"Despite all my rage i'm still just a rat in a cage" (em português, "apesar de toda a minha raiva sou apenas uma ratazana numa gaiola") é um daqueles versos maiores do que a vida para quem cresceu nos anos 90, na era do grunge. A frase é da canção "Bullet with Butterfly Wings" e foi uma das que mais animou uma multidão mole e pouco entusiasmada durante o concerto dos Smashing Pumpkins, no primeiro dia do NOS Alive, esta quinta-feira, 11 de julho.
O concerto em si foi aborrecido? Não. Foi o concerto de uma banda que anda na estrada há mais de 30 anos e que consegue fazer isto de olhos fechados. Não há grandes improvisos nem entusiasmos, Billy Corgan, com o seu longo vestido-casaco, meio sacerdote medieval, meio monge budista, exala uma calma quase alienada e a energia mais exuberante vem da novata Kiki Wong, que foi escolhida num casting aberto para ser a nova guitarrista da banda, e do baterista Jimmy Chamberlin, que protagonizou um dos momentos mais sensuais e electrizantes que já testemunhámos num concerto.
Mas já lá vamos.
Então qual foi o problema? O problema, como é cada vez mais em festivais ecléticos como o NOS Alive, em que tanto há aficionados de punk rock como de deep house, é mesmo o público. Numa altura em que tudo é estímulo, tudo é 15 segundos de TikTok, tudo é viral, imediato, seria de esperar que nós, os que crescemos numa era em que não havia telemóveis, nos soubéssemos comportar num concerto de uma banda desse tempo, e que nos dá a honra de continuar a existir a e fazer boa música.
Uma colega nossa, com muita graça, dizia, a determinada altura, quando dois quarentões iniciaram sem sucesso a típica dança dos encontrões, perante a indignação meio enojada de quem os rodeava: "é o mosh possível em 2024". E isso não é de louvar, é uma tristeza. Ver um concerto de rock em que não há agitação, mas sim telemóveis no ar, em que gente que, na sua adolescência de cabelos compridos, posters nas paredes e tatuagens feitas a marcador, tanta raiva contida nas frases escritas e sublinhadas nos cadernos da escola, sucumbiu a gravar aquele bocado daquela canção mais conhecida, sem sequer olhar para o palco mas sim para o ecrã do telemóvel, para depois voltar para a palheta com a grupeta de amigos, como se estivessem na Feira da Golegã ou no sunset em Vilamoura, é francamente triste.
E não vemos maneira de a coisa melhorar, nestes tempos em que os concertos deixaram de ser sobre música e passaram a ser quase cultos religiosos em torno de uma personalidade só, em que figuras como Taylor Swift e Beyoncé, apesar do seu enorme talento, arrasam tudo o que está à volta, deixando nichos cada vez mais pequenos para bandas, para o rock, para quem gosta de estar a olhar para um palco e apreciar, quase como que num ritual meditativo, pessoas a manusearem com mestria instrumentos e a cantarem sem coreografias.
Sobre o concerto em si. Billy Corgan, James Iha, Jimmy Chamberlin, Kiki Wong e Jack Bates são acompanhados em palco por Katie Cole que, qual Adele australiana, faz os coros de algumas das músicas dos The Smashing Pumpkins mas, na maior parte do tempo, está só ali, como se fosse uma personagem de um qualquer spin off de "O Senhor dos Anéis".
A sua voz quase inaudível contrasta com a presença intensa de Chamberlin. O baterista de 60 anos, que já entrou e saiu da banda umas quantas vezes, protagonizou o momento mais sensual, quase lúbrico, do concerto, ao realizar um solo de alguns minutos, olhando intensamente para as câmaras, como se estivesse a convidar o público para um one night stand. Eu vi, ninguém me contou. Mas não registei. Porque um concerto também é isto. Ver e guardar na memória RAM que Deus nosso Senhor nos deu.
Entre um "obrigado" e um "boa noite, Lisboa", lá mais para a frente Billy Corgan perde o cerimonial tímido e pergunta a Iha se se lembra do concerto em Cascais. "Na praça de touros!", diz Corgan. O guitarrista parece não se lembrar da primeira atuação dos The Smashing Pumpkins em Portugal, na Praça de Touros de Cascais, em 1996. Mas Corgan lembrava-se e, como recorda o "Expresso", citando uma reportagem da "Blitz" da altura, o vocalista da banda de Chicago tinha ficado marcado pelo entusiasmo do público português. Foi em 1996. Quem lá esteve, lembra-se, e não foi preciso fazer 550 stories e 357 vídeos para os 35 grupos de WhatsApp.
Sim, houve os grandes êxitos, desde "Tonight, Tonight", "Ava Adore", passando por "1979", "Zero" ou "Disarm". E também houve momentos em que os músicos pareciam estar mais a tocar para si e entre si do que para o público. Mas, no final, e apesar de muitos terem picado o ponto, feito o seu videozinho e abandonado porque deviam ter uma consulta às cinco, Billy Corgan fez questão de percorrer a passerelle que permite aos artistas mergulharem na multidão e agradecer de braços abertos a Portugal.
Não te merecemos, Billy. Não te merecemos.
Veja as fotos do concerto
Crédito fotos: João Silva / NOS Alive