Piers Morgan, jornalista britânico de 57 anos, foi o eleito por Cristiano Ronaldo para conduzir a entrevista que promete implodir, se não o mundo do futebol, pelo menos o Manchester United. Uma escolha peculiar, a de um jornalista-celebridade, envolvido em várias polémicas e escândalos, e que, com apenas 29 anos, se tornou um dos mais novos editores de um jornal no Reino Unido, o extinto tablóide "News of the World", que encerrou devido a diversos processos judiciais relacionados com escutas telefónicas ilegais a celebridades.
A amizade inusitada entre o futebolista português e o jornalista britânico começou em 2019 por causa de uma mensagem de Instagram. Após ter visto o documentário da Netflix "Serial Killer with Piers Morgan", em que o jornalista entrevista assassinos em massa condenados pela justiça, Cristiano Ronaldo enviou uma mensagem a Morgan. "Como vai? Vi o seu documentário na Netflix. Achei fascinante vê-lo a entrevistar estes assassinos". Piers Morgan contou ao "The Sun" que ficou chocado por ter sido contactado por "um dos seus maiores heróis do desporto" mas que rapidamente lançou a escada. "Acharia fascinante entrevistá-lo um dia destes". Cristiano Ronaldo terá respondido. "Eu não matei ninguém!".
Estava dado o pontapé de saída de uma amizade que já resultou em duas entrevistas: uma em 2019 e outra, gravada há algumas semanas, e que vai ser emitida esta quarta-feira, 16 de novembro, no recém-criado canal de notícias TalkTV, propriedade de Rupert Murdoch, o primeiro patrão de Piers Morgan (o jornalista começou a trabalhar como freelancer no tabloide "The Sun" em 1988).
Amigo de Donald Trump (embora a relação tenha conhecido altos e baixos), arqui-inimigo de Meghan Markle (de quem diz já ter sido amigo), ex-participante de reality shows, jurado de talent shows, odiado e amado por muitos, Piers Morgan é, mais do que um jornalista, uma celebridade controversa, tendo feito carreira tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos e somado polémicas atrás de polémicas. Conheça algumas.
1 - A relação de interesse mútuo com a princesa Diana
Piers Morgan e Lady Di mantinham uma relação mais do que de amizade, de interesse mútuo. Tanto no seu livro de 2005 "The Insider: The Private Diaries of a Scandalous Decade" (que relata o período em que foi editor do "News of The World" e do "Daily Mirror"), como em entrevistas subsequentes, Piers Morgan relata como a mãe dos príncipes William e Harry lhe passava histórias sobre a família real britânica.
"Ela era uma personagem complexa. Telefonava-me a passar notícias sobre ela. O público não sabia, nem queria saber, disso. Ela fazia isso com muitos jornalistas", contou, numa entrevista ao canal de Youtube LBC. "Ela convidou-me para almoçar no palácio de Kensington com o príncipe William. Foi incrivelmente aberta. O William tinha 13 anos e ela abriu o coração sobre uma série de temas. Depois disso, mantivemos o contacto. Ela telefonava-me, eu telefonava-lhe, falávamos sobre como fazer uma história, sobre como não fazer uma história. Eu fazia-lhe um favor, ela fazia-me outro. Ela trabalhava muito com os meios de comunicação social. Por um lado, ela era uma das pessoas mais perseguidas pelos media. Por outro, uma das mais manipuladoras", explicou o jornalista.
No seu livro de memórias, James Hewitt, com quem Lady Di manteve uma relação extraconjugal, afirmou que Piers Morgan contratou uma equipa de investigadores privados para seguir não só Diana mas também amigos próximos e família, e que ele estava incluído nesse grupo. Hewitt, que chegou a processar o grupo ao qual pertence o "Daily Mirror", declarou que Morgan "desenvolveu um obsessão vingativa" contra ele por causa da sua relação com Diana. Em 1998, o ex-amante de Diana teve o seu carro assaltado, do qual foram roubados papéis e o manuscrito do seu livro. Dias depois, o conteúdo foi publicado no "Daily Mirror".
2 - Fotos falsas de tortura na guerra do Iraque
Em 2004, enquanto editor do "Daily Mirror", Piers Morgan tomou a decisão de publicar fotografias que mostravam alegadas cenas de tortura de soldados britânicos a prisioneiros iraquianos. Estávamos em plena guerra do Iraque, a segunda, uma consequência direta dos ataques terroristas do 11 de setembro (que, mais tarde, viríamos a saber que não tinham qualquer ligação direta com o regime de Saddam Hussein).
As imagens, afinal, eram falsas, e Piers Morgan foi despedido. O jornal pediu desculpa aos leitores no dia seguinte, admitindo na primeira página que tinha publicado imagens falsas. Piers Morgan, por seu turno, não o fez. "Se ninguém sabe a origem das fotos, porque é que temos de pedir desculpa?". Ao longo de oito anos no cargo, o jornalista foi duramente criticado por ter tomado decisões editoriais polémicas, como, por exemplo, ter usado na primeira página o título "Achtung! Surrender!", no contexto do Inglaterra-Alemanha no Euro 96 (a palavra "achtung!", "perigo", em português, no contexto de um confronto britânico-germânico, é uma alusão, ainda que indireta, à II Guerra Mundial e à ofensiva nazi).
