O projeto Xana Toc Toc nasceu em 2010, foi mostrado ao público infantojuvenil em 2011, e depressa alcançou um tamanho sucesso — em 41 semanas tornou-se número um no top de vendas — e encheu salas de espetáculos. Crianças, que hoje são já jovens adultos, cresceram a ouvir a voz de Xana, que conhecem como Toc Toc, mas este é apenas o nome da personagem que deu voz a temas de sucesso como “Os Animais da Selva” e "Aldeia Colorida".

Xana Abreu, de 45 anos, formada em Artes Plásticas/Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, há largos anos que usa a arte para que se ouçam outras vozes, histórias, ou mesmo as suas, que nascem nos sonhos que tem à noite — sempre cheios de cor, embora lhe tirem boas horas de sono.

"A Máscara". O Dinossauro foi de patins e João Manzarra também. Veja a queda
"A Máscara". O Dinossauro foi de patins e João Manzarra também. Veja a queda
Ver artigo

Apesar de há três anos se ter dedicado mais às artes plásticas e à pintura, a personagem do Canal Panda não ficou adormecida e voltou a fazer 'Toc Toc' no ecrã dos mais novos no ano passado quando lançou a canção "Todos Unidos, Todos Protegidos", como forma de passar uma mensagem positiva às crianças na altura em que Portugal entrou no primeiro confinamento devido à pandemia de COVID-19.

Recentemente, voltou a aparecer no ecrã, desta vez no cabo, através do programa "A Máscara", da SIC, no qual vestiu a personagem de Dinossauro, desvendada a 14 de fevereiro. Foi o regresso de Xana Abreu ao contacto com o grande público, após inúmeros espetáculos durante dez anos enquanto Xana Toc Toc.

Mas a artista não tem andado escondida. Nas redes sociais, Xana Abreu partilha os trabalhos de artes plásticas e pintura que tem feito, entre os quais está a série “Na Tua Pele”, que tanto tempo e emoções lhe tem levado.

A MAGG conversou com Xana Abreu para descobrir mais sobre quem foi (antes de ser Xana Toc Toc), quem é e quer ser a sonhadora cuja imaginação nunca se esgota. Apesar de já ter experimentado quase tudo — foi dançarina, ilustradora, professora — Xana revela-nos que há ainda duas áreas que gostava de explorar: representação e apresentação.

Quais foram as personalidades que marcaram a infância de Xana Abreu?
Basicamente, na música, foram grupos como The Rolling Stones, David Bowie e Beatles. Fui muito influenciada por eles, porque o meu irmão era mais velho e ele próprio também tinha bandas de música. Por exemplo, lembro-me que os grupos de rock da altura iam muito a minha casa, porque o meu irmão tocava com eles. Então, desde pequenina, que me fui familiarizando com estes grupos e tenho estes gostos assim 'pra frentex'. Mas lembro-me que na altura as minhas amigas gostavam de coisas mais infantis e eu tinha estes gostos especiais.

Depois nos livros, lia muito a Anita. Era apaixonada pelas ilustrações. Claro que eram outros valores que passavam na altura, outro tipo de pensamentos e educação, mas a nível de ilustração era a grande paixão. E talvez tenha sido esse o ponto de partida para a minha paixão pela ilustração. Mais tarde ilustrei dezenas e dezenas de livros, principalmente escolares.

Qual foi a arte que despertou primeiro em si: a música ou as artes plásticas e pintura?
Foram os dois. Lembro-me que na minha turma, por exemplo, estávamos na segunda classe e todos pintavam com lápis de cor e a professora dizia: "A Xana é a única que pode usar canetas de feltro". Já era uma artista na altura. Acho que já nasci a desenhar, a pintar e a ilustrar. Mas ao mesmo tempo lembro-me de em pequenina cantar com os saltos da minha mãe e uma colher na mão, em frente ao espelho do guarda-roupa da minha mãe. Paralelamente, fui crescendo com a música e com as artes plásticas. Ouvia muita música pelo meu irmão, que desde miúdo tocava guitarra, e também pela minha mãe, que ouvia muito fado. Eu aprendi a gostar mais tarde. E muito pequenina lembro-me de ter os discos dos Queijinhos Frescos e do José Barata-Moura e havia um gira-discos todo colorido.

