A vida de Maria Callas dava um filme – e, na verdade, deu. É já esta quinta-feira, 16 de janeiro, que chega aos cinemas "Maria", o tão aguardado filme biográfico da diva da ópera, realizado por Pablo Larraín. Quem dá vida a este ícone da música é Angelina Jolie, que vai mostrar a vida da soprano durante os seus últimos dias em Paris, nos anos 70.
No âmbito do projeto, a atriz foi super elogiada pela sua performance. Prova disso é que, na 81.ª edição do Festival Internacional de Cinema de Veneza, o filme foi ovacionado durante oito minutos pela plateia, um momento que deixou a artista completamente lavada em lágrimas. Além de ter sido nomeada para um Globo de Ouro, Angelina Jolie poderá entrar na corrida aos Óscares.
Para além de Jolie, o elenco inclui nomes como Pierfrancesco Favino, Alba Rohrwacher, Haluk Bilginer, Kodi Smit-McPhee e Valeria Golino. Steven Knight é o argumentista e Pablo Larrain é o realizador e um dos produtores do filme, sendo este o seu terceiro projeto biográfico. "Maria" junta-se a "Jackie" e "Spencer", sendo que este último valeu a Kristen Stewart a sua primeira nomeação para um Óscar.
Com a estreia mesmo ao virar da esquina, não há melhor momento do que este para relembrar alguns dos aspetos mais impressionantes da vida de Maria Callas, que morreu sozinha em Paris aos 53 anos, vítima de um ataque cardíaco. Das histórias de amor conturbadas (e super mediáticas) à morte trágica, passando pela relação da família, eis cinco curiosidades sobre a vida da La Divina, como lhe chamavam.
Sempre teve uma relação familiar conturbada
Nascida em 1923, em Nova Iorque, Maria Anna Cecilia Sofía Kalogeropulu é fruto do casamento de dois emigrantes gregos, George Kalogeropoulos e Evangelia Dimitriadou, que se mudaram para os Estados Unidos em busca de melhores oportunidades e de uma vida mais próspera. Foi aquando da chegada a solo norte-americano que americanizaram o apelido para Callas.
A vida da artista mostrou-se conturbada desde a infância. Depois de nascer, a mãe não a quis ver durante bastante tempo (rejeitou-a, portanto) porque estava convencida de que iria ter um menino e não uma menina, segundo a própria confirmou na biografia "My Daughter Maria Callas", publicada em 1960 e que escreveu com a colaboração de Lawrence Blochman.
Esse distanciamento inicial escalou e fez com que tratasse Callas de forma bastante severa, algo que foi exacerbado pelos ciúmes que a progenitora sentia da proximidade entre a filha e o marido. Isto só teve tendência a piorar quando George e Evangelia se separaram em 1937, diz a "Vocal". Maria Callas tinha apenas 13 anos na altura e foi obrigada a regressar para a Grécia com a mãe e a irmã, Jackie.
De acordo com a biografia "Cast a Diva: The Hidden Life of Maria Callas", da norte-irlandesa Lyndsy Spence, Evangelia Dimitriadou chegou a tentar vender a filha para práticas sexuais a soldados nazis durante a ocupação alemã na Grécia, na II Guerra Mundial, algo que se veio a repetir quando estavam em Nova Iorque – desta vez, com senhorio da casa onde habitavam, para que pudessem ter dinheiro para pagar as aulas de canto, segundo o "The Guardian".
A artista foi obrigada pela mãe, desde os 5 anos, a ter essas aulas. Do outro lado do oceano, a situação não foi diferente. Voltando a terras gregas, Evangelia, ciente do potencial vocal da filha, obrigou-a aperfeiçoar a sua voz, pelo que começou a ter aulas com a cantora de ópera Elvira de Hidalgo no Conservatório de Atenas.
A relação com a irmã, que era mais velha, também não foi propriamente fácil. Jackie também tinha o desejo de ser cantora, mas só Maria Callas contava com o talento necessário para vingar, o que sempre gerou alguma tensão entre a dupla. Além disso, o facto de a artista ter muito mais peso que a irmã também não ajudava nas comparações, já que a mãe preferia Jackie, que era bem mais esguia e esbelta.
Com o passar dos anos, a relação familiar não melhorou. Quando Callas já era reconhecida mundialmente, a mãe e o pai só queriam saber dela por dinheiro. Evangelia chegou a chantageá-la, dizendo que iria dar informações à imprensa se a filha não contribuísse para o seu bem-estar financeiro; George, por outro lado, chegou a fingir estar a morrer no hospital para conseguir o mesmo, diz a mesma publicação. Maria Callas cortou relações com todos.
