Depois de alguns anos afastada dos grandes palcos - mais precisamente nove anos, segundo a própria - e concentrada na sua carreira a solo, Camila Cabello veio até Portugal para um concerto que prometia ser memorável. A horas em que o pôr de sol já se tornava bonito e a multidão se preparava para uma viagem no tempo, o concerto da artista cubana deste domingo, 23 de junho, tinha tudo para ser um dos momentos altos da última noite do Rock in Rio Lisboa, mas a verdade é que deixou muito a desejar. 

Fomos ao passado com Jonas Brothers. 3 coisas boas e 2 assim-assim do concerto no Rock in Rio
Fomos ao passado com Jonas Brothers. 3 coisas boas e 2 assim-assim do concerto no Rock in Rio
Ver artigo

Logo a seguir a um grande espetáculo de Ne-Yo, que encheu o Parque Tejo ao ponto de todos os festivaleiros parecerem sardinhas enlatadas, e mesmo antes da cabeça de cartaz Doja Cat levar até todo o público a sua energia contagiante, Camila Cabello teve precisamente uma hora e vinte minutos para mostrar que não se encontrava enferrujada depois de vários anos parada. A ex-Fifth Harmony, que decidiu abandonar o grupo em 2016, confessou até que sabia que vários fãs tinham vindo a Portugal de propósito para a ver, e que não os queria desiludir depois de tanto tempo à espera deste momento.

No entanto, não podemos confirmar que isso tenha realmente acontecido. Nós, pelo menos (e dando já um pequeno spoiler), não fomos os maiores fãs, mas já vamos explicar o porquê. Por agora, fiquemos apenas com uma pergunta: para onde foi a Camila Cabello ingénua e que parecia uma menina cada vez que dava uma entrevista? Porque não foi essa artista que subiu ao Palco Mundo do Rock in Rio Lisboa, e sim uma mulher já feita onde a sensualidade foi, claramente, a grande protagonista da noite. Uma mudança drástica que, apesar de já ser conhecida através das redes sociais, fica ainda mais notória ao vivo e a cores.

Uma coisa é certa: entre não deixar os fotógrafos dos meios de comunicação portugueses captarem imagens do concerto (vá-se lá saber o porquê) e o varão e as bicicletas no meio do palco, este não foi, certamente, um espetáculo com um selo de aprovação. Claro que teve as suas coisas boas, que também vamos elaborar porque não pensamos só no negativo, mas se alguém comprou o bilhete de propósito para ver Camila Cabello a atuar, temos de admitir que se calhar não foi a melhor escolha. O espetáculo da artista não foi algo brilhante e inovador, e sim uma mistura de confusão e palavras para uma câmara. Ora veja. 

O cenário sim, foi um dos melhores (mas se calhar até foi demasiado)

concerto camila cabello
concerto camila cabello créditos: SIC Radical

É verdade, não podemos mesmo tirar o mérito a Camila Cabello no que toca à sua visão sobre aquilo que é um excelente cenário. Com uma luz que também funcionou a seu favor, num dia em que a temperatura chegou a bater nos 30ºC e acabou num pôr do sol deslumbrante e cor de rosa, os adereços que a artista levou até ao Palco Mundo do Rock in Rio Lisboa fizeram deste espetáculo aquele que levou o troféu de melhor cenário. 

À semelhança de um parque de skate, com baloiços, um carrossel, bicicletas e, claro, uma pista de skate, todo o cenário não foi montado em vão e Camila Cabello usufruiu dele até ao fim. Quer fosse sentada (fazendo com que o pouco que se conseguia ver se tornasse quase nulo) quer fosse a rodopiar no carrossel com as suas dançarinas, este cenário conseguiu elevar o espetáculo a outro nível, fazendo com que as críticas negativas dos festivaleiros atenuassem um pouco. 

Também o projetor fez das suas, e no bom sentido. Os tons de rosa, azul e roxo que foram colocados nos ecrãs durante as várias músicas que a artista cantou fizeram parecer que cada uma das imagens projetadas demonstrava um sentimento diferente, com palmeiras e nuvens a enfeitar o recinto. No entanto, nem tudo foram rosas, já que o próprio cenário também foi alvo de uma maturidade rápida, com um varão colocado no meio do palco onde Camila Cabello decidiu mostrar o seu jogo de cintura a todo o público. 

Além disso, se por um lado este espetáculo fica marcado na história (até agora) como um daqueles que teve o melhor cenário, por outro fica o sentimento agridoce da artista ter conseguido usá-lo apenas para seu proveito. Numa altura em que preferimos levantar o telemóvel e gravar os acontecimentos para os recordar mais tarde em vez de vivermos realmente o momento, Camila Cabello usou os seus adereços não para tornar o espetáculo mais interessante mas sim para futuros trabalhos.