Acho que em momento algum na minha vida uma (arte) substituiu mais a outra. Quer dizer, a nível de paixão, porque a nível de trabalho claro que houve uma fase da minha vida em que trabalhei e estudei mais artes e a música foi uma escola para a vida empírica e depois mais tarde deixei um bocadinho as artes plásticas porque a música tomou o meu tempo. Mas a nível de paixão e de ter estas duas vertentes artísticas como oxigénio, acho que foi sempre ela por ela. Nasceram de igual forma e com igual peso e sempre caminharam paralelamente. E até hoje se faço mais uma delas, sinto falta da outra. É o meu yin-yang (risos).

Atualmente tem esse equilíbrio?
Nos três últimos anos tenho pintado muito profissionalmente, tenho feito muitas exposições em galerias e em museus, mas a música também está sempre presente. Eu recomecei com as artes plásticas e, felizmente, tem corrido bem. Tenho exposto muito e até mais fora de Portugal. Em Inglaterra, Holanda, Espanha, África do Sul. Penso que tenha retomado em 2017 e era já uma falta que eu sentia.

Fala das exposições internacionais. Cá não surgem tantas oportunidades?
Tem surgido e, por exemplo, este ano já tenho três exposições marcadas: uma exposição individual para julho para a Galeria Municipal do Montijo, outra para a zet gallery, em Braga, e outra para a Bienal Internacional de Arte de Espinho. Não é que eu não tenha convites. Tenho e o ano passado ainda tive algumas exposições em Portugal. Não tenho tido em Lisboa, porque não calhou. Também ainda não calhou ter o espaço certo, porque eu também gosto de ter grandes formatos e às vezes não é fácil ter galerias grandes a nível de espaço para suportar obras grandes. As obras precisam de respirar.

De qualquer forma, há uma coisa que me toma muito tempo, o que me faz não aceitar às vezes convites que tenho para expor em galerias. São as encomendas pessoais. Tenho várias séries no âmbito das artes plásticas, nomeadamente na pintura, e há uma delas que se chama "Na tua pele", que é muito bem recebida pelo grande público. Tudo começou porque eu pintava rostos de mulheres que, no fundo, eram um espelho de mim própria, e nesses rostos eu espelhava a história da minha vida e muitos sonhos: Porque eu sonho todos os dias desde que sou pequenina e os meus sonhos são muito peculiares, muito diferentes e é quase como um paralelo, um mundo avatar. Umas vezes são maravilhosos e outras são pesadelos. E essa série era, no fundo, dar-me a conhecer através da linguagem artística que é a pintura.

Entretanto, naturalmente foi sofrendo uma alteração em que o grande público foi-me contactando através das redes sociais, que têm substituído um bocadinho o papel das galerias, e todos os dias tenho dezenas de pedidos de pessoas que gostam muito do meu trabalho e gostariam de um trabalho no âmbito da série "Na tua pele", mas com o rosto delas. E o que é que tem acontecido? Desde o momento em que aceitei esse desafio, de pintar o rosto das pessoas com as suas próprias histórias de vida, eu não paro. Isto faz com que não tenha tempo para organizar exposições de arte. Isto é um trabalho bastante exausto, mas muito interessante, porque as pessoas dão-se a conhecer de uma maneira que não dão a mais ninguém. É um trabalho muito gratificante. Tem sido uma experiência altamente enriquecedora.

Quem são Os Caricas na vida real? Nós mostramos-lhe os protagonistas da banda do Panda
Quem são Os Caricas na vida real? Nós mostramos-lhe os protagonistas da banda do Panda
Ver artigo

Achei curioso o que dizia sobre os sonhos. As suas obras têm muita cor, muita vida, são muito expressivas. Isso é o reflexo da forma como vê o mundo ou desses sonhos?
São os dois. Eu sempre fui assim: muita cor no meu coração, muita alegria. Eu não tenho os pés na terra, eu tenho asas. Os meus olhos veem para além do que é real, ou seja, eu conheço as pessoas através de pormenores que elas me dão, de indícios, que outras pessoas que não conseguem escrutinar. E eu vejo sempre muita cor e também sonho muito com cores. Ainda antes de ontem acordei com um tipo de sonho que adoro ter, que é o tal mundo avatar de que falava. Desde pequenina que eu sonho isto: brinco às escondidas com os animais e a natureza é muito presente nos sonhos, com cores que não são verdadeiras. Eu acho que os sonhos espelham o meu coração e talvez o desejo de querer ver a vida mais colorida.

