Depois de uma longa espera (e de um refresh constante na aplicação da HBO Portugal), os dois primeiros episódios de "And Just Like That", a muito aguardada continuação da série de sucesso "O Sexo e a Cidade", já estão disponíveis na plataforma de streaming desde a manhã desta quinta-feira, 9 de dezembro.

E foi justamente esta manhã que trocámos as pipocas (ou o eventual copo de vinho) pelo café e torradas, e vimos à lupa a estreia. Como é que a ausência de Samantha (Kim Cattrall não faz parte deste projeto) vai ser explicada? Miranda ainda é advogada? O que se passa com as filhas de Charlotte? E o casal que definiu o romance para uma geração, Carrie e Big, continuam juntos?

"And Just Like That" estreia esta quinta-feira. Mas já adoramos os looks das protagonistas
"And Just Like That" estreia esta quinta-feira. Mas já adoramos os looks das protagonistas
Ver artigo

A curiosidade era muita, a antecipação ainda mais. E deixamos já um aviso gigantesco: se não quer encontrar spoilers — incluindo um tão grande ao nível de Arya matar o Night King em "A Guerra dos Tronos" —, sugerimos que pare imediatamente de ler este artigo.

Se continuar ou já tiver visto a cena final deste primeiro episódio, junte-se a nós neste misto de choque e lágrimas, apenas curados com um par de sapatos do guarda-roupa de Carrie. Ou vinho, lá está.

And Just Like That
A série ficou disponível na HBO esta quinta-feira, 9 de dezembro.

Mais de 20 anos depois da estreia do primeiro episódio, em 1998, voltamos a Nova Iorque e à vida de Carrie, Miranda e Charlotte — e contamos-lhe tudo.

O elefante na sala e insinuações: onde está Samantha?

O episódio começa com o burburinho habitual de um restaurante de brunch nova-iorquino (sou capaz de apostar que conheci o conceito de brunch justamente a ver um episódio de "O Sexo e a Cidade") e vemos imediatamente as três protagonistas vestidas impecavelmente. O que Carrie, Miranda e Charlotte usam para um simples pequeno-almoço é algo reservado para um casamento para o comum dos mortais, mas vá, magia da série. E sim, prefiro mil vezes babar para roupas bonitas do que ter a realidade a dar-me uma chapada com leggings e camisolas da Primark.

É na fila para o brunch que as amigas encontram uma conhecida de longa data, Betsy Von Muffling, que fica encarregue de esclarecer o primeiro grande mistério desta minissérie. "Onde está Samantha?", pergunta a socialite. "Já não está connosco", responde Charlotte. Ouviram o mic drop ou fui só eu?

Perante o olhar assustado de Betsy, Miranda explica rapidamente que Samantha não morreu, mas sim que aceitou um emprego em Londres, vivendo agora no Reino Unido.

Numa cena um pouco mais à frente, a ausência da quarta amiga é de novo abordada por Carrie e Miranda, com a advogada a explicar que, apesar de Samantha não ter morrido, o sentimento é o mesmo. "Nunca falamos dela, sequer", diz Miranda, seguindo-se um breve contexto sobre o que levou à mudança da publicist para o Reino Unido.

And Just Like That
A ausência de Samantha é abordada logo na primeira cena do episódio.

Carrie explica que, com o estado do mercado literário, não fazia sentido manter Samantha como sua publicist. "Ela aceitou e despediu-me como amiga (...) Deixou de atender os meus telefonemas". Miranda afirma