Durante a Expo 98, a fome matava-se de várias formas. Havia quem levasse sandes de casa ou farnéis bem mais compostos, quem desesperasse nas filas para conseguir comprar duas fatias de pizza e ainda quem experimentasse um dos vários restaurantes temáticos da exposição (benditos meus pais que me levaram ao de Cabo Verde, onde comi a melhor cachupa de sempre) ou outros espaços — alguém se lembra do Bugix? Alguém? Não? Estou velha.
Mas havia ainda uma outra hipótese, sendo que duvido que quem a frequentasse o fizesse a meio do dia de visita à Expo, com calção cargo e boné de merchandising: falo do restaurante de luxo que existia no topo da Torre Vasco da Gama, concessionado pelo mesmo dono do T Clube, que permaneceu aberto durante mais três anos após o final da Expo 98.
Passados 23 anos, subi finalmente ao deslumbrante espaço da torre que, com 143 metros de altura, permanece o edifício mais alto de Portugal. Desde novembro de 2018 que aí funciona o Fifty Seconds by Martín Berasategui, um restaurante de fine dining do grupo hoteleiro SANA, que acabou de ser distinguido com o Garfo de Prata do Guia Boa Cama, Boa Mesa, na entrega de prémios de 2021, que decorreu esta segunda-feira, 14 de junho.
E por onde começar a explicar esta refeição, meus amigos, por onde? É que, apesar de o meu trabalho me proporcionar muitas experiências gastronómicas de excelência, é difícil classificar o jantar neste fabuloso espaço, onde a comida não se refugia atrás da decoração de luxo, da vista maravilhosa do rio Tejo a 120 metros de altura do solo ou da fama do chef basco Martín Berasategui, que conta com 12 estrelas Michelin. Todos os pratos são verdadeiras explosões de sabor, com ingredientes irrepreensíveis e uma forte inspiração nos sabores portugueses — ou não tivesse o restaurante vencido a sua estrela Michelin logo em novembro de 2019, um ano após a abertura. Mas já lá vamos.
Demorei 23 anos a subir à torre — mas a espera compensou
É preciso começar por dizer que a experiência começa logo no elevador panorâmico de acesso, que demora 50 segundos a levar os clientes do solo até ao espaço, e que dá o mote ao nome do restaurante. Nos últimos segundos da viagem, o elevador deixa de estar envolvido pela estrutura da torre e podemos ver o rio à nossa frente. Lindo de morrer, péssimo para quem tem vertigens.
Assim que as portas se abrem, faltam-me as palavras para descrever o espaço. Com a decoração em tons de azul, do chão às cadeiras, de forma a ir buscar a envolvência da água do Tejo que vemos das janelas do chão ao tecto, e com apontamentos em dourado, é difícil que o olhar não fique preso na garrafeira do restaurante, embutida numa parede, e com centenas de rótulos.
O serviço de excelência fica pautado desde os sorrisos e a simpatia do colaborador que recebe os clientes, ao que serve a água, que nos puxa a cadeira e nos coloca um guardanapo novo em cima da mesa de cada vez que nos levantamos. Os pratos e os vinhos servidos são explicados ao detalhe, e a vontade é a de ficar a noite toda a falar com estes profissionais de sorriso aberto que, mesmo com todas as mesas ocupadas, estão vigilantes a todos os pedidos e prontos para responder a qualquer questão sobre o menu.
E falando do menu, importa destacar que apesar de existir uma carta, o conceito de fine dining do restaurante só é explorado a 100% através dos menus de degustação. Aliás, é essa a tendência do espaço, que recebe maioritariamente clientes nacionais, explica-nos o chefe de sala Rui Monteiro, sendo que numa noite como aquela em que visitei o restaurante, com a lotação completa, apenas uma mesa tinha pedido à carta.
Estes menus podem ser de nove ou 13 momentos, sendo que tive o prazer de experimentar o segundo. Na cozinha, o chef executivo Filipe Carvalho explica que as propostas são alteradas conforme a sazonalidade dos produtos, tudo para garantir a excelência à mesa.
E que pratos é que pode provar? Entradas como brandade de bacalhau com maionese de manzanilla e yuzu, mil-folhas caramelizado de foie-gras, maçã verde e enguia, percebes e caviar e jalapeño, gelado de alcaçuz e maionese de pepino. Passamos para a vieira corada com caviar Oscietra, segue-se o lavagante azul, a pescada "al pil pil" de ervas finas e um salmonete com gamba do Algarve.
Na carne, a proposta da noite era pombo Royal com chutney de manga e ravioli recheado com duxelle de crepes, mas rapidamente foi alterado para uma carne de vitela no ponto (sendo que, aquando da reserva, o restaurante questiona logo os cliente sobre possíveis intolerâncias alimentares). Para terminar, morangos, ruibarbo e champagne, e uma sobremesa composta por maçã, gelado de baunilha com rum e avelãs caramelizadas, criações da chef de pastelaria Maria João Gonçalves.
É verdade que pode acompanhar tudo isto sem álcool ou com um vinho à sua escolha mas, tendo essa possibilidade, a maridagem de vinhos escolhida a dedo por Marc Pinto, o sommelier principal, é elevar ainda mais a fasquia. Para o menu descrito, foram escolhidos vinhos do Douro, do Alentejo, dos Açores e de Lisboa, e ainda uma sidra francesa para acompanhar as sobremesas.
Veredicto final? Demorei 23 anos a subir ao topo da torre, mas valeu bem a pena para conhecer este fabuloso restaurante, que tem todas as condições para aumentar a sua contagem de estrelas Michelin. E é verdade que não é (de todo) local acessível para jantar frequentemente — pelo menos para a maioria dos portugueses —, mas vale a pena guardá-lo para uma ocasião bem especial.
Os menus degustação do Fifty Seconds by Martín Berasategui começam nos 160€ por pessoa, sem bebidas. O espaço é recomendado para maiores de 8 anos.