E aflige-a quando não sonha?
Não, não me aflige! Eu hoje acordei toda feliz porque só me lembrava de um sonho, que sonhei durante a manhã. Isso é sinal de que dormi muito bem, que nem uma pedra, coisa que não me acontece há anos. Porque eu estou tão inquieta, tão cheia de vontade de viver, que sou daquelas pessoas que não gosta de ir para a cama dormir. Acho uma perda de tempo. Gostava de ter assim um botão no meu corpo, clicar e dizer 'ok, dormi 8 horas, já está'. Quem me dera dormir melhor e não sonhar tanto. Porque às vezes os sonhos são cansativos e quando tenho um pesadelo passo o dia muito triste. Os sonhos mexem muito comigo.

Mas hoje acordei toda feliz, porque só tinha tido um sonho e foi muito bonito. Estava a dormir na praia, a ouvir o vento, estava sozinha e, por um lado, sentia muito medo de estar sozinha, por outro, comecei a ver o azul do mar e a deliciar-me com a aquilo. Depois começaram a chegar pessoas, o que acontece normalmente nos meus sonhos, e eu convido-as a entrar no meu mundo e elas ficam deliciadas.

"Eu sempre fui assim: muita cor no meu coração, muita alegria. Eu não tenho os pés na terra, eu tenho asas."

Sonhar menos não implicaria ter menos ideias para trabalhos?
Nunca. Eu sonho muito acordada e ainda tenho muitas coisas para fazer de sonhos que já tive há anos. Ou seja, eu não consigo acompanhar os sonhos a nível de trabalho. E eu sou rápida. Trabalho com acrílico, que é um material que seca muito rápido, porque não gosto de estar muito tempo num trabalho, por estar sempre em mutação.

Então nunca lhe falta imaginação.
Nunca, até hoje. Tenho muito mais coisas que quero fazer do que aquelas que consigo acompanhar. Por isso, tenho um medo enorme de morrer, de sentir aquele peso de que sou mortal e que a noção de temporalidade está sempre presente na minha vida. Tenho uma ânsia de viver e tanta coisa por fazer. Coisas que nunca fiz, coisas que as pessoas não fazem ideia que eu faço. Quando falou sobre a cor, sim, é uma das minhas vertentes, amo a cor, é verdade. Mas eu também gosto de coisas preto e branco, minimalistas e ainda não cheguei a fazer publicamente. Tenho coisas minhas alinhavadas mais minimalistas, abstratas, com cores terra, bastante limpo. Porque eu canso-me de ser só uma coisa. Desde pequenina que sou muitas coisas. E isto já me provocou imensos problemas na minha vida.

Como por exemplo?
Na música às vezes componho uma coisa e depois outra completamente diferente. E tenho de dizer "Xana, não podes. Vais confundir tudo". Mas, caramba, porque é que não posso, se eu sou assim? Sou uma mistura de muitas coisas e a nível de projetos sou apaixonada por diversas vertentes artistas. Só falando nas artes plásticas e na pintura, eu sou muito diferente, só que ainda não pus cá para fora, porque acho que não seria o tempo e acho que vou confundir as pessoas. Tenho algum receio de estar a confundir o público que me conhece pela cor. Mas hei de pôr cá para fora e quanto mais idade tenho mais percebo que tenho de me aceitar como eu sou.

E que projetos tem agora em mãos além das exposições e das séries?
Na minha vida estão a acontecer mudanças. Umas ainda não posso revelar. Estou a fazer coisas novas. Agora, uma coisa que também já aprendi é a viver um dia de cada vez e a não fazer grandes planos para o futuro. Não gosto de faltar com nenhuma promessa, portanto, o que digo que vou fazer na minha cabeça já é uma grande promessa, vou ter mesmo de fazer, senão não vou sentir-me bem comigo própria. Mas no presente o que é que está a acontecer? Fiz umas coisas de televisão ("A Máscara"), tenho ainda encomendas d'"A Tua pele", estou a preparar as exposições de que falei e depois, a nível pessoal, estou a experimentar umas coisas a nível musical, de escrita e ilustração. Vou fazendo e depois o que pesar mais vou fazendo ou não.

"Nunca deixei a Xana Toc Toc, ela continua muito presente"

A propósito d'"A Máscara", foi um bocadinho o regresso às fantasias da Xana Toc Toc?
Foi. Na verdade, eu nunca deixei a Xana Toc Toc, ela continua muito presente. Apesar de ultimamente não ter dado espetáculos ao vivo, no ano passado fiz uma música para os mais novos encararem o primeiro confinamento que fizemos de uma forma mais fácil e positiva. Foi o "Todos Unidos, Todos Protegidos", que teve uma aceitação tal que recebia dezenas de vídeos por dia e decidi fazer um vídeo com as famílias a fazerem a coreografia e a cantarem a música. Até colocámos no canal Panda como uma forma simbólica de agradecer às famílias. Fiz ainda alguns programas o ano passado no âmbito da Xana Toc Toc, portanto está sempre presente.

