A prova de que a vida é uma ironia (e de que eu tenho o termostato avariado) é que no dia antes de partir para o Algarve, tive de me aquecer com um secador de cabelo (não questionem). Estamos em maio e as temperaturas ainda não são de verão, pelo menos em Lisboa, mas no Algarve, mais precisamente em Vale do Lobo, o verão já dá sinais de vida. E ainda bem que sim, porque esperava-nos um fim de semana na Villa Vista da Collina da SandyBlue, agência especializada no arrendamento de propriedades de luxo no chamado Triângulo Dourado — Vale do Lobo, Quinta do Lago e Vilamoura.
A casa onde ficámos é apenas uma das mais de 100 villas luxuosas com piscina privada para famílias, amigos, ou mesmo casais. Neste caso, fui com uma amiga e uma vez chegadas à casa, o difícil foi sair. Porquê? Primeiro, porque a casa fica numa colina, como o próprio nome indica, e ao estacionar o carro é preciso estar ciente de que na saída o ponto de embraiagem tem de estar bem afinado. Segundo, porque mal chegámos à casa, para cada lado que nos viramos só nos saia um "ah".
A imensidão da Villa Vista da Collina da SandyBlue, com cinco suítes com varanda, é algo inacreditável: tem uma sala gigante com jogos para fazer em família (como o Monopólio e o Perudo), uma cozinha equipada e um sofá com televisão que dá acesso aos restantes espaços ao ar livre. Falamos da mesa de refeições no terraço, da zona de barbecue, do jardim, e da piscina privada — a nossa favorita. Mesmo que a capacidade máxima de dez pessoas fosse atingida, de certeza que ninguém se sentiria apertado com tantas divisões.
Sim, dez pessoas numa só casa para onde foram apenas duas. Problemas de espaço não houve, obviamente. O problema que se colocou foi outro: qual dos cinco quartos escolher. Dois deles, no piso superior, são os de decoração mais moderna e têm ligação entre portas — ideal para pais e crianças. Outro, também neste piso, é uma suite de estilo clássico, sempre luxuoso. Já no piso inferior, há mais duas suites, uma delas diz respeito ao quarto COVID-19, ou melhor, de prevenção à doença: foi denominado de sala de isolação e é mesmo para esse fim, isolar um hóspede caso tenha sintomas, com a garantia de que tem mesmo à cabeceira os básicos, desde o álcool-gel às bolachas de água e sal, e pode alternar a quarentena entre a cama de casal e o cadeirão com uma almofada Ralph Lauren (confinado, mas com luxo).
Optámos pelos quartos mais modernos, precisamente por terem mais cor, mais luz, mesmo que sejam os mais pequenos e uma das portas do armário não seja possível abrir porque a cabeceira está a bloquear. Mas quem precisa de abrir armários, quando pode abrir a porta da varanda com vista para a piscina e para o oásis localizado no meio de Vale do Lobo, ou melhor, do nada. Um nada que tem tudo: tem uma piscina privada, tem o som os pássaros sempre presente, incluindo ao acordar. Ai o acordar.
Mesmo depois de termos sido recebidos com um vinho produzido no Algarve com carimbo SandyBlue e uma tábua de queijos — e se há coisa a que não resisto, amigos, é a queijo e vinho —, acordei antes das 8h para desfrutar da manhã neste lugar único. Em vez de ir imediatamente ao telemóvel (sim, faço parte de pelo menos 90% das pessoas que fazem isto ao acordar), decidi ir à janela para ver e sentir a manhã crua. O cheiro da natureza virgem, o som dos pássaros que me lembram as férias em criança e a vista para a piscina mergulhada nesta colina, quase como se as árvores tivessem dado licença para esta obra do homem se misturar com a obra da natureza.
Ainda antes dos mergulhos, fomos comendo os canapés que nos chegaram da Algarve Fine Foods, um conceito de comida sofisticada, apresentada em forma de canapés com produtos da região. Ainda sinto o ovo de codorniz a rebentar na boca ao mesmo tempo que o salmão, fumado pelo pai de Susana Santos, gerente da empresa, escorrega nesta explosão de sabores. Além deste, foi-nos servida uma bruschetta de pão saloio com cebola caramelizada, queijo brie e pêra caramelizada; tâmara recheada com brie, mel e nozes e pistachos polvilhados; um ceviche de corvina; e ainda um gaspacho tradicional com um toque de morangos (que já não sobreviveu para mostrar).
