Foi um autêntico fenómeno de audiências em Espanha e chega esta noite à televisão nacional. O primeiro episódio de"Crimes Submersos" estreia esta sexta-feira, às 21h30, na RTP1, depois de ter dominado as audiências da RTVE, televisão pública espanhola, na passada terça-feira, 18 de janeiro.
A RTP e a RTVE uniram-se e deram vida a esta que será a primeira produção original exibida em simultâneo na televisão pública portuguesa e no canal público espanhol. É um thriller policial, sim, mas o comunicado garante que há muito mais por detrás de armas, crimes e mistério. Por isso, fomos à procura de respostas: afinal, o que podemos esperar desta primeira co-produção ibérica, que conta com figuras nacionais como Marco D'Almeida, Soraia Chaves, Diogo Martins ou Paula Lobo Antunes?
O ponto de partida é simples: depois de um período de seca extrema no sul da Península Ibérica, algumas povoações de Campomediano, inundadas há décadas, voltam a aparecer entre as águas — e, com elas, dois esqueletos vêm à tona. E, a partir daí, arranca uma co-investigação ibérica com um único objetivo: encontrar o autor do crime que Daniela Yanes (Elena Riviera), inspetora da polícia espanhola, garante ter acontecido.
Sem spoilers, a apresentação está feita, mas a MAGG quis saber mais. Principalmente sobre o que se passa fora do que vemos no ecrã. E, para isso, nada como falar com um dos protagonistas da série: Marco D'Almeida, que dá vida a Hugo Gomes, inspetor da polícia policial portuguesa.
Em entrevista, o ator conta segredos inéditos das gravações, levanta o véu sobre o futuro da série e fala sobre um dos maiores desafios da sua carreira até à data. Que, alerta, spoiler: está quase a chegar aos palcos nacionais. Mas já lá vamos.
"Crimes Submersos" estreia esta sexta-feira em Portugal, mas os números espanhóis falam por si
À data da entrevista, 19 de janeiro, Marco D'Almeida ainda estava em pleno período pós-estreia da série em Espanha, que tinha acontecido na noite anterior.
“Ontem foi um dia particularmente especial para mim, porque a série estreou em Espanha. E eu, como estou em Portugal, não estava a ver. Foi, de certa forma, a minha estreia na televisão espanhola com o papel de protagonista. E fui recebendo não sei quantas mensagens, tanto de amigos como do elenco, a descrever o que estavam a ver", explica Marco D'Almeida.
"E, hoje, recebi mensagens do realizador e coordenador do projeto, Joaquín Llamas, que foi o autor da história, contentíssimo, porque foi o programa mais visto no dia da estreia [em Espanha]".
"Por isso, espero que isto se reflita no futuro e arranquem produções de qualidade entre os dois países. Pelo menos, em Espanha, o primeiro episódio já está ganho. Teve uma audiência muito boa para os números que a televisão pública espanhola costuma fazer— e estão todos muito contentes, claro", revela o ator de 47 anos, que explica que, à data do arranque das gravações, ninguém da equipa tinha noção do que estava prestes a acontecer em cena.
A última cena foi das primeiras a ser gravada — e mudou tudo
Marco D'Almeida protagoniza "Crimes Submersos" ao lado de Elena Riviera, atriz espanhola de 29 anos. E, juntos, dão vida a uma dupla de polícias cuja relação transcende o campo profissional.
"Durante oito episódios, estes dois polícias vão viver uma amizade tão profunda, sempre com noção de que são polícias e não podem mostrar sentimentos. Mas, ao mesmo tempo, estas duas personagens estão um bocadinho perdidas e, juntos, encontram-se", diz.
"E é muito giro, porque uma polícia espanhola vai encontrar isso com um polícia português. E vice-versa. E uma das características das nossas personagens é mesmo este desenvolvimento de uma verdadeira amizade", acrescenta, com a ressalva de que o par de atores descobriu o rumo a seguir depois de lhes terem trocado as voltas.
Não no que à língua diz respeito, já que os atores espanhóis vão falar apenas castelhano ao longo de toda a série e há vários atores portugueses bilíngues, como é o caso de Marco D'Almeida, que já domina a língua na totalidade. "Já domino o castelhano, já não é um portunhol", diz, em tom de brincadeira. Mas em relação à ordem da gravação das cenas.
