, assim como o que estou a fazer hoje é essencial para mim.

É essencial estar a fazer este percurso no teatro, neste momento faz todo o sentido. Sinto que o palco faz parte de mim, nunca mais vou poder estar tanto tempo sem fazer teatro, porque houve alturas em que estive muito tempo sem fazer. Também sinto que agora está na altura de fazer mais televisão, cinema, mais trabalho audiovisual.

Nós somos o produto do nosso percurso e na altura eu não pensei, as coisas foram muito mais irrefletidas do que seriam hoje em dia. Hoje tenho 38 anos, na altura tinha 21, 22 anos, eu precisava de sair daqui. Depois de um fenómeno como os “Morangos com Açúcar” e de ser protagonista de outras novelas, eu precisava mesmo de ir estudar e de sair desta bolha de ser conhecida.

De repente ir, as pessoas não saberem minimamente quem era, ir para uma sala de aula, errar, experimentar coisas, isso ninguém me tira. Foi essencial para me tornar na atriz que sou hoje em dia com mais ou menos dinheiro (risos). Claro que investi muito tempo e dinheiro, recusei trabalhos, mas tenho muito orgulho no meu percurso, no que me tornei e só espero continuar a melhorar, a evoluir e a ter essas oportunidades.

Acabou por se apaixonar pela cidade e ficar lá durante cerca de sete anos pelas oportunidades que esta lhe podia proporcionar. O que guarda destes anos?

Guardo muita aprendizagem a vários níveis. Não só como atriz e como funciona o meio artístico noutros sítios, numa indústria gigante. Aprendi muito sobre empatia, sobre outras religiões, comunidades, culturas, porque vivi com elas de perto, partilhei casa, estudei e trabalhei com pessoas de todos os cantos do mundo. Tive projetos em que cada um era quase de um continente diferente.

Isso é super enriquecedor como artista e como pessoa, ir apendendo muitas coisas que me fazem olhar para o mundo de maneira diferente. Mesmo o que estamos a viver hoje, o conflito do Médio oriente, apesar de não ser pro isto ou pro aquilo, porque sou é contra tudo o que é guerra, eu convivi muito com judeus e muçulmanos e fui aprendendo muito sobre a história deles. Tenho amigas israelitas, tenho um grupo de amigos da escola em que já houve muitas discussões sobre o que está a acontecer agora.

No fundo foi um tempo em que me abriu muito a cabeça, em que me fez ser uma pessoa mais empática, sem ter o julgamento na ponta da língua e na cabeça, com a cabeça mais livre, com mais vontade de olhar para as coisas e para as diferenças, de entender.

Foi uma altura em que também passei por algumas dificuldades, porque é uma cidade cara, não é tão fácil de trabalhar assim como atriz e cada vitória era uma vitória celebrada mesmo, cada dia de trabalho era uma vitória e era saboreado, e trouxe isso até aos dias de hoje. Sempre fui feliz a trabalhar, mas sinto que cada dia de trabalho tem um sabor mais especial pelo que eu vi, pelo que eu passei, pelo que vi os outros passarem, atores incríveis e cheios de talento que trabalham muito menos do que o que seria expectável e que passam dificuldades e têm de ter outros trabalhos.

Enfim, fez-me ver coisas que não teria oportunidade de ver se não estivesse lá mesmo. Não é só ir lá, é estar mesmo lá a viver aquilo com as pessoas. Criei amizades para a vida. No fundo tenho a sensação de que tenho uma vida lá em stand by e que cada vez que lá volto ela é reiniciada. Eu fui lá há um ano e pouco e já não ia há bastante tempo e foi um momento muito feliz da minha vida, perceber que aquilo lá está, as minhas pessoas ainda lá estão e que aquela cidade continua a fervilhar mesmo depois de tudo o que aconteceu com a pandemia.

Adoro Nova Iorque, não sei se teria vontade de voltar para lá a viver de armas e bagagens, mas vejo-me a voltar lá várias vezes e passar lá umas temporadas.