Começou na Ópera Nacional Grega, acabou com um prémio importante
Maria Callas era ainda uma adolescente quando a sua carreira arrancou. Aconteceu em 1941, graças a Elvira de Hidalgo, que a ajudou a ser contratada pela Ópera Nacional Grega, que, na altura, fazia parte do Teatro Real, onde permaneceu até 1945, desempenhando os principais papéis em "Boccaccio", de François von Suppé, "Tosca", de Giacomo Puccini, "Fidelio", de Ludwig van Beethoven, entre outros.
A carreira de Callas na ópera foi interrompida pela II Guerra Mundial, que fez com que regressasse aos Estados Unidos, onde o pai ainda vivia, em meados dos anos 40. Em solo norte-americano, não foi fácil destacar-se na área. De acordo com o "Maria Callas Estate", a artista andava a tentar negociar trabalhos na Metropolitan Opera House, algo que nunca chegava a concretizar-se, pelo que acabou por voltar à Europa.
Desta vez em Itália, mais especificamente em Verona, começou tudo a dar certo. Em 1947, cantou "La Gioconda" na Arena de Verona, assumindo-se como a sua estreia, que marcou o início da ascensão ao estrelato. Depois disso, a soprano continuou a aparecer em óperas não só em Itália, como no estrangeiro, estabelecendo-se rapidamente como uma cantora de ópera bem conhecida e importante.
Desde então, nunca mais parou. Maria Callas subiu aos palcos de teatros de renome, como o La Scala, em Milão, ou o Covent Garden, em Londres. Em 1956, abriu a temporada da Metropolitan Opera de Nova Iorque com um papel principal em "Norma", algo que lhe rendeu o título de "rainha da ópera mundial" pela "Time", diz a "People".
Durante os 53 anos em que viveu, Maria Callas interpretou 49 papéis e teve mais de 800 lançamentos, seja em gravações das suas performances, álbuns, CDs ou até vinis, segundo o site oficial da cantora. Ao longo da sua carreira, recebeu várias nomeações aos Grammys e em 2007, depois de morrer, foi homenageada com o Grammy Lifetime Achievement Award, atribuído a artistas que contribuíram de forma excecional para a indústria.
Foi um dos vértices de um triângulo amoroso mediático
O relacionamento mais conhecido de Maria Callas é aquele que teve com o magnata Aristóteles Onassis, mas, antes dele, teve outro amor. A La Divina casou-se com o empresário italiano Giovanni Battista Meneghini em 1949, quando tinha 25 anos e o marido 54. Meneghini tornou-se também o empresário da cantora, com o poder de gerir a sua carreira e respetivas finanças, diz a "Town and Country".
No entanto, o relacionamento de ambos deteriorou-se ao longo dos anos, fruto de as fronteiras entre a vida pessoal e profissional terem ficado demasiado misturadas. Em 1959, Callas divorciou-se do marido – e tudo porque tinha conhecido Onassis dois anos antes, quando o magnata a convidou para um cruzeiro no seu iate, e de quem engravidou enquanto ainda era casada, diz o "SOL".
Já separada, tendo sido apressada a pedir o divórcio, Maria Callas perdeu o filho, chamado Omero, um dia depois de este nascer, devido a problemas respiratórios. E este foi apenas um dos momentos de sofrimento pelos quais o relacionamento da dupla, que durou praticamente uma década, passou. Isto porque de 1959 a 1968, a relação viu-se enleada em períodos de sofrimento (e até abuso).
Além de ter obrigado a companheira a acabar com a sua carreira, Aristóteles Onassis, segundo a biografia "Cast a Diva: The Hidden Life of Maria Callas", terá drogado e abusado dela sexualmente. A par disso, também se envolveu com a mulher mais popular do mundo na época: Jackie Kennedy, a primeira-dama dos Estados Unidos, que era casada com o presidente John F. Kennedy.
Tudo começou em 1963, quando Onassis a convidou para um cruzeiro (estamos a perceber o padrão?). Na altura comprometido com Callas, esta não foi convidada. E, no seguimento do assassinato de JFK, nesse mesmo ano, e do irmão deste, Bobby, em 1968, o magnata pediu a primeira-dama em casamento, embora ainda não tivesse ultrapassado a ex, Callas, segundo o "The New York Times".
Depois desta revelação, a artista sentiu-se traída e abandonada, mas não demorou muito até que o empresário fosse bater à sua porta, em Paris – e até a ameaçou, dizendo-lhe que, se ela não o deixasse entrar, iria espetar o Mercedes contra o prédio. O casamento de Onassis e Jackie também não estava a correr bem, pelo que o magnata precisava de uma desculpa para se divorciar.
