"Eu gosto de fazer comida de comer". Com um sorriso entusiasmado, o chef João Vieira despede-se de nós, para os momentos finais de mais uma noite de serviço no Dona Maria. O restaurante do The Lodge Hotel, na zona ribeirinha de Vila Nova de Gaia, é um daqueles locais onde se faz bem uma refeição em silêncio. A sala acolhedora, em tons quentes, proporciona um abraço enorme enquanto nos dá a ver o Porto. De manhã, é ali que os hóspedes do hotel tomam o pequeno-almoço. Seja ao almoço seja ao jantar, a vista nunca desilude, mas torna-se ainda mais especial à noite.
A carta do Dona Maria foi reforçada com novidades que contemplam ingredientes da estação fria e à MAGG foi experimentar as novas propostas, onde a carne, os legumes e frutas de outono e inverno são reis e onde os sabores regionais nos fazem viajar até almoços e jantares de família, no aconchego de casa.
O couvert, com três variedades de pão, manteiga simples e aromatizada com trufa, um apetitoso paté de sardinha e flor de sal (6€ por pessoa) indica o tom com o qual se vai desenrolar a refeição. Simplicidade, aromas caseiros, ingredientes simples, locais e de qualidade. O pão é tão bom que não nos enfarta, apenas no prepara para o que aí vem.
Logo nas entradas, a maior das surpresas, a que mais nos intrigou e, com toda a honestidade, a criação mais fascinante destas novidades arquitetadas pelo chef João Vieira. A salada de batata doce de Aljezur I.G.P. röti (12€) é uma entrada mas a combinação de sabores desarma-nos. Há doce, há salgado, há aromas de anis e cardamomo, há um leite creme queimado com queijo, há uvas salteadas. O arrojo torna esta entrada única, com aromas natalícios, perfeita para ser saboreada numa noite de inverno, com vista para o Porto, de preferência com chuva e com um copo de Landcraft Loureiro Branco 2023 na mão.
A alheira de Vinhais de porco bísaro I.G.P., com migas, grelos salteados, ovo e esfarelado de broa de Avintes (16€) cumpre a tradição sem ser demasiado pesada. A textura estaladiça do enchido tão português casa na perfeição com a suavidade das migas e a ligeira acidez dos grelos. Uma porção perfeita para abrir caminho para os pratos principais. "Queremos fazer comida simples, com um bom produto, ingredientes frescos. Esta é uma das melhores alheiras que temos", salienta o chef responsável do Dona Maria.
Na nossa visita ao Dona Maria, o chef João Vieira proporcionou-nos a experiência de um clássico e uma novidade, ambos do setor das carnes. Pensámos (erradamente) que os dois pratos selecionados nos iam deixar a precisar de dar uma corrida até à Foz, mas a verdade é que ficamos bem e com entusiasmo para a sobremesa (já lá vamos). Um dos clássicos do Dona Maria da secção Tacho, a vitela estufada com arroz de enchidos D.O.P. do fumeiro de Trás-os-Montes (32€) é um aconchego, um abraço de avó. As fatias de vitela desfazem-se assim que entram em contacto com o garfo e o arroz, malandrinho e no ponto, está adornado de pedaços de enchidos, perfumado com um caldinho salgado, repleto de umami, que só apetece continuar a aviar garfadas deste arroz.
Temos de ser honestos: estávamos com receio do próximo prato. Habitualmente torcemos o nariz a borrego, mas o pernil de borrego Terrincho, assado no forno ao longo de 48 horas, com repolgas (são cogumelos) assadas e puré de batata transmontana trufada (32€) restaurou a nossa fé na carne ovina. A carne, tão bem cozinhada que se desfez ao primeiro toque, o sabor suave, combinado com a riqueza dos cogumelos, e o puré, discretamente aromatizado, fazem deste prato a opção perfeita para a estação fria.
"Nós tentamos fazer uma cozinha com sabores simples, que vai ao encontro daquela comida de conforto. Podíamos brincar com uma espuma mas, para quê, se as pessoas não estão habituadas a isso? O grau de dificuldade é fazer bem feito uma coisa que as pessoas estão habituadas a comer em casa", salienta o chef João Vieira.
O que é doce nunca amargou mas há amargura (da boa) na sobremesa. Este pudim de laranja e vinho do Porto, suflé frio de tangerina e sorbet de laranja, além de um regalo para a vista, é um final perfeito para uma refeição mais pesada. A laranja, fruto de eleição da estação fria, traz aconchego e leveza, e os aromas do fortificado do Douro agarram-nos à casa que nos acolhe. "Assámos reineta com vinho do Porto, como se faz em casa e, no prato, brincamos um bocadinho com os citrinos", explica ainda o chef do Dona Maria.
Provámos ainda o Do Amendoal (11€), um toucinho do céu cremoso com leite creme queimado e gila, gelado de maçã reineta assada com vinho do Porto. É uma opção para quem gosta de sobremesas mais compostas. Dispensávamos a gila, uma textura desafiante e que não agrada a todos.
Ainda agora saímos do Dona Maria e já estamos a planear o regresso. Tudo por culpa de uma das novidades da carta, a Regional da Póvoa, uma rabanada à poveira com morangos e azeitonas galegas, mousse de queijo cabra e mel de urze, que nos deixou com a pulga atrás da orelha e vontade de a provar. Havemos de voltar.
Veja fotos do Dona Maria
* a MAGG visitou o Dona Maria a convite do restaurante