Em 12 refeições em Nova Iorque, António comeu seis ramens. Em Berlim, esperou uma hora ao frio para comer aquele que diziam ser o melhor da cidade. Na última viagem a Paris, desta vez com o sócio João, chegaram a comer aos quatro ou cinco ramens por dia.
Agora, há dois meses que comem pelo menos um destes caldos japoneses por dia — a única vez que isso não aconteceu, conta António, foi quando trocou o ramen por um prato de 12 gyosas — não só porque gostam, como também para fazer controlo de qualidade. É que agora são mais de 80 a sair por dia no Ajitama, o restaurante que abrem em Lisboa depois de mais de quase dois anos a servir refeições em casa.
António Carvalhão e João Ferreira, ambos com 34 anos, são amigos há mais de 15, altura em que ramen era palavra totalmente desconhecida para os dois. Mas não por muito tempo.
António viajou para o Japão a primeira vez em 2006 para terminar o curso de Gestão em Hiroshima e João, licenciado em Economia, juntou-se a esta aventura asiática dois anos depois quando foi trabalhar para a China. Com viagens frequentes a Tóquio, a cidade passou a ser abrigo para os dois, entre ramens, conversas e passeios.
Estes anos em dupla servem até de decoração ao Ajitama, uma vez que na parede da entrada se multiplicam fotografias ao estilo Polaroid que mostram uma evolução desde um António de 20 anos a comer noodles instantâneos na rua, até um João a esticar a massa dos noodles que faziam de raiz quando passaram a servir ramens em casa.
Estudaram receitas, leram muitos livros, perderam-se em pesquisas na internet, fizeram muitos testes para a família e amigos e passaram, no início de 2017, a servir ramen para os sortudos que conseguiam lugar na mesa de dez que disponibilizavam apenas uma vez por semana. "Chegamos a ter 1.800 pessoas em filas de espera", conta António.
Agora, 600 ramens servidos em casa depois, decidiram abrir um restaurante para que essas 1.800 pessoas — e as mais que se queiram juntar — possam provar aquele que foi durante muito tempo o ramen mais exclusivo da cidade.
Cinco ramens, cocktails, Tetris e Packman
Da tal mesa com dez lugares passam agora a uma sala com 42. Mesmo assim, durante o primeiro mês, António e João reservaram duas mesas especiais para aqueles que nunca chegaram a ir comer o ramen feito em casa.
Tudo o resto, entre mesas e lugares ao balcão, está aberto e disponível a partir de dia 5 de março, apenas aos jantares. E ainda bem, que depois de um caldinho destes, estamos prontos é para umas oito horas de sono profundo.
Mas antes da sopa, os cocktails, que é preciso dar ânimo e provar que o Japão não é só sake. Aqui existem sete opções e todas levam pelo menos um ingrediente japonês.
À exceção da Sakerinha de Morango (7€) feita com sake, tudo o resto é feito à base de Shochu, um destilado suave de origem japonesa que, quando misturado com sumo de limão e clara de ovo, dá origem ao Tokyo Sour ou, com a junção sumo de limão, xarope de mel e wasabi, para criar o Dry Wasabi Martini (8€).
Enquanto se espera que pousem na mesa os ramens, vamo-nos entretendo entre os jogos de Tetris e Packman que estão ao balcão e as quatro entradas disponíveis no menu. Vá buscar o papel e a caneta que a partir de agora vamos começar a lançar nomes difíceis de decorar.
Há Sunomono (3€), pepino desidratado, marinado e servido com sementes de sésamo, Gyosas de galinha ou de vegetais (5€), Nasu Dengaku (5,50€), que mais não é que beringela tostada no forno e barrada com pasta de miso, e Agedashi Tofu (6€), servido em versão crocante e enriquecido com katsuobushi, um ingrediente que tem tanto de difícil de pronunciar como de divertido de comer. É que estes filetes de peixe desidratatdos mexem-se com o vapor, dando a sensação de que temos uma entrada viva à nossa frente.
E com as entradas despachadas, chega finalmente o ramen. Ou não. "Deixem-me só explicar como é que isto funciona", pede António. Pousamos os pauzinhos, tiramos o guardanapo do pescoço — avisaram-nos que é impossível não haver salpicos — e começamos a ouvir uma história que mistura amor e muita físico-química.
"O Ajitama é um concretizar de um sonho, mas é também o nome que se dá ao ovo que é servido como topping do ramen", explica António. Este ovo é marinado num caldo de shoyo, a barriga de porco é cozinhada durante oito horas, a galinha durante sete e o tare — o tempero do ramen — é um segredo tal que nunca passaram a ninguém, nem mesmo à equipa de quatro cozinheiros que os ajuda no restaurante.
António continua a lição número um sobre ramen com a divisão deste prato em cinco. "A primeira coisa é a gordura, que permite que o caldo penetre nos noodles e lhes dê sabor", explica. Por isso, sigam o conselho de António e fujam de todos os "ramens saudáveis" ou com o selo "fat free", porque não vão comer mais do que massa a saber a farinha e metida num caldo.
O prato fica completo com o tal tare que, "mal comparado, podemos dizer que e um refogado especial", o caldo, os noodles e os toppings.
E já quando os pratos nos são pousados à frente, António diz as palavras mágicas: "Ninguém espera por ninguém quando se come ramen, tem que ser comido na hora".
A carta tem cinco ramens, dois deles com as receitas que serviram quando ainda funcionavam como supper club. O Shio (13€), feito numa combinação de caldo de elementos marítimos (dashi) com caldo de galinha e o Shoyu (12€), feito com caldo de galinha e dois tipos de molhos de soja japoneses.
Há ainda o Miso (13,50€), feito numa mistura de miso branco e vermelho, o Veggie (13€), com base de abóbora de Hokkaido e aquele que é apresentado como "a especialidade da casa". Chama-se Hakata Tonkotsu (14,5€) e foi pensado para quem gosta de comida mais intensa, uma vez que o caldo é feito com porco cozinhado por, pelo menos, 18 horas.
Se no fim disto tudo ainda houver lugar para sobremesa, existem cinco opções: tarte de abóbora hokkaido (4€), bolo de matcha com chocolate (4,50€), bavaroise de matcha (5€), cheesecake de limão (5€) e fruta da época (2,75€).
O restaurante vai estar aberto apenas para jantares numa primeira fase, mas espera estar disponível ao almoço em breve. Ah, não fazem reserva. Lembra-se das 1.800 pessoas em espera? Pois, é melhor começar pôr-se a caminho.