Foi então que enviou paparazzi para apanharem a antiga primeira-dama dos EUA em momentos íntimos, tendo conseguido a proeza de a fotografarem nua, a apanhar sol na Grécia, em 1972 – o que resultou num pedido de divórcio, visto que as imagens fizeram muita tinta correr internacionalmente. Para infortúnio do magnata, este nunca conseguiu concretizar o seu desejo, uma vez que adoeceu e morreu, em 1975.
Jackie Kennedy não visitou o então marido nos últimos dias, mas deixou claras indicações de que também não queria que Maria Callas estivesse ao seu lado. Ainda assim, a diva da ópera entrou secretamente no hospital através de um elevador de serviço para se despedir dele, confirma a "People".
Fez uma dieta polémica (e super perigosa)
Maria Callas pode ser reconhecida mundialmente pela sua voz extraordinária e respetiva presença de palco, mas também se destacou por ser um autêntico ícone de estilo na década de 50. Em grande parte, foi a sua parceria com uma costureira de Milão, Madame Biki, que ajudou a solidificar o seu destaque no muno da moda, de acordo com a "WWD", que acrescenta que esta foi responsável por criar alguns dos figurinos mais emblemáticos da artista.
O que é facto é que isto também só foi possível devido ao facto de Maria Callas ter passado por uma drástica perda de peso. A soprano pesava pesava mais de 100 quilos na sua pré-adolescência, algo que se manteve até 1953, altura em que pesava mais de 108 quilos (peso excessivo, tendo em conta que media 1,75 metros). Depois de ouvir a sua estilista a dizer que nada lhe servia, começou uma dieta louca.
A dieta em questão passava por ingerir parasitas (sim, leu bem), diz o "The Economic Times". Dentro de uma taça de champanhe, comeu uma ténia, um parasita intestinal que absorve nutrientes dos alimentos, causa vómitos e diarreias e pode até matar. Foi por causa disso que, em apenas um ano, conseguiu perder quase 40 quilos, tendo procurado estilistas para darem uma nova vida ao seu guarda-roupa.
Foi então que se deu uma revolução no que diz respeito ao seu estilo pessoal. Colaborou com designers de renome, como Christian Dior e Yves Saint Laurent, que se tornaram amigos próximos. Por exemplo, este último até a convidava para eventos exclusivos da alta sociedade e foi responsável por criações memoráveis para a soprano, como o vestido que a mesma usou no Opéra Garnier, em 1958.
A diva da ópera também inspirou as gerações que vieram a seguir, estando constantemente a ser referenciada por designers como Valentino, Dolce & Gabbana e John Galliano, que a consideravam uma musa e uma das suas cantoras favoritas. Esta predileção pelos looks da artista vai refletir-se no novo filme biográfico, já que os figurinos de Angelina Jolie no filme são baseados em peças originais usadas pela artista.
Teve uma doença neuromuscular e morreu sozinha
Depois de uma vida de glória e controvérsias, os últimos anos de Maria Callas foram marcados pelo isolamento. A viver em Paris, a La Divina passou os últimos tempos que lhe restavam longe dos holofotes, lidando com vários problemas de saúde, especialmente ao nível da voz, e o peso das perdas que enfrentou ao longo da vida. Acabou por morrer a 16 de setembro de 1977, com apenas 53 anos, vítima de um ataque cardíaco.
Embora nunca lhe tenha sido diagnosticado em vida, tudo indica que a cantora sofria de dermatomiosite, uma doença autoimune rara que afeta os músculos e tecidos conjuntivos, incluindo os músculos responsáveis pela produção vocal, diz o "The Guardian". Essa condição levou a uma deterioração gradual da sua voz, resultando em dificuldades para sustentar notas altas e manter a qualidade que a caracterizava.
Além disso, a grande perda de peso pela qual passou, ainda que tenha contribuído para a sua imagem de diva, também teve impactos adversos na sua saúde física e vocal. A redução de massa corporal afetou o suporte respiratório necessário para a produção vocal, tornando mais difícil sustentar notas longas – e a própria confirmou que o melhor período vocal pelo qual passou foi, precisamente, quando tinha mais peso.
Seja como for, aqueles que conviveram com ela, como Ferruccio Mezzadri, o seu mordomo e confidente durante quase duas décadas, lembram-na como uma mulher de grande bondade e caráter. A par disso, este homem foi uma das vozes mais críticas em relação às biografias que perpetuaram mitos sobre a artista, tendo sempre feito para destacar a verdadeira essência por trás da lenda, diz o "The Times".