"Então mas porque é que ele não tem mais jokers?", "e o que é um super joker?", "mas agora já não dá para os 75 mil euros?". Estas são as perguntas que, recorrentemente, fazemos cá em casa de cada vez que nos pomos a assistir ao concurso "Joker". Após quatro anos no ar, a RTP decidiu dar uma licença sabática ao "Joker". Manteve Vasco Palmeirim na apresentação e foi ao mercado buscar um novo formato — mais rápido, mais colorido, com perguntas não tão quebra-cabeças e um prémio igualmente rechonchudo, 50 mil euros.
"E o que é que uma coisa tem que ver com a outra?", pode o leitor perguntar. Tudo e nada. "Joker" tem em comum com "Porquinho Mealheiro" o apresentador. É o concurso que faz o homem ou o homem que faz o concurso? Somos tentados a escolher a segunda hipótese, mas o hábito também pesa. E, cada vez mais, na televisão linear, os telespectadores querem saber com o que contam. O risco de terminar com "Joker", que já se tinha tornado uma tradição nas noites da RTP1, substituindo-o por um formato diferente (e inovador) é grande. E, embora os princípios sejam os mesmos (perguntas de cultura geral, várias etapas e um prémio final chorudo e quase inalcançável), a dinâmica é completamente diferente.
"Joker" vivia muito da capacidade impressionante de Vasco Palmeirim criar uma conversa, extraindo do mais sisudo dos concorrentes diálogos interessantes. Tinha também o bónus das "dad jokes", trocadilhos e piadas hilariantemente secas com que presenteava Patrícia Figueiredo, a mais icónica voz off de um concurso desde Cândido Mota em "Roda da Sorte".
Mas divergimos. Neste novo "Porquinho Mealheiro", a conversa é outra. O estúdio (criado com recurso a CGI) parece enorme no ecrã do televisor, o apresentador e o líder da família em competição estão numa torre, enquanto os outros restantes quatro concorrentes surgem num patamar abaixo, numas cápsulas super fofinhas (que parecem bolas de bilhar gigantes).
E, agora, um momento nostálgico-geek. É só impressão minha ou estas cápsulas do "Porquinho Mealheiro" dão uns ares dos videoclipes "Larger than Life", dos Backstreet Boys, e "Blue", dos Eiffel 65?
Concentremo-nos. O primeiro líder da estreia de "Porquinho" (deixemo-nos de formalidades) é Paulo Coutinho, engenheiro químico da Moita. O Paulo inscreveu a família à revelia e "simplesmente" comunicou que iam ser as cobaias de um concurso televisivo em prime time. Nem quero imaginar como é a dinâmica de férias lá em casa. "Oi, pessoal, estão aqui os bilhetes para uma excursão de 15 dias no Serengeti. Saímos às 5".
A família Coutinho é composta pelo genro Paulo, que nos parece ter sido coagido a participar (mas que confirma a nossa teoria que os concorrentes de concursos mais jeitosos da TV portuguesa estão todos na RTP), a Ana, que adora clássicos de cinema "como o Titanic", o David, filho do Paulo, e Maria João, mulher do Grande Líder.
O Grande Líder Paulo é daqueles patriarcas de família irritantes que, mesmo a sorrir e de forma calma, consegue pôr os nervos em franja a toda a gente, por achar que só ele é que tem razão. Se calhar sou eu que já estou a implicar com o Paulo líder, mas dá-me pena do Paulo genro, que parece estar tão à vontade no "Porquinho" como eu estaria numa competição de macramé.
A dinâmica de "Porquinho Mealheiro" não é fácil de perceber à primeira mas, muito resumidamente (e estamos a cabular a explicação de Vasco Palmeirim), há três rondas de perguntas: a primeira para acumular dinheiro, a segunda para multiplicar o acumulado e a terceira para depositar o dinheiro no mealheiro. Após o depósito, uma pergunta final que, acertada, dá acesso ao prémio final.
Ian Fleming safou o Paulo genro de se afundar ainda mais na consideração do sogro. Mas se pensam que o Líder Paulo deu algum reforço positivo ao desgraçado, pensem outra vez. #forçapaulogenro.
Na fase final, Paulo Líder já se marimbou para a família, apostando apenas com as suas respostas. E o gozo com o "genro Paulinho" continuou, de tal forma que o desgraçado já nem às piadas de Vasco Palmeirim se safou. Isto é bullying. #salvemopaulinho
A família Coutinho foi seguindo devagarinho, acumulando no total 2.800€. No final, veio a mãe de todas as perguntas, que ditava se levavam o guito para casa ou se iam de mãos a abanar para a Moita. Paulo, num assomo de democracia, revela que decidiram em casa que era ou tudo ou nada. Pois bem que se lixaram que, por causa de — SPOILER ALERT! — dinossauros, ficaram a chuchar no dedo. Como se cantava no saudoso Jogo da Mala da rádio Renascença, "fica prá próximaaaaaaa!".
Alguns conclusões depois de vermos "Porquinho Mealheiro"
- Vasco Palmeirim é um mestre na gestão de tempo. E não estamos a falar de dinamizar um diálogo frente a frente (como acontecia em "Joker") ou em manter o telespectador animado. Aqui, é necessário criar uma dinâmica, ao longo de quase uma hora, entre quatro pessoas, que nem sequer se estão a ver olhos nos olhos;
- O que diferencia Vasco Palmeirim de outros anfitriões é que o apresentador não é um leitor de cartões / teleponto preparados pela produção. A cultura geral está lá, o conhecimento dos temas também, com tanto à vontade que lhe permite brincar de forma subtil, ou discorrer sobre o assunto em questão, não tendo de recorrer a cábulas. Quem sabe, sabe;
- Os planos são demasiado rápidos e a música demasiado irritante para uma hora de programa. Ao fim de 30 minutos tivemos de fazer uma pausa porque já não conseguíamos prestar atenção ao que estava a acontecer (e temos de admitir, perdemos o fio à meada às regras). "Porquinho Mealheiro" dura demasiado tempo, pelo menos para horário de verão;
- Gostávamos de ver Vasco Palmeirim com looks diferentes dos que usava no "Joker". Como, por exemplo, o da estreia "The Voice Gerações", mais fresco e leve;
- É ingrato estrear um concurso no horário de verão. Ainda assim, "Porquinho Mealheiro" fez bons números (501 mil telespectadores e 11,3% de share), estando a concorrer com as novelas da SIC e TVI ("Lua de Mel" e "Festa é Festa"). Fica a dúvida se a RTP não deveria ter guardado a estreia do formato para setembro, uma vez que, ao contrário deste mês de férias e calor, às 21h45, já toda a família está à mesa ou no sofá.
Os concursos televisivos são slow burners, como dizem os anglo-saxónicos. São maratonas, gostos adquiridos. "Porquinho Mealheiro" é um bom conteúdo para aquele horário, mas é-o principalmente porque tem Vasco Palmeirim à frente. Se vai ter a mesma longevidade de "Joker"? Temos sérias dúvidas e não nos surpreenderia que, lá para meados de 2023, voltássemos a ter no ecrã da RTP1, a dupla Palmeirim / Figueiredo a presentear-nos com as melhores piadas secas do País.