(atenção: este texto não tem spoilers, uma vez que "Soares é Fixe!" é baseado em factos históricos)

Esta sexta-feira, 16 de fevereiro, assinalam-se 38 anos da eleição de Mário Soares como o primeiro presidente civil do pós-25 de abril, um sufrágio que levou às urnas 78% dos inscritos para votar (e só este número dá que pensar). A estreia de "Soares é Fixe!", a 22 de fevereiro, acontece não só a tempo do aniversário de uma das eleições mais importantes da democracia portuguesa, mas também na antecâmara de mais um sufrágio, as legislativas de 10 de março.

A MAGG viu o filme escrito por João Lacerda Matos e realizado por Sérgio Graciano, que conta com Tónan Quito no papel de Mário Soares. Margarida Cardeal dá vida a Maria de Jesus Barroso e, em conjunto, interpretam o primeiro (e talvez único) power couple da política portuguesa.

"Soares é Fixe!", que foi o slogan da campanha presidencial do então secretário-geral do Partido Socialista, tem a ação centrada na noite eleitoral de 16 de fevereiro de 1986. Nesse domingo, os portugueses voltavam às urnas para uma segunda volta, que colocou frente a frente Diogo Freitas do Amaral (o favorito à vitória, apoiado pelo CDS e pelo PSD) e Mário Soares (apoiado pelo PS, e cuja vitória nem a mais bem intencionada das opiniões tinha previsto).

Para quem gosta e acompanha a atualidade política, para quem gosta de História, e para quem admira ou tem curiosidade pelas figuras retratadas em "Soares é Fixe!", a longa-metragem é saborosa, mas peca por ser curta. Falta ação, falta drama, falta vermos mais do animal político que foi Mário Soares. E nem do incidente da Marinha Grande temos direito a uma recriação, só imagens de arquivo da RTP.

Os regressos ao passado, à fundação do Partido Socialista, ainda antes do 25 de abril, ao confronto entre Soares e Álvaro Cunhal, no primeiro debate da história da televisão portuguesa, em 1975, à quebra da amizade política entre Francisco Salgado Zenha e Mário Soares, carecem de contexto.

E mesmo nós, que achávamos ter alguma bagagem para entender o filme, reconhecemos a nossa falta de cultura, mas também vamos pedir uma reflexão urgente sobre a forma completamente atabalhoada como a História recente do nosso País nos é ensinada na escola. Temos esperança que atualmente as coisas sejam diferentes do tempo em que estudámos (anos 90) e que o período entre o 25 de abril e a entrada de Portugal na CEE não seja dado às pressas em duas ou três aulas.

Adiante.

"Soares é Fixe!" perde, por falhar coisas tão simples como uma introdução com contexto histórico, oráculos com os nomes de cada uma das personalidades retratadas, ou um epílogo (até podia ser com imagens reais e com um resumo do percurso político de Soares). Um público mais jovem, com menos bagagem histórica ou menos memória, fica completamente perdido na ação. Além das personagens centrais, Freitas do Amaral, Mário Soares e Maria de Jesus Barroso, apenas conseguimos adivinhar, pela barba e pelos óculos, Marcelo Rebelo de Sousa (interpretado por Tiago Correia), mas foi preciso recorrer à RTP Arquivo para saber que este foi representante da candidatura de Freitas do Amaral.

Um outro aspecto, de ordem mais técnica, mas que ainda é um grande problema na ficção portuguesa, seja em cinema seja em TV: o som. Houve momentos em o volume das vozes das personagens estava mais baixo do que a música ou o ruído de fundo e foi praticamente impossível perceber os diálogos.

O que Tónan Quito (Mário Soares), Margarida Cardeal (Maria Barroso), Tiago Fernandes (Freitas do Amaral) fazem bem é não tentar imitar. Os atores têm algumas semelhanças estéticas com as personalidades que interpretam, reproduzem tons de voz, alguns maneirismos, mas não há aquela colagem quase caricatural que, por vezes, vemos em exagero em grandes produções de Hollywood. E isso, que poderia até causar estranheza, é refrescante. Isto porque a História é tão rica, os protagonistas tão interessantes, que dificilmente alguém sente falta de próteses ou cabelos pintados.

Mário Soares (Tónan Quito) e Maria Barroso (Margarida Cardeal)
Mário Soares (Tónan Quito) e Maria Barroso (Margarida Cardeal) créditos: Filipe Feio

O filme realizado por Sérgio Graciano explora pouco a figura de Maria Barroso. Coloca-a numa posição ambígua, de apoiante relutante do marido, mas também de epicentro de uma dinâmica familiar que vive mais de silêncios do que de palavras. E os silêncios de Mário Soares, o medo, a hesitação, a mágoa, que está refletida no filme, também parecem surgir sem que ao espectador seja explicado os seus porquês.

Recomendamos, como preâmbulo do visionamento do filme, a audição do episódio do podcast do "Expresso" "Liberdade Para Pensar", dedicado ao ano de 1986, e que reúne os testemunhos preciosos de Domingos Amaral (filho de Freitas do Amaral) e Isabel Soares (filha de Mário Soares). Que, de resto, é a narradora de "Soares é Fixe!" (interpretada por Inês Faria).

"Soares é Fixe!" é uma co-produção NOS Audiovisuais, RTP e Sky Dreams Entertainment. O filme será parte integrante da série "Homens de Honra", que retratará as histórias de vida e o percurso político de Mário e Álvaro Cunhal. A ficção televisiva deverá estrear-se na RTP ainda durante este ano, em que se assinalam os 50 anos da Revolução de 1974.

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Créditos fotos: Filipe Feio