Qual é a pior coisa que pode acontecer quando é convidado para ir conhecer o novo Gastrobar? Uma gastroenterite. Podia ser piada e era mesmo bom que fosse. O raio do enjoo não deu tréguas e subiu connosco até ao último piso do Altis Avenida, em Lisboa.
Depois de dias a pouco mais do que caldos e arroz branco, pensar em cocktails pareceu-nos demasiado arriscado e, por isso, vimos passar a mestria do somelier e chef de sala André Figuinha ao lado, numa lista de vinhos preparados para acompanhar cada momento da refeição. Ainda assim, a equipa deu tudo para que o nosso mocktail fizesse esquecer a abstinência. Veio até com duas palhinhas feitas de massa que — para quem se questiona — não, não se desfazem. Mantiveram-se impecáveis até ao fim da minha mistura de morangos, ananás e gelo picado.
O Rossio Gastrobar ocupa o sétimo andar do hotel Altis Avenida e é, acima de tudo, um bar. É por isso que, por este terraço com vista sobre Lisboa, a carta de bebidas é tão extensa como a dos petiscos, que podem sempre dar força a pedir mais um copo.
No menu da comida, cada prato tem uma sugestão de bebida associada, numa espécie de casamento perfeito. E se é de relações longas que falamos, há que dar destaque àquela que os chefs de serviço mantêm desde os tempos de escola.
João Correia teve que convencer a direção da escola de hotelaria para que o deixassem entrar, uma vez que, na altura, tinha só 14 anos. Acabou por ser colega de turma do agora chef com estrela Michelin João Rodrigues, na altura com 21 anos, e que, para bem do nosso palato, já tinha abandonado o curso de Biologia Marinha. Trabalharam juntos desde aí e, ainda que de uma forma bem diferente, João, o Rodrigues, explorou a sua paixão pelo mar nos pratos que cria no restaurante Feitoria e agora também no Gastrobar.
Há crocantes de camarão touro, coentros e lima (8€/4 unidades), peixe curado e fumado, citrinos e cebolinho (12€), peixe da lota de Peniche, caviar e champagne (20€) ou carabineiro do Algarve e arroz Carolino de salicórnia queimada (18€). Mas também há carne, nada temam. Se a ideia for mais a de petisco, há um tártaro de carne arouquesa que pode ou não ser servido com caviar (12€ ou 20€), uma Katsu Sando (sandes de carne panada com pão branco) de porco Alentejano e pickles de cebola (12€) ou — num daqueles pratos que obrigam a uma foto para registo futuro — falsas cerejas de foie-gras e brioche tostado (10€/4 unidades).
Se a noite se prolongar e pedir um prato mais reconfortante, pode optar pelo pica-pau de presa de porco alentejano e pickles caseiros (12€) ou o naco de carne arouquesa com alface grelhada e massa de pimentão (16€).
Os vegetarianos não foram esquecidos e podem escolher entre a salada de couve flor, sésamo, grão e avelã (7€), os espargos brancos grelhados, queijo de vaca curado e molho holandês (11€) ou a Pizza?. Sim, não deixamos ali aquele ponto de interrogação esquecido. O nome do prato é mesmo "Pizza?", porque, na verdade vem servido numa mistura de calzone com massa de pão bao, com recheio pensado para amantes de queijo.
A atenção aos pormenores nota-se numa carta sazonal e fiel ao produto de qualidade que, sem fundamentalismos, tenta que seja o mais nacional possível. Mas os detalhes começam ainda antes da comida ser servida.
A Rival fez as colheres e as facas em madeira, os pratos da Studioneves são fieis às cores dos azulejos que pintam as casas de Lisboa e a Sara Bozzini desenhou uma peça feita especialmente para o restaurante mas que nos parece tão prática que esperamos ver replicada por mais mesas que lutam com o pouco espaço disponível para servir boa comida. Chama-se Morsa e permite equilibrar pratos na borda da mesa, de modo a ganhar espaço extra. Na dúvida — que pelos vistos desperta sempre — está lá uma etiqueta a explicar a origem e a forma de utilização.
O sol está quase pôr-se neste quase verão em que o dia dura até aquele momento em que perguntamos: "Como assim já são nove da noite?". Quando chegam as sobremesas, já nem nos lembramos dos litros de chá de gengibre que bebemos a acreditar que assim curámos as dores de barriga. Enfiamos a colher na taça de doce de leite, banana e bolacha Maria (6€) e esperamos que, esta noite, o único gastro que sobreviva seja o bar.