Este texto contém spoilers dos primeiros três episódios de "Harry e Meghan", série documental da Netflix.
27 de novembro de 2017. O dia em que o príncipe Harry e Meghan Markle surgiram em público, anunciando o noivado, parecia saído de um conto de fadas. O príncipe e a plebeia, uma atriz norte-americana, e divorciada. Sinais de modernidade numa instituição quase milenar.
Afinal, o casal teve muito pouco controlo sobre aquilo que aconteceu. Pelo menos é o que contam no segundo episódio do documentário da Netflix "Harry e Meghan", que chegou esta quinta-feira, 8, à plataforma de streaming. Meghan Markle descreve o momento como um "reality show orquestrado". "Foi ensaiado. Estivemos lá fora com a imprensa e depois fomos logo para dentro, tirei o casaco e demos a entrevista. Foi tudo no mesmo momento", relembra.
"Não nos deixaram contar a nossa história porque não queriam isso", acusa ainda a ex-atriz. "Nunca nos perguntaram a nossa história. Essa é a parte consistente", acrescenta Harry.
A ação do documentário, cujos primeiros três episódios já estão disponíveis, divide-se entre a Califórnia, Nova Iorque e Londres. Os testemunhos, gravados com telemóveis e também com a equipa de produção da Netflix, foram registados entre março de 2020 e agosto de 2022. Além dos duques de Sussex, há a participação de historiadores, de um antigo funcionário da casa real britânica, de vários especialistas, da mãe de Meghan, Doria Ragland, de amigos e de colegas de trabalho do casal.
Tal como na entrevista que concederam a Oprah Winfrey, em março de 2021, Harry e Meghan voltaram a falar da importância da questão da raça (uma vez que a duquesa de Sussex é filha de pai branco e mãe negra). Harry recorda também qual a reação da sua família quando Meghan lhes foi apresentada. "Lembro-me de a minha família a conhecer e terem ficado muito impressionados. Alguns não sabiam o que fazer (risos)! Ficaram surpreendidos por o ruivo ter conseguido uma mulher tão bonita e tão inteligente. Mas o facto de eu estar a namorar com uma atriz americana foi provavelmente o que mais lhes toldou o juízo no início", relembra o príncipe, salientando que alguém terá dito "isto não vai durar". "O facto de eu ser atriz foi o maior problema, curiosamente. Havia uma ideia do que isso é, da perspetiva britânica, do que é Hollywood... é muito fácil para eles estereotiparem", salienta.
A duquesa de Sussex afirma, contudo, que nunca pensou que a raça fosse um tema importante na sua relação com Harry. "Nessa altura, não pensei na forma como a raça ia fazer parte disto. A sério que não pensei nisso", salienta.
Quando o namoro se tornou público, o casal teve o primeiro embate com a realidade, com um título do tabloide britânico "Daily Mail", que dizia: "A namorada de Harry é (quase) saída de Compton", uma referência pejorativa a um bairro londrino, maioritariamente habitado por cidadãos negros. "E eu pensei 'alto!'. As ordens do palácio foram 'não digam nada'", recorda o príncipe.
Harry diz também ter ficado desiludido por, ao pedir proteção para Meghan, a resposta ter sido negativa. "O que as pessoas precisam de perceber é que, no que diz respeito à minha família, eles também passaram por aquilo por que ela passou. Era quase como um ritual de passagem. Alguns membros da família disseram 'a minha mulher também passou por isso, porque é que a tua namorada deve ser tratada de forma diferente? Porque é que deve ser protegida?'. E eu disse 'a diferença aqui é o elemento da raça'", salienta o príncipe.
Sobre o encontro com Kate e William: "Há uma forma de ser muito rígida"
A primeira pessoa da família real britânica que Meghan Markle conheceu foi a rainha Isabel II. A duquesa de Sussex descreve o encontro como "surreal" e brinca com a vénia exagerada que fez no encontro com a monarca. Depois, sobre a primeira vez que conheceu os futuros cunhados, o príncipe William e Kate Middleton, Meghan relata algum constrangimento. "Até quando o William e a Kate nos visitaram e a conheci. Eles vieram jantar. Lembro-me de que tinha umas calças de ganga rotas e estava descalça. Dava muitos abraços. Sempre dei. Não sabia que isso era chocante para muitos britânicos", relembra.
Sem nunca mencionar diretamente os cunhados, a ex-atriz explica que, inicialmente, estranhou a frieza. "Comecei a perceber rapidamente que a formalidade do exterior não desaparecia no interior. Há uma forma de ser muito rígida. E depois, fechamos a porta e pensamos 'ótimo, podemos relaxar!'. Mas essa formalidade é contínua e isso é surpreendente".
A primeira parte de "Harry e Meghan" termina no dia antes do casamento, que aconteceu em maio de 2018. A norte-americana, que na altura já integrava atividades oficiais ao lado do noivo, relembra: "quando estava no Reino Unido, raramente usava cores". "Havia uma razão para isso. Nunca podemos usar a mesma cor que sua Majestade, se há um evento em grupo. Mas também não podemos usar a mesma cor que outros membros séniores da família. Por isso pensava 'que cor é que nunca usariam?'. Camel, bege, branco? Por isso, usava muitos tons discretos, mas fazia-o para passar despercebida. Não me queria destacar. Por isso não podem dizer que, quando me juntei à família, não fiz tudo para encaixar. Não queria embaraçá-los".
A forma como o relacionamento, que começou em 2016, foi afetado pela comunicação social é a tónica constante de "Harry e Meghan". Num segmento, Harry explica a Mandana Dayani, presidente da fundação Archewell (e que entretanto se demitiu) o que é um "perito em realeza" ou "correspondente real". "Esse grupo de correspondentes da imprensa é só uma parte das relações públicas da família real. É um acordo que existe há mais de 30 anos", conta o príncipe.
Assim que a relação se tornou pública, em novembro de 2016, "namorar tornou-se uma combinação de perseguições de carro, condução anti vigilância e disfarces", relata Harry. "Não é uma forma muito saudável de começar uma relação, mas tentávamos encarar tudo com o máximo de humor possível", acrescenta ainda o príncipe.
Meghan recorda que, quando estava a rodar a série "Suits", em Toronto, no Canadá, tinha "seis homens a dormir no carro" à porta de sua casa, e que a perseguiam para todo o lado. Conta que, a determinada altura, ligou à polícia e que as autoridades disseram que não podiam fazer nada, porque ela namorava com uma figura pública. "Depois recebi uma ameaça de morte e as coisas mudaram, porque eu precisava de seguranças".
"Pagaram a vizinhos para pôr uma câmara que transmitia em direto do meu quintal. De repente, parecia que tudo na minha vida se tinha tornado mais isolado. Foi assustador", recorda Meghan.
Os três restantes episódios de "Harry e Meghan" estarão disponíveis na Netflix a 15 de dezembro.