O seu objetivo era uma carreira internacional e já participou em projetos como “The Blacklist” e deu vida a Isabel de Bragança em “Versailles”. Como foi integrar projetos desta dimensão?

Foi incrível. Como é óbvio estava muito nervosa e fingia que não estava. É sempre uma grande honra e é um momento em que aprendemos muito, é tipo um workshop intensivo de ver como as coisas funcionam, como é que as pessoas trabalham, se há grandes diferenças, se não há, as condições que há. Também aprendemos que nós, em Portugal, fazemos quase omeletes sem ovos, porque com muito menos condições fazemos coisas com bastante qualidade. Faz-nos ter outra perspetiva sobre as coisas e senti-me muito privilegiada. Obviamente que tenho vontade de ter outras oportunidades.

Hoje em dia o mercado internacional é muito diferente do que eu conheci quando lá vivi. Era muito mais fechado, Portugal era um sítio inexistente no mapa, exótico quase, eu ia a castings para personagens que não tinham nada a ver, passei por coisas que hoje em dia já se ultrapassaram felizmente. As pessoas já não têm de estar numa caixinha, tipo: ‘onde é que ela pertence?’. O mundo está muito mais aberto, as pessoas podem fazer audições de todas as partes do mundo, as famosas selftapes, dá para começar carreiras internacionais sem a pessoa se mudar para lado nenhum.

De certa forma sinto que eu vivi o que tinha para viver, mas tinha sido muito diferente se tivesse sido agora e não tem mal nenhum. Foi o que foi. Mas sim, acho que Portugal vai receber muitas mais produções internacionais, há mais coproduções, já estamos muito mais com o pé no mercado internacional e os atores têm mais essas oportunidades. Eu só espero que isso continue e melhore.

Também tive um papel pequeno, mas que me deu algum gozo fazer [na série da Netflix] “Rabo de Peixe”, vamos ver se me chamam para a segunda temporada ou não, mas que isso seja o início de mais séries destas e que sejam um sucesso e que nos deem mais oportunidades de mostrar o que fazemos aqui, que é muito bom e muitas vezes com um décimo das condições que eles têm lá fora.

Ter uma carreira internacional continua a ser um dos seus objetivos? Intercalando com uma nacional?

Sim, claro que sim. Acho que não há razões para não ter essa vontade e objetivo. Claro que há alturas em que estou mais focada do que outras, neste momento por exemplo há toda uma greve de atores e não há assim muito trabalho lá, eu também estou aqui a fazer teatro, mas estou sempre aberta. Tenho representante nos Estados Unidos, mas não tem havido muita coisa, mas estou sempre com um olho aqui e outro lá.

Os anos que eu estive nos Estados Unidos contam, o meu nível de inglês e todas essas ferramentas que eu tenho, mesmo outras línguas que fui aperfeiçoando são importantes e podem servir-me amanhã, como daqui a um ano ou daqui a três. A gente não sabe quando é que vêm as oportunidades, temos é de estar prontos.

Soube que queria ser atriz aos 8 anos. O que é que lhe despertou interesse na profissão?

Foi um mero acaso. Os meus pais acharam que eu teria jeito, porque tinha feito uns teatrinhos aqui quando era pequenina com os meus irmãos e de facto destacava-me apesar de ser a mais nova, depois puseram-me numa escola de teatro, o Balleteatro, que era a única escola que tinha aulas para crianças, eu experimentei e disse que era aquilo que queria fazer. Eu nem tinha muita noção, mas sabia que era ali que eu pertencia de certa forma e fui muito dedicada sempre, tive sempre muitas certezas que era aquilo que eu queria fazer e os meus pais sempre aceitaram e sempre viram isso com bons olhos.