Até hoje ainda me questiono porque é que comprámos legumes para fazer um caril de legumes caseiro, quando podíamos ter vindo para a Villa Vista da Collina da SandyBlue sem sequer ter cozinhado. O Algarve Fine Foods fornece serviço de catering de canapés (80€) — aqueles que acabaram por nos servir de almoço —, de chef privado, até tem take away de doses generosas de lasanha, por exemplo. Além dos menus fixos, tudo é personalizável, disse-nos Susana, e é possível pedir opções vegetarianas e vegan, uma vez que uma das chefs da equipa é especializada neste tipo de cozinha. Já que não como carne, esta ideia ficou-me debaixo da língua, da mesma forma que já deve estar de água na boca.
Agora percebemos porque é que Joe Mountain veio para Portugal em 2006 e dedicou-se à SandyBlue mal teve oportunidade de sair do Reino Unido com as três filhas e instalar o seu negócio por cá, mais precisamente em Vale do Lobo, no Algarve, região pela qual é apaixonado desde os anos 80, altura em que começou a vir de férias todos os anos com a família.
Aliás, nem foi preciso explicar muito, bastou mostrar-nos o telemóvel depois de abrir a aplicação da meteorologia. Reino Unido: 80%-90% de precipitação prevista e céu nublado. Vale do Lobo: 0% de precipitação e sol. E é debaixo deste que podemos fazer várias atividades propostas por Anastasia Takield, parceira de Joe no negócio de arrendamento das villas luxuosas desde meados de 2019. Um passeio de barco, uma sessão privada de ioga ou pilates no jardim — atividade que entusiasma particularmente Anastasia, adepta de pilates —, e volta de bicicleta (66€ por três dias) são algumas das opções.
Além de não temos feito almoço, também não foi preciso fazer jantar (o caril vai teve de esperar por voltamos a Lisboa), porque ainda nos fizeram chegar o kit de boas-vindas com produtos de empresas locais oferecido a todos os hóspedes. Inclui azeite, tostas artesanais cozidas a forno de lenha, sardinhas em tomate, flor de sal e batatas fritas com apenas três ingredientes (nem sabíamos que isto era possível encontrar num rótulo de batatas fritas). Foi só montar as tostas com as sardinhas, regar com um fio de azeite e abrir o vinho — mais um, porque aqui nunca falta.
Já sabemos escolher o melhor robalo
Podemos não ter cozinhado no primeiro dia, mas no segundo já nos aventurámos ao pequeno-almoço e ao almoço. Abrimos os armários para ver o que podíamos fazer e não é que até demos com uma segunda máquina de café, máquina para fazer sumo de laranja natural, tostadeira, e o auge: copos para colocar um ovo cozido como manda o pequeno-almoço britânico (não os fizemos, mas desejávamos ter uns iguais em casa).
Quando passámos para o almoço, percebemos que não havia bases para tachos e improvisámos com uns individuais, mas ao jantar já tivemos mais problemas quando um chef veio a nossa casa (cenas dos próximos episódios a caminho).
Ainda que a Villa da SandyBlue tenha tudo, há algo que não oferece: pessoas. Nos tempos que correm é normal que queiramos umas férias mais isoladas, só que nada substitui o contacto com as gentes da terra que melhor do que ninguém conhecem e sabem transmitir a sua verdadeira essência. Logo pela manhã fomos até ao Mercado Municipal de Loulé, acompanhadas do chef Paulo Monteiro, fundador da Soul Food, e trouxemos um coração cheio e um robalo no ponto para o jantar com chef privado que nos esperava. É que isto de escolher um robalo tem muito que se lhe diga.
Para ver se é ou não um peixe fresco, temos de fazer contacto visual com o peixe e caso o olho esteja translúcido, é mau sinal. Já se estiver preto vivo, é a escolha certa, ensinou-nos o chef Monteiro. Outra forma de perceber se é o robalo ideal para um peixe ao sal, por exemplo — cuja receita secreta do chef veio connosco —, é olhar para as guelras: se a cor for vermelho vivo, é sinal de que o peixe é fresco.
Até encontrar o robalo certo, o chef foi-nos contando a sua história em estilo bomba relógio, uma vez que a qualquer momento poderia ter que ir a correr para o hospital porque a mulher entrou em trabalho de parto e estava na altura de conhecer a segunda filha.
Paulo Monteiro tem origens cabo-verdianas, mas nasceu em Portugal, tendo abraçado a paixão pela cozinha muito novo quando foi para o hotel (e escola) Belmond Le Manoir, em Oxford, Reino Unido, e fixou-se depois no Algarve, onde tem agora o projeto Soul Food, cujo foco principal é o serviço chef privado (27€ +iva hora), ao qual se junta o de canapés e barbecue privado. Parou tudo: a história interrompe-se quando a mulher de Paulo Monteiro liga e todos nós ficamos expectantes para saber se era desta que "a barriga explodia". Mas ainda não era o momento.
De volta ao percurso do chef, quando veio para o Algarve começou um projeto próprio, mas quando a primeira filha nasceu redefiniu as prioridades e decidiu então criar a Soul Food — a razão pela qual fomos com o chef às compras no mercado (uma das experiências da Soul Food que pode requisitada junto da SandyBlue), onde todos nos fizeram sentir como em casa, desde os seguranças a controlar a lotação no interior devido à COVID-19 até à senhora da banca das Casinha da Avó, doçaria regional de fabrico próprio que me recomendou o rolinho de figo, amêndoa e café — entre uma oferta de mais de dez sabores — depois de perceber que eu era amante de café.
Não fomos embora do mercado sem levar o peixe para o jantar. Foi a Dona Maximina, à frente daquela banca de peixe há mais de 40 anos, que nos arranjou o robalo para o risotto que nos esperava. O chef Paulo Monteiro não nos revelou muito sobre a ementa, mas sempre que falava nas suas receitas dizia "já me estou a babar", tal não é a emoção com que fala e prepara a sua comida.
Para estarmos à altura de um jantar em casa com requinte, à tarde a Yana, da Beauty House, veio fazer-nos as unhas (chiqueza máxima) enquanto o namorado, da Detailing Algarve, lavou-nos o carro. Não há melhor equipa.
Nunca soube tão bem ter um estranho na cozinha
Finalmente, chegámos ao momento especial da estadia e, para confessar, aquele pelo qual mais aguardávamos. Desta vez já não veio o chef Paulo Monteiro, não fosse a criança nascer a qualquer momento, mas tivemos a companhia do chef Jorge Guerreiro.
Chegou por volta das 18 horas para começar a preparar tudo e à medida que ia cortando os ingredientes necessários, já estava uma panela pronta a receber as cascas descartadas para fazer um caldo saboroso para o risotto. A ideia de não desperdiçar os alimentos já nos agradou, mas o melhor ainda estava por vir.
Contudo, cedo percebemos que esta é mais uma cozinha caseira do que uma cozinha de autor. A exigência não é a mesma, mas talvez o cuidado de bem receber seja ainda maior. Ou melhor, de bem servir, já que o chef estava na nossa casa de férias e da janela que separava a cozinha da mesa de refeição no terraço podíamos ver o chef de um lado para o outro a preparar tudo.
A refeição começou com uma massa filo recheada com queijo chèvre, mel e nozes e umas bolas de arroz panadas com brócolos, cogumelos e cenoura. De seguida, uma entrada mais leve de guacamole com texturas: em vez de uma pasta, o chef apresentou-nos a casca do abacate recheada com pedaços do mesmo, tomate, cebola roxa e lima.
Para prato principal veio então o robalo arranjado pela Dona Maximina e tostado no forno com limão da horta do chef Monteiro, servido em cima de um risotto de ervilhas e parmesão. Foi aqui que notámos a falta de mais uma peça numa cozinha tão bem equipada, que talvez esqueça os básicos: um prato oval, ou mesmo de sopa, no qual habitualmente se servem os risottos. Não havendo, foi num servido num prato raso, e acreditem este pormenor pouca diferença fez. É que não sobrou um bago de arroz.
Para finalizar, a sobremesa de que o chef Paulo Monteiro nos falou na visita ao mercado sem conseguir evitar a água na boca: pastel de nata enrolado em massa filo, com gelado de baunilha e uma mousse de morango com frutos vermelhos. A mousse era boa, embora dispensável, porque podíamos ter ficado (e repetido) a sensação do quente e frio do pastel de nata acabado de sair do forno acompanhado de gelado.
Depois disto, acham que lavámos a louça? Podíamos, mas já estava tudo um brinco quando regressámos à cozinha. É que o lema da Soul Food é "deixar a cozinha ainda mais limpa do que foi encontrada" — juramos que a nossa estava em condições, mas ainda ficou melhor.
A estadia na Villa Vista da Collina da SandyBlue custa desde 3.629€ por semana. Outras villas da SandyBlue custam desde 518€ por semana, a partir de quatro pessoas.
*A MAGG ficou alojada na Villa Vista da Collina a convite da SandyBlue.