
Há artistas que nascem para grandes palcos. Esta quinta-feira, 10 de julho, Olivia Rodrigo provou que é uma delas e, no NOS Alive, festival do qual foi cabeça de cartaz, foi protagonista de uma catarse coletiva. A plateia foi composta por um mar de miúdos e pais, mas também de fãs devotos e adultos a fingir que estavam só a acompanhar.
A Guts World Tour chegou a Portugal pela segunda vez, depois de ter passado pela MEO Arena em 2024, mas desta vez trocou o recinto fechado pelo céu aberto, decibéis extra e uma audiência ainda mais barulhenta (sim, é possível). A euforia estava garantida, mas será que superou as expectativas? E será que o som conseguiu sobreviver ao coro de vozes histéricas que invadiu o Passeio Marítimo de Algés?
Atenção, spoiler: houve momentos gloriosos, outros menos bem afinados e também espaço para pensar sobre o que leva milhares de crianças e adolescentes em tenra idade a cantar sobre desgostos amorosos com uma paixão que nem Freud explicava. Por isso, para que não lhe falte nada, dizemos-lhe o que gostámos, o que podia ter sido melhor e aquele momento filosófico que só um concerto é capaz de suscitar.
O que gostámos
O NOS Alive mexeu, tremeu e houve até quem chorasse

O primeiro impacto foi visual. Quando Olivia Rodrigo pisou o Palco NOS já um bocadinho atrasada, foi como se alguém tivesse ligado uma corrente elétrica ao recinto. Bastou que as luzes e ecrãs ficassem roxos, a cor que é a assinatura da cantora, para haver quem pulasse até antes de a primeira nota tocar. E havia razões para isso, já que a artista começou o concerto com "obsessed", um dos seus êxitos mais mexidos.
Não sabemos como é que, ao final da noite, os fãs ainda se aguentavam, mas o que é facto é que os presentes se transformaram num só pulmão. Cantavam todos bem alto (e ainda de forma mais apocalíptica do que na MEO Arena, para sermos justos). Aliás, raramente se viu um público tão afinado no caos. A sensação era de euforia partilhada, diga-se.
Ao nosso lado, havia vários grupos em transe, que gritavam como se estivessem a ver os Beatles (ou Taylor Swift, vá). Afinal, Olivia Rodrigo sabe bem o que faz. Brinca, sorri, rebola-se no palco (literalmente), fala de pastéis de nata e berra nas alturas certas – "brutal", por exemplo, parecia uma catarse punk em versão Gen-Z.
Nos momentos em que as suas canções mais sentimentais se faziam ouvir, houve até quem chorasse de emoção, mas sem nunca deixar de gritar. Por isso, embora não possamos dizer que Olivia Rodrigo tenha o mesmo impacto vocal que outras artistas pop que a ajudaram a trilhar caminho, uma coisa é certa: sabe pôr o público a fervilhar por dentro e por fora mais do que muita boa gente que aí anda.
Gritava-se, mas ouvia-se (milagre técnico?)

Apesar de termos os tímpanos constantemente perfurados por gritos a 120 decibéis de adolescentes (e até mais novos do que isso), o som do palco não desiludiu. Cada nota chegava límpida até cá atrás, com Olivia Rodrigo a mostrar que, além de estilo, também tem substância. Há ali voz, há ali presença, e até técnicos de som que merecem os tais pastéis de nata que a artista elogiou por aguentarem aquela batalha acústica.
Acreditem em nós, porque não o dizemos em vão. Momentos como "vampire" e "drivers license" tornaram-se quase lutas de poder entre a norte-americana e o público do Passeio Marítimo de Algés. Quem cantava mais alto? Eis a questão. E sim, até a artista parecia admirada com o entusiasmo. Nós também, mas, por incrível que pareça, continuava tudo audível.
"Pretty isn’t pretty" foi, quiçá, o pico da clareza sonora. Isto porque, além de mais calmo, não é necessariamente um dos hits mais comerciais da artista, pelo que houve ali uma pequena ilha de harmonia no meio do furacão hormonal. Durou pouco, é certo, mas foi bonito enquanto aconteceu.
A emoção sem filtro nos momentos acústicos
Quando vieram os momentos mais calmos, Olivia Rodrigo sacou de uma cadeira emocional e sentou-se connosco (houve até quem lhe chamasse terapia, vejam bem). "Enough for you", por exemplo, foi daqueles instantes que, apesar de menos teatrais do que na MEO Arena, pareceram mais íntimos. Só ela, a guitarra e o público – ou, pelo menos, os que não estavam ocupados a gravar stories.
"Favorite crime" teve essa mesma vibe quase confessional. E é aí que se percebe que, por baixo de todo o pop punk e turbilhão de emoções típico de uma jovem de 22 anos, há canções sólidas, honestas e bem escritas. Dá gosto vê-la nesse registo mais cru, sem grandes artifícios, só com o seu talento.
O que podia ter sido melhor
O alinhamento? Gostámos mais do da MEO Arena