"Não nos conhecíamos enquanto atores, arrancámos as gravações com algumas cenas em separado, ela a filmar a história dela e eu a filmar a minha. E, de repente, fizemos quatro ou cinco cenas, ainda a tentar perceber como jogar um com o outro, e entrámos numa terceira semana e tivemos de gravar a última cena. Ou seja, já com toda uma história por detrás que ainda não tínhamos filmado. Já tínhamos lido, mas ainda não tínhamos filmado e é sempre diferente", frisa o ator.
“E fazemos a última cena. Antes de a gravar pensámos: ‘como é que vamos fazer esta última cena, se ainda estamos à procura do que é esta relação?’. Mas a verdade é que toda a gente, do realizador aos atores, percebeu que houve um antes e depois daquele momento".
À MAGG, o ator explica que parte da equipa ficou emocionada e foi naquele momento específico que encontrou o rumo deste Hélder Gomes, personagem a quem dá vida, nesta relação com Daniela Yanes, personagem de Elena Riviera.
“É uma relação muito bonita, porque é quase uma radiografia de uma amizade", revela Marco D'Almeida com a ressalva de que, ainda assim, as personagens têm muitas voltas, "muitas sombras" e são totalmente inesperadas.
E neste sentido, ainda sem qualquer certeza inerente, deixa a indicação de que "há a possibilidade de uma segunda temporada de 'Crimes Submersos'"."Não posso revelar muito, mas esta história tem a sua primeira temporada, mas deixamos coisas para um eventual seguimento. E quem acompanhar os oito episódios vai perceber isso."
"Não estamos a falar de uma coisa que demorou 100 anos. Demorou 20"
Sem spoilers, o ator revela a primeira cena da série — que serve de ponto de partida não só para a trama, mas como para a mensagem por detrás da história.
"Como pano de fundo, há aqui uma questão que, neste momento, é muito pertinente: a preocupação com as secas e a escassez de água, que já está a acontecer. Há uma enorme preocupação com estas alterações climáticas, não só a nível mundial como do ponto de vista ibérico. O que achei mesmo muito interessante foi conseguirmos fazer isto, com esta questão como ponto de partida, e depois misturá-lo com um género de um thriller policial, com mistério, ficção e crime", conta Marco D'Almeida.
"A série tem coisas muito interessantes. A primeira cena é à chuva e é o crime, que já se passou há 20 anos. E, a partir daí, é só seca. 20 anos depois, só se vê um cenário muito bonito, mas também muito desolador. É muito desolador ver barragens praticamente secas", diz.
Marco D’Almeida descarta a ideia de que “Crimes Submersos” é uma espécie de terapia de choque para a sociedade se aperceber do perigo das alterações climáticas, até porque, diz, “a malta já devia estar preocupada”. "Não estamos a falar de uma coisa que demorou 100 anos. Demorou 20. Foi mesmo rápido. Por isso, pensemos um bocadinho naquilo que serão os próximos 20", avança.
"É muito mais fácil estar sentado a apontar os erros"
Marco D'Almeida estreia-se, assim, como protagonista na televisão espanhola. No entanto, esta está longe de ser a primeira vez que ocupa o cargo na televisão nacional. Já entrou em produções como "Belmonte" e "Ilha dos Amores", já fez teatro, cinema e até telefilmes, mas as novelas portuguesas foram o principal meio de destaque do artista.
E, apesar de o formato novela se revelar estereotipado em Portugal, o ator garante que são produções totalmente diferentes das séries. Não só em termos de qualidade como, acima de tudo, em termos de tempo
Marco D'Almeida explica que a produção de "Crimes Submersos" arrancou em maio de 2021 e prolongou-se durante cerca de cinco meses. O que, diz, "é um luxo em relação a uma novela". "[Em 'Crimes Submersos'] Todas as cenas são em cenários naturais. Leva muito mais tempo a iluminar, por exemplo. É como se fosse cinema. Não temos uma única cena gravada em estúdio", garante. "Portanto, leva tudo mais tempo. Se calhar no dia mais complicado tinha sete cenas, nas quais em duas só tinha de passar, sem falas, no caso. Em novela chego a ter 20 por dia, talvez. Mas dá-nos outra ginástica, a vários níveis".
Neste sentido, o ator recorda a participação numa produção alemã e inglesa, gravada em 2021, cujo nome não revelou, onde admite que há diferenças evidentes em relação à produção de novelas nacionais, por exemplo. "Nós temos mais emoções e somos mais expansivos nesse sentido. Falamos muito no décor e às vezes até há assim umas confusões. Agora, com os alemães não. Não se ouve uma mosca", diz.
