Escusa de guardar as fotografias que vê nesta notícia à espera de que o que lhe seja servido seja uma réplica perfeita da imagem. "Eu vou sempre acrescentando algo que ache que ajuda a tornar o prato melhor", explica Doca Vieira Gonçalves. O risoto já ganhou tomate, os legumes que acompanham o frango agora também levam quinoa e este é um processo sem fim. "Aqui tenho espaço para criar e isso é incrível", admite o chef que, desde o início do mês, tem total liberdade para criar uma cozinha só sua no Capim Limão, o restaurante de comida feliz que abriu em Picoas, no centro de Lisboa.
O alto astral dos pratos nota-se nas cores vivas, nos sabores apurados e no entusiasmo com que Cláudia Mello fala de um espaço que nunca pensou vir a ter. Com 53 anos, deixou o Brasil e o mundo da moda no qual trabalhava há décadas com o marido Jorge Macedo e juntos apanharam um avião para Portugal, sem bilhete para de regresso.
"Com a minha filha licenciada cheguei à conclusão que a minha missão estava feita e que agora me poderia dedicar a mim e ao que eu gosto", explica. Foi por isso que desistiu de uma carreira para a qual trabalhava 14 horas por dia e que a deixava com pouco tempo livre, para se poder dedicar a uma paixão que cresceu consigo: comer. "Sim, não me peçam para cozinhar. Eu sou boa é a comer", brinca.
A comer, mas também a decorar o espaço e as mesas de um restaurante que não quer tirar protagonismo à comida. "Quantas vezes vamos comer fora a um restaurante bonito, cheio de cor, mas do qual, dois dias depois, nem lembramos que prato comemos", reforça. E com zero experiência em cozinha, deixou tudo nas mãos do chef Doca Vieira Gonçalves, também carioca, que procurava em Lisboa um espaço para criar.
"A Cláudia, quando me conheceu, perguntou: 'O que você gosta de cozinhar?' Nunca ninguém me tinha perguntado isso antes", exclama Doca que, depois de passar por restaurantes de fine dining no Brasil e também em Lisboa, viu no Capim Lisboa a oportunidade para criar uma carta que fica no segmento intermédio. "Não é uma tasca nem é um restaurante de cozinha de autor. É um espaço com alto astral, com comida feliz", resume Cláudia.
E toda esta conversa aconteceu à volta de uma mesa na qual ainda só constava o couvert. Aqui o pão é da Gleba, o azeite é de Trás-os-Montes e calhou-nos da rifa o pão de queijo. "Não há sempre, ainda ontem foi focaccia", avança Cláudia, que não quer pôr o rótulo de cozinha brasileira no restaurante, ainda que o nome só faça sentido a quem já temperou comida do outro lado do oceano. É que Capim Limão é o equivalente à nossa erva príncipe.
A carta é curta e simples "para que as pessoas saibam exatamente o que vão comer", refere Cláudia, que deu total liberdade a Doca para criar um menu com opções de peixe, carne e alguns pratos vegetarianos.
A mesa enche-se rapidamente, mas a colher foge para aquela que é a surpresa do dia. O risoto de mozarela de búfala e tomate cereja (11,80€), que apesar de ter o queijo essencial para que se chame risoto, é um prato leve e que deixa espaço para provar também a moqueca de peixe (14,90€), que não deixa esquecer que por ali pairam raízes brasileiras, e ainda a salada de lentilhas (6,90€), nada aborrecida nem na apresentação nem no sabor, ao juntar às leguminosas beterrabas amarelas e cor de rosa, pesto de hortelã e sour cream.
Isto depois de uma lista de entradas de onde constam pecados como a polenta com ovo escalfado (8€) ou o brandade de bacalhau (11,80€).
As sobremesas são só quatro, mas valem por toda uma montra cheia de doces. Sem olhar a calorias, glútens ou lactoses, atirem-se sem medos no cumble de pera (5,80€), no cheesecake de cacau e frutos vermelhos (5,80€) e porque não no bolo mole de chocolate (5,80€), que ainda vem quente para a mesa. Queriam-nos felizes? Pois é felizes que daqui saímos.