Mas ("A Máscara") foi um desafio que aceitei porque sou assim, muito infantil. Gosto de vestir personagens e vestir aquela máscara do Dinossauro é vestir um personagem e isso é um dos trabalhos que me fascina — representação e construção de um personagem.

Também chegou a estar no teatro, certo?
Sim. Quando era mais nova tive muitos convites. Protagonizei papéis e fazia construção de personagem nas peças de teatro que fazia e em algumas longas e filmes que fiz, mas depois não levei isso avante. Isto foram convites que foram surgindo. E como gosto de espreitar tudo, fui fazendo, mas na altura estava muito convicta de que queria ser artista plástica e não queria perder tempo no acting. O que me arrependo hoje em dia, digo já. Eu tive, por exemplo, um convite de um produtor muito conhecido português, o Paulo Branco, para protagonizar o filme "Longe Daqui", e eu recusei, não fiz. Mas não é uma questão de me arrepender, é ter muitas saudades do acting. Eu agora amava voltar ao cinema, por exemplo, e construir uma personagem, ou a uma ficção nacional. Qualquer coisa assim.

Mas não é uma porta fechada, pode ainda acontecer.
O que me chateia é que, por exemplo, para integrar um elenco é preciso estar à espera de um convite. Eu sempre ensinei a minha filha (atriz Marta Peneda, de 23 anos) a criar as suas próprias oportunidades de trabalho, porque é frustrante quereres fazer coisas criativas e não te chamarem. Há tantos atores por aí bons e não os chamam e isto faz-me imensa confusão. E foi assim que nasceu, por exemplo, o projeto da Xana Toc Toc. Eu queria fazer acting, queria cantar, queria compor, queria trabalhar para e com o público infantojuvenil e queria fazer uma série de coisas, então decidi criar eu o projeto. Não consigo estar à espera de que me chamem para fazer coisas.

Nesse projeto, qual é que foi o público mais fácil de conquistar: as crianças ou os pais?
Depende. Acho que é o infantil. Eu sou uma eterna apaixonada por crianças. Desde nova fiz teatro infantil, ilustrei muitos livros, fui professora de expressão plástica e de expressão musical, já criei projetos com crianças. Sou muito apaixonada tanto pela visão das crianças, como por todo o mundo infantil por explorar a nível estético e imaginativo. Acho que sou uma eterna criança.

E as crianças partilham também do imaginário muito rico que tem.
Exatamente. Acho que foi mais fácil conquistar as crianças porque eu revejo-me nelas, elas reveem-se em mim. O público infantil é um público muito exigente. As pessoas pensam que não, mas o público infantil não está cá com meias medidas: se gostam, gostam, se não gostam, não têm problemas nenhuns em mostrar. Tanto que há muitas pessoas conhecidas do grande público que tentaram fazer projetos infantis e não conseguiram porque não resultou. E acho que foi essa autenticidade no meu projeto, porque a Xana Toc Toc é uma caricatura de mim mesma e ela própria tem uma história, que resultou. Na ilha dos sonhos, que é o tal mundo onde eu vivo e onde os meus sonhos cabem, ela própria pinta bonecos que ganham vida e eu sempre fui assim, sempre dei vida aos objetivos. Desde pequenina não concebo que uma caneta não seja um objeto animado. Para mim aquele objeto tem sentimentos e se meto uma caneta junto de outra acho que estão felizes. Ou seja, o meu projeto não é só pedagógico, é lúdico. Eu mostro algumas pedagogias e tento ensinar alguns valores através do exemplo.

Mas logo a seguir às crianças, acho que conquistei os pais. Tenho tido todos os dias um carinho enorme das pessoas, que sabem muito bem dar o valor e querem o melhor para os seus filhos. Todos os dias tenho testemunhos e quase todos os dias choro com uma ou outra mensagem que leio. Acho que os pais também dão muito valor ao projeto Xana Toc Toc, porque veem ali algo com qualidade, genuíno. Quando vão a um espetáculo meu dizem 'isto parece a Walt Disney", que lindo, a cenografia, está brutal. Deves ter uma produção muito grande". E eu "não, fui eu e o meu marido que andámos a forrar madeiras, a lixar e a pintar". E as pessoas não acreditam, mas é assim que as coisas são feitas. Não é esperar que caiam. Portugal é um País muito pequenino, não há dinheiro para estas coisas. Só uma pessoa maluca, como eu, é que veste a camisola como eu visto. Eu perdi muitas horas de sono durante estes dez anos, trabalhei dia e noite para chegar onde cheguei, para o projeto ter a qualidade que vai no meu coração.