E a discrepância continua no que ao ritmo de trabalho diz respeito. "Às vezes pensava: ‘se fizessem uma novela portuguesa não aguentavam’", garante, em tom de brincadeira.
Por isso, Marco D'Almeida frisa que "não deveria haver um preconceito em relação a novelas, até porque há muito bons profissionais a trabalhar neste formato".
"Tanto à frente como atrás das câmaras. É muito mais fácil estar sentado a apontar os erros e a dizer que é mais do mesmo do que estar a fazer uma boa novela. É óbvio que depois são todas umas a seguir às outras e todas obedecem a uma certa lógica: de guião e de história."
Ainda assim, o ator admite que pode não ser o formato preferido dos espectadores mais jovens e, talvez por isso, as séries estejam a tornar-se na maior aposta das plataformas de streaming e até canais televisivos. No entanto, acredita que se trata de uma questão geracional.
"Claro que as novelas são transversais a todas os públicos, mas as gerações mais novas querem um outro ritmo de história. Não têm paciência para ver e isso nota-se em várias coisas e chega a ser um bocado assustador", avança Marco D'Almeida. “Hoje em dia, podes ver a série com outra velocidade ou passar à frente cenas que não te interessam, por exemplo. E, pronto, está tudo a obedecer a uma mudança e os canais têm de segui-la", completa.
“Crimes Submersos” foi a Cannes
E da mesma forma que o mercado ibérico se está a começar a render à produção e exibição de séries, o mesmo acontece com outros mercados internacionais. E o papel de Marco D'Almeida enquanto protagonista em "Crimes Submersos" pode estar prestes a partir além da Península Ibérica. Neste caso, da Austrália à América do Sul.
"Sei que 'Crimes Submersos' foi a Cannes, não ao festival de cinema, mas ao último mercado de Cannes, no qual Austrália, Itália e América do Sul mostraram interesse em comprar esta série. Isto para exibi-la", revela.
Ainda assim, o ator, que já vive em Espanha há vários anos, não se mostra preocupado com as repercussões que este alcance pode ter na sua vida pessoal e na privacidade que lhe está inerente.
"Possivelmente, agora, em Espanha, se esta série for um êxito, como sou protagonista, alguma coisa vai mudar. Mas, quando somos atores, é inevitável. Há um carinho imenso e as pessoas conhecem-te e têm prazer em dizer que acompanham o nosso trabalho. Claro que às vezes há uma situação pontual mais desagradável, mas vale sempre a pena", explica.
"Não pode ser visto como algo que acontece muito nas redes sociais: ter mil comentários bons e depois surge um mau e só nos focamos nesse. Não pode ser assim, embora a tendência seja essa. Há sempre alguém que acorda mal-disposto com o mundo e dispara para todo o lado. Mas há sempre quem reconheça o nosso trabalho".
"O maior desafio da minha carreira? Talvez esta peça, que estou a ensaiar agora, seja um deles"
E, felizmente, diz, trabalho não tem faltado nos últimos anos. No entanto, um dos maiores desafio da carreira profissional de Marco D'Almeida está ainda em processo de ensaios.
"O maior desafio da minha carreira? Talvez esta peça, que estou a ensaiar agora, seja um deles. Porque é teatro, é um monólogo e eu nunca fiz um monólogo", admite o ator. "Vai entrar no top 3 das coisas mais difíceis que já fiz".
"É uma história verídica, que começa com um adolescente na Segunda Guerra Mundial. Faço um homem alemão, que vive em Berlim e, quando se dá a queda do muro de Berlim, fica na parte oriental e do lado dos comunistas. Sobrevive a dois regimes totalitários e, não só por isso, mas também, é uma peça apaixonante e muito atual", revela o artista, que conta ainda que a sua personagem "sobrevive vestido de mulher".
"Isto é verídico e conseguiu escapar aos campos de concentração: vestia-se de mulher e continuou sempre a ser ele próprio", explica Marco D'Almeida, que conta que uma das principais mensagens da peça passa por esta questão de "como é que podes sobreviver quando és diferente de todos os outros?".
"Mas tem muitas mensagens, tem coisas brutais e é um monólogo. Tenho 70 páginas de texto", diz o artista, que revela que o nome da peça é uma homenagem à pessoa em quem é inspirada. Chama-se "Charlotte", tem assinatura original de Doug Wright, tradução de Miguel Graça e, ainda, encenação de Carlos Avilez.
Até à data, tudo indica que este próximo desafio do ator estreie no palco do Teatro Municipal Mirita Casimiro a 11 de fevereiro e se mantenha até 27 de março de 2022.