Também é preciso ter sorte com isso. Hoje em dia é mais normal, com a televisão e mesmo os “Morangos” abriram muito essa porta aos jovens, mas a minha mãe dizia que eu ia ser pobrezinha. Na altura era uma coisa um bocado estranha, uma criança querer ser atriz, não era uma coisa muito normal. Sempre levei a sério e levaram-me a sério, o que foi uma coisa porreira. Eram uns trabalhinhos aqui e outros ali, até que depois aconteceram os “Morangos”.

"Gosto muito de ser mãe. É uma descoberta todos os dias, todos os dias há uma coisa nova"

A Benedita conta atualmente com 196 mil seguidores no Instagram. Sente que atualmente as redes sociais são uma plataforma de trabalho e uma montra?

Sim, obviamente não é obrigatório. A minha geração está ali num limiar em que alguns atores não têm redes sociais e outros têm. Eu acho que é uma ótima maneira de comunicar com as pessoas, de não estar dependente de jornalismo menos sério que existe e existia muito. Quando eu estava a começar a trabalhar era um terror com os paparazzi, do que se dizia.

Hoje em dia é muito mais fácil controlar a informação e dizer o que nós queremos dizer e mostrar o que queremos mostrar. É muito mais justo. Eu não quero mostrar algo, mas outra pessoa quer mostrar e está tudo bem, porque somos nós que controlamos. Claro que há sempre imprensa cor de rosa e o diz que disse, mas eu sinto-me muito mais protegida desta forma. É uma maneira de comunicar, por exemplo, teatro e outras coisas que estamos a fazer. Eu vou ao teatro, vejo filmes e séries muito pelo que também vejo nas redes sociais dos meus colegas e vice-versa, acho que funciona para os dois lados.

Hoje em dia também é uma plataforma de publicidade, os atores sempre fizeram publicidade. Apesar de eu não viver disso também o faço com marcas que fazem sentido e com as quais me identifico. É um bom complemento às coisas que vamos fazendo. Eu tento fazer uma boa gestão entre o que eu quero comunicar de profissional, de publicidade e uns vislumbres do pessoal.

Foi mãe de Álvaro em fevereiro de 2020. Como está a ser esta jornada da maternidade?

Está a ser o papel mais desafiante da minha vida, mas é muito gratificante. Gosto muito de ser mãe, sou completamente apaixonada pelo meu filho. É uma descoberta todos os dias, todos os dias há uma coisa nova. No outro dia ele viu-me na televisão, estava também a promover o espetáculo, e os meus pais contaram-me como foi a reação dele e ele estava muito entusiasmado.

É ver o mundo pelos olhos dele, mostrar-lhe o mundo da maneira que eu quero mostrar, sem o proteger demasiado, mas ao mesmo tempo a fazer uma curadoria do que lhe quero mostrar e de como quero que ele veja o mundo. Ele já tem 3 anos e meio, já é uma pessoa, e tem a personalidade dele, os gostos dele, e é muito entusiasmante ser mãe e ser responsável por uma criança, tentando que ele seja o melhor menino que eu consiga que ele seja e eu acho que é (risos).

É complicado gerir a maternidade com a profissão de atriz? Principalmente correndo atrás de uma carreira internacional?

Claro. Eu acho que não é uma impossibilidade, acho que tudo é possível. Quando acontecem as oportunidades felizmente tenho uma rede de apoio. Em Lisboa não tenho tanto, mas tenho os meus pais aqui [no Porto], um marido que compreende e que apoia, o Álvaro tem tios, tenho amigos meus que tomam conta dele. Tenho uma rede de apoio que sei que posso contar sempre que precisar.

As coisas têm de ser organizadas, às vezes há mais dores de cabeça do que outras, mas as coisas quando se querem muito nós conseguimos organizar. Claro que é diferente, não é agora eu ir viver para não sei onde só porque sim. Se eu tiver um trabalho e tiver de me deslocar durante algum tempo tenho de perceber o que é melhor para ele, melhor para mim. Será sempre uma coisa a considerar, mas não acho que seja uma impossibilidade nunca.

Recorde o percurso de Benedita Pereira.