Disse recentemente, e como me tem contado, que "antes da Xana Toc Toc teve toda uma vida para trás". Quem é então a Xana Abreu antes e após este projeto?
É igualzinha. Talvez até um pouco mais humilde. Em dez anos sempre dei concertos para milhares de pessoas. Os meus primeiros concertos de Xana Toc Toc foram nos Coliseus e toda a gente achava que eu era maluca. E os concertos esgotavam, tinha de repor sessões, fazia sessões à tarde, de manhã e no dia a seguir. Mas ao longo dos dez anos eu dizia sempre à minha equipa — às bailarinas, atores, entre 12 a 15 pessoas — "amigos, eu gostava que vocês mantivessem sempre a humildade e sabemos que ontem demos um concerto para 30 mil pessoas, mas hoje podem só aparecer 20. E vamos dar o mesmo concerto".

Eu sempre disse isto e quando entrava e via sempre milhares de pessoas pensava: "Como é que é possível estarem aqui 20 mil pessoas para me ver?". Isto para dizer que continuo com a mesma humildade que tinha, ou seja, o que me move não é o sucesso do projeto, é a parte criativa, a minha bolha solitária. E vou confessar uma coisa: os espetáculos ao vivo é o que menos gosto em todo o processo da Xana Toc Toc, porque é uma grande responsabilidade e não sou assim tão vaidosa para estar no palco em frente a milhares de pessoas. Eu às vezes até vou quase de pijama ao supermercado e depois começam a tirar fotografias ou a pedir autógrafos e aí é que lembro-me: "Xana, caramba, ainda não aprendeste que és uma cara conhecida?". Ainda hoje acontece.

Xana Toc Toc
Xana Toc Toc créditos: divulgação

E não sente que o nome Xana Toc Toc veio apagar o percurso que teve até aí?
É inevitável, mas isto é fruto do sucesso de um projeto. Eu nunca pensei ter tanto sucesso com a Xana Toc Toc. Quando fiz o projeto, fiz tudo de coração. Sabia lá se alguma editora ia pegar no projeto, se alguma das minhas canções ia chegar ao público, quanto mais ao grande público. Nunca pensei nada disto. Foi uma loucura. E obviamente que depois não tive tempo para tudo, para mal dos meus pecados. Ao longo destes dez anos estive a fazer Xana Toc Toc, em que era muito feliz, mas ao mesmo tempo sentia um sufoco por falta de outras vertentes artísticas, nomeadamente das artes plásticas. E já aconteceu por duas ou três vezes na minha vida, fazer uma paragem forçada, por mais que me custe a mim e às pessoas que trabalham comigo naquele projeto, para conseguir voltar a fazer outros projetos. É por isso que desde há três anos para cá atenuei um bocadinho a Xana Toc Toc, para poder estar dedicada às artes plásticas. E não pensei eu que nas artes plásticas fosse ter o sucesso que tenho estado a ter, o número de encomendas e convites para expor.

A que portas quer fazer 'toc toc' a seguir? Há alguma área que ainda falte explorar?
Há. Ficou por explorar a dança. Eu era uma excelente dançarina, mas é uma coisa que eu sinto que já não vou fazer profissionalmente. Não tenho idade para isso, nem corpo, nem preparação física. Mas quando era pequena, tipo com 6 anos, toda a gente perguntava se era bailaria, porque tinha corpo de bailarina e quando fazia um bocadinho de dança toda a gente dizia "tens de ir para a dança" e a coisa sempre me ficou aqui. Nunca tive tempo para explorar, mas também não vai ser agora. Outra das coisas que gostava de fazer, e já disse, é a representação. Eu sinto que se surgissem agora convites, eu voltava de braços abertos.

Tenho muitas saudades e vontade de construir personagens. Depois há outra coisa aqui que é: quando era nova era muito tímida, mas extrovertida ao mesmo tempo, só que só me dava a conhecer com pessoas com quem estava à vontade. Hoje em dia continuo tímida, as pessoas não acreditam, mas sou mais descarada, mesmo com pessoas que não conheço de lado nenhum. Há então aqui uma coisa que tenho vindo a reconhecer em mim e que gostava de explorar, que é a parte do entretenimento e de comunicar com o grande público. Por exemplo, apresentar um programa que tivesse a ver comigo e para qualquer tipo de público.