O público está à tua frente, Camila

“Ela está há quase uma hora sentada sem olhar para nós”, disse uma das festivaleiras que se encontrava no concerto. E a verdade é que, nos primeiros minutos de espetáculo, ao ver pela transmissão em direto, pareceu-nos que algo não estava bem quando reparámos que Camila Cabello olhava muito para a câmara. Quando, pouco tempo depois, chegámos ao recinto, percebemos que afinal era mesmo verdade - o concerto do Rock in Rio mais parecia uma gravação de um dos próximos videoclipes da cantora. 

Foram vários os momentos em que Camila Cabello falava com o público mas de costas para ele, com uma câmara posicionada mesmo à sua frente. Essa mesma câmara depois transmitia para os ecrãs gigantes e para a televisão, o que, para quem estava a ver por esses canais, era perfeito. No entanto, para quem realmente se encontrava no local  e esperava usufruir do dinheiro que gastou para ver a cantora atuar, a desilusão começou aqui. 

A interação com o público foi muita, verdade seja dita, mas assim que começava a cantar era mais uma voltinha até à câmara mais próxima e “adeus público que pagou para me ver”. Uma das suas novas músicas, “June Gloom” (de que também falaremos mais à frente) chegou mesmo a ser inteiramente cantada para uma câmara, depois de Camila Cabello ter a excelente ideia de se deitar no carrossel e por lá ficar até ao fim da música. Só por aqui percebe-se que o intuito da cantora não era cantá-la com o público e sim cantá-la por si só.

Lá pelo meio ainda houve tempo para fazer um TikTok “engraçado” durante o êxito “Bam Bam”, e andar de bicicleta com um dos dançarinos que tinha, uma vez mais, uma câmara para captar o momento. A verdade é que, mesmo com os parabéns dados em português à Seleção Nacional depois da vitória contra a Turquia no sábado, 22 de junho, ou de ter devorado um pastel de nata e bebido Sumol em palco, as tentativas de conquistar o público foram todas ao lado, num concerto que ficou marcado pelo sentimento quase de indiferença que Camila Cabello teve para com o público. 

Foi um “cri-cri” do público durante metade do concerto

Somos da opinião de que os artistas podem e devem apresentar novas músicas num concerto, usufruindo de um palco que partilham apenas com eles e não com todos os utilizadores das redes sociais e das plataformas de música. No entanto, um concerto, na nossa ótica, serve para todos os que estão presentes conseguirem curtir, dançar e cantar ao som das músicas mais badaladas das suas contas de Spotify, e não para ficarem estáticos à espera de ouvir uma música que conheçam. 

No caso de Camila Cabello, aconteceu mais ou menos assim: as músicas que todos conheciam foram muito muito boas e as que ninguém sabia que existiam - porque, efetivamente, ainda não existem - não foram lá muito muito boas. O que a artista fez neste último dia de festival foi dar a conhecer aos seus fãs o seu novo álbum, que terá o nome de “C, XOXO”, como se o estivesse a promover numa publicação do Instagram. Na verdade, o novo disco só sai esta sexta-feira, 28 de junho, e Camila Cabello aproveitou a oportunidade de “dar a Lisboa o presente perfeito” e atuar várias músicas que farão parte do álbum. 

Isto fez precisamente aquilo que está a pensar. Enquanto que todas as pessoas que se encontravam mais à frente ficavam a olhar para Camila Cabello a atuar, as pessoas mais ao fundo esqueceram completamente a existência da artista e começaram a movimentar-se para outros palcos, onde iriam atuar Luisa Sonza e Profjam. O ambiente começou a esfriar logo depois do êxito “Havana”, e só voltou novamente a aquecer quando os primeiros acordes de “Senorita” começaram a tocar. 

Pelo meio, a necessidade de promover novas músicas e de mostrar aquilo que está para vir conseguiram estragar o mood dos festivaleiros, que contavam com um espetáculo que efetivamente não aconteceu. E não, isto não quer dizer que a nova música não seja boa, até porque ficou impossível não abanar o capacete enquanto Camila Cabello as cantava, mas este não era o local certo para ficar metade do tempo a promover novos conteúdos. 

Adeus Camila da girlsband, olá Camila sexy

Muito brevemente, é impossível não falar da nova e renovada Camila Cabello. Mais feminina, mais sensual, mais ousada e muito menos certinha, a artista deu um autêntico show no que toca ao seu novo visual. Camila Cabello é uma mulher agora, e sabe muito bem o que consegue ou não fazer - incluindo com a voz, que continua a ser uma das grandes qualidades da artista, mostrando os seus dotes da melhor maneira no Rock in Rio Lisboa.

Com danças de varão, muito twerk, aulas de sensualidade e palavras de encorajamento ao feminismo ao mais alto nível, a artista subiu ao palco para relembrar todas as mulheres que são as maiores da sala, e para não deixarem que as façam sentir menos. A abanar o rabo a cada oportunidade, Camila Cabello aniquilou completamente a imagem que tínhamos dela como a “America’s Sweetheart”, e agora já sabemos o que esperar - desde que não seja um concerto igual a este.