3 - O escândalo das escutas telefónicas ilegais
Em 2011, uma investigação sem precedentes no Reino Unido expôs o recurso a escutas ilegais por parte de vários meios de comunicação social, entre os quais o "News of the World" (que foi encerrado devido a estas investigações) e também o "Daily Mirror", no qual Piers Morgan trabalhou. Durante as audiências no âmbito do inquérito Leveson, Morgan afirmou em diversas ocasiões não ter conhecimento do recurso a escutas ilegais. No entanto, o juiz responsável pelo caso, Brian Leveson, afirmou durante as audiências que as declarações de Morgan não eram convincentes. "Ele tinha conhecimento que isto estava a acontecer nos meios de comunicação social e sentia-se tão à vontade com este comportamento criminoso ao ponto de brincar com isso".
Em imagens captadas para um documentário, em 2003, Piers Morgan foi filmado a revelar à cantora Charlotte Church a técnica usada para aceder às gravações de voicemail dos telemóveis das celebridades. "Podemos ter acesso ao voice mail, basta colocar o código pin. Está a dizer-me que os jornalistas não vão fazer isso se souberem que podem aceder ao telemóvel da Charlotte Church e ouvir todas as mensagens dela?".
4 - As inimizades com famosos
Piers Morgan é conhecido por perseguir, insultar e até banir dos seus programas celebridades que o criticam publicamente. Dessa lista fazem parte Hugh Grant, Madonna, o ator e humorista John Cleese e até Ewan McGregor. Este último cancelou uma participação no programa "Good Morning Britain", do qual Piers Morgan fazia parte, após este criticar a Women's March, protesto feminista que aconteceu em janeiro de 2017 nos EUA, pós a eleição de Donald Trump. O jornalista disse que o movimento era constituído por "feministas enraivecidas" e que o ator era um "hipócrita amante de pedófilos", por já ter trabalhado com Roman Polanski, realizador condenado por abuso sexual de uma menor.
5 - Despedido da CNN
Em janeiro de 2011, Piers Morgan foi contratado pelo canal de notícias norte-americano para substituir o espaço de entrevistas deixado vago por Larry King. O programa "Piers Morgan Tonight" nunca conseguiu conquistar o mesmo número de telespectadores do seu antecessor e, ao fim de três anos, o jornalista foi despedido. A aventura americana de Morgan nos EUA terminava com um sabor amargo. Os motivos, de acordo com o jornalista? O público. "Sou um tipo britânico a debater assuntos culturais dos EUA, como armas, um tema que tem sido muito polarizador, e não há dúvida que uma parte da audiência está cansada de me ouvir falar sempre no mesmo assunto", disse na altura ao "The New York Times".
6 - A amizade turbulenta com Donald Trump
Corria o ano de 2008, e o Mundo estava muito longe de imaginar que o empresário / estrela de reality TV viria a tornar-se presidente dos Estados Unidos. Foi numa edição com famosos do reality show "O Aprendiz" que Piers Morgan conheceu Donald Trump. O jornalista britânico (que na altura era jurado do talent show "America's Got Talent") venceu essa edição do programa e, a partir daí, manteve uma relação próxima com aquele que viria a ser o 45.º presidente dos EUA.
Trump escolheu Morgan para conceder a sua primeira entrevista a um canal internacional após ter sido eleito, em 2018, e o jornalista foi seu defensor público em diversas ocasiões, tendo chegado a escrever uma carta ao então presidente dos EUA, a candidatar-se para o cargo de chefe de gabinete. Em 2020 e 2021, a relação entre os dois arrefeceu, quando, em várias ocasiões, Piers Morgan criticou Trump, não só pela sua postura durante a pandemia da COVID-19 mas também pelo papel que desempenhou na invasão ao Capitólio, em janeiro de 2021.
Os dois parecem ter reatado a relação em 2022. O ex-presidente e agora novamente candidato à presidência dos EUA, voltou a ser entrevistado por Piers Morgan em agosto, numa conversa que teve momentos tensos, alucinados e, em suma, trumpianos, desde comentários sobre a relação de Meghan Markle com o príncipe Harry a Trump a abandonar a entrevista de repente.
7 - A amizade com Meghan Markle (e a saída do "Good Morning Britain")
Outrora amigo de Meghan Markle, Piers Morgan afirmou que foi afastado pela agora duquesa de Susssex quando esta começou a namorar com o príncipe Harry. O jornalista foi, sobretudo após os duques de Sussex terem renunciado ao cargo de membros séniores da família real britânica, um crítico, por vezes violento, do casal. Em 2020, quando Harry e Meghan anunciaram a saída das funções, Morgan apelidou-os de "os fedelhos mais mimados da história". Acusado de estar a levar a cabo um plano de vingança contra Meghan Markle, Piers Morgan saiu do programa "Good Morning Britain" após ter dito que duvidava dos relatos feitos pela duquesa de Sussex na entrevista concedida a Oprah Winfrey, em março de 2021.
Piers Morgan desvalorizou as declarações feitas pela duquesa relativamente à fragilidade da sua saúde mental e ao facto de ter tido pensamentos suicidas, o que fez com que se envolvesse numa acesa discussão com o também apresentador do programa Alex Beresford. Piers Morgan acabaria por abandonar o programa e, apesar das cerca de 40 mil queixas apresentadas à Ofcom (a entidade reguladora da comunicação social no Reino Unido), uma das quais feita pela própria Meghan Markle, Piers Morgan não só não pediu desculpa como reiterou a sua afirmação, argumentando que está disposto a fazer tudo pela "liberdade de expressão".