Quem a viu em Lisboa, na MEO Arena, talvez tenha sentido falta de algo. E não falamos apenas do facto de o alinhamento ter menos cinco canções no Passeio Marítimo de Algés – o que, ainda assim, compreendemos, sendo que os concertos nos festivais costumam ser sempre mais curtos.
Talvez fosse só o efeito da primeira vez, talvez seja má memória, mas o alinhamento deste concerto pareceu-nos menos coeso. Não é que tenha sido mau (pelo menos para nós, que conhecemos as faixas de uma ponta à outra, embora tenhamos ouvido relatos de quem, por falta de conhecimento ou de sentimento de identificação, tenha achado o concerto uma seca), mas teve altos e baixos mais visíveis.
A ordem das músicas criava ondas, mas nem todas pegavam bem na maré anterior. "So american", por exemplo, apareceu depois de um momento super emotivo e ficou a boiar. Da mesma forma que, para nós, "bad idea, right?" perdeu força depois do murro que foi "traitor", durante a qual vimos uma miúda a chorar compulsivamente (verdadeiramente devastada). Perguntamo-nos como passou de lágrimas a gritos.
Faltou talvez aquele clímax emocional que nos deixasse de rastos no final ou uma despedida mais apoteótica, já que o espetáculo do megafone, com o qual costuma encerrar os concertos, podia ter sido adaptado para algo mais pomposo para os festivais. Ainda assim, Olivia Rodrigo entregou o que tinha de entregar.
Os ecrãs mereciam uma revisão
Numa artista com esta atenção ao detalhe visual, os ecrãs foram um ponto fraco. Durante "all-american bitch", por exemplo, os efeitos visuais escolhidos criavam mais confusão do que impacto. Para quem estava longe e dependia dos ecrãs para pôr os olhos em cima da artista, que era o nosso caso, a experiência perdeu algum encanto (e nitidez).
O problema não era falta de qualidade, atenção. Era excesso de estilo mal calibrado: cortes abruptos que vinham de mãos dadas com os visuais escolhidos pela artista, zooms estranhos, filtros que, embora pudessem ajudar a construção da narrativa, não nos seduziram. Com um público tão sensível ao visual – e com tanta gente a ver à distância, já que o recinto estava a rebentar pelas costuras –, valia a pena afinar essa parte.
O que nos deixou a pensar

Vamos falar do elefante na sala – ou, neste caso, das milhares de criancinhas aos pulos no recinto. Sim, era muita gente. Sim, a maioria parecia ter ido diretamente da escola para o concerto. E sim, estavam todas a gritar letras sobre desgostos, traições, noites mal dormidas, crises existenciais e ex-namorados que deviam apodrecer no inferno com uma intensidade que faria qualquer terapeuta ficar boquiaberto.
E foi aí que nos bateu: estas crianças sabem sequer o que é sofrer por amor? Têm idade para terem um ex? Sabem o que é levar um ghosting às três da manhã depois de terem mandado aquela mensagem arriscada? Provavelmente não. Mas não julgamos. Na infância, também chorávamos com "Bleeding Love", de Leona Lewis, como se o nosso coração tivesse sido despedaçado por um affair tórrido com o colega do ATL. O drama é combustível para o fogo emocional dos mais jovens.
Há ali qualquer coisa de fascinante em ver um público tão novo a cantar "traitor" com as veias da testa quase a saltar, como se tivessem sido trocadas pelo crush da turma. E no meio daquilo tudo, os pais. Pais que só queriam ver os filhos felizes e, de repente, estão a ver Olivia Rodrigo a gatinhar no palco em modo "all-american bitch", com cara de quem está pronta para destruir o sexo masculino.
A verdade é que Olivia Rodrigo, mais do que uma cantora teen, é um fenómeno de empatia precoce. As músicas falam de desgostos, sim, mas também de não caber no mundo, de sentir que se é pouco ou até demasiado. E isso, meus amigos, qualquer miúdo de 13 anos com um iPad e uma conta de TikTok já sentiu na pele. Os tempos mudaram e o drama bate à porta mais cedo.