A 4 de maio estreava na Netflix "Rainha Carlota: Uma História Bridgerton". Este spin-off de "Bridgerton", baseado nos livros de Julia Quinn, foca-se na história da rainha Charlotte (interpretada por Golda Rosheuvel e por India Amarteifio, na versão mais jovem da personagem).

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Esta minissérie conta com seis episódios e no quinto, intitulado "Jardins em flor", o vinho do Porto surge numa das cenas, quando a atriz Arséma Thomas, que faz o papel de Agatha Danbury mais nova, surge com um copo na mão, por volta do sexto minuto.

Queen Charlotte
A cena onde aparece o vinho do Porto créditos: Netflix

Com insónias durante a madrugada e às escuras, é surpreendida pela criada, Coral, que inicia um diálogo. "Senhora Danbury, posso fazer alguma coisa por si? Talvez um pouco de chá em vez de… O que é isso?", pergunta. "Vinho do Porto. É horrível. Mas é o preferido do lorde Danbury", ouve de volta.

Apesar de a menção a esta bebida portuguesa ser breve, não deixa de ter um grande significado por detrás. Esta minissérie de ficção baseia-se em factos reais (na história da rainha Carlota e do rei Jorge III) e acontece no fim do século XVIII, início do século XIX. A MAGG foi tentar perceber onde encaixa o vinho do Porto nesta história.

Onde entra o vinho do Porto nesta história?

Falámos com o professor catedrático do departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Gaspar Manuel Martins Pereira, de modo a entender como surgiu a ligação vitivinícola entre Portugal e Inglaterra, onde decorre a história da série da Netflix.

"Os vinhos fortificados do Douro começaram a ser muito procurados pelos ingleses no final do século XVII", explicou-nos o professor. "Inglaterra costumava abastecer-se de vinhos em França, mas, nesta altura, estava em guerra de caráter militar e económico", nota.

Por terem aumentado os impostos de exportação de vinhos para Inglaterra, os ingleses viram-se obrigados a procurar outras alternativas. "Eles gostavam de vinhos fortes e começaram a procurar no sul da Europa. Aí começa a grande exportação de vinhos", adianta Gaspar Manuel Martins Pereira.

Em 1703, Portugal e Inglaterra assinavam o Tratado de Methuen, que determinavam que os vinhos portugueses importados para Inglaterra estariam sujeitos a um imposto mais reduzido do que os vinhos franceses, o que veio incentivar ainda mais a importação de vinhos portugueses.

No princípio do século XVIII, o "port wine" (como é designado o vinho do Porto) já era adorado. "Torna-se o principal vinho de importação bebido em Inglaterra", recorda o académico da FLUP. "Começa por ser um vinho muito apreciado pelas elites, pela nobreza inglesa e até pela família real, e depois populariza-se", continua.

O vinho do Porto "bebia-se nas universidades e, depois, começou a beber-se nos pubs", apesar de não ser "um vinho tão barato assim". "Na segunda metade do século XVIII já se bebia na marinha inglesa", acrescenta o professor, que conta que os primeiros decantadores eram "eram de base plana", por serem "mais estáveis" e para lidarem com a agitação marítima.

A relação entre Portugal e Inglaterra no que toca aos vinhos fortaleceu-se cada vez mais. "Os negociantes ingleses começaram a fixar-se no Porto e formam uma feitoria que domina todo o comércio de vinho do Porto", explica este professor à MAGG.

A ligação foi tal que os ingleses acabaram mesmo por influenciar a própria maneira de fazer o vinho, que passou a ser ao gosto deles: mais aromático e com grande adição de água ardente. "O vinho do Porto não foi sempre igual. No início era mais seco, investia-se muito no vinho branco", refere Gaspar Manuel Martins Pereira.

Apesar de ter sido considerado "horrível" pela personagem de "Rainha Carlota: Uma História Bridgerton", o vinho do Porto era, no geral, bastante apreciado pelo povo inglês e, seis séculos depois, continua a sê-lo. Hoje, é apelidado de "Embaixador de Portugal".

A marca Taylor’s, fundada em 1692, forneceu, durante anos, vinho do Porto à rainha Isabel II e à família real britânica, por integrar a lista Royal Wine Cellar, portanto, a garrafeira real, assim como menciona o “Público”. “Reis, rainhas e chefes de Estado de todo o mundo brindaram” com este vinho do Porto, numa ligação que se mantém firme. Em 2017, o produtor de vinho português recebeu um royal warrant, uma espécie de selo de aprovação, concedido pela então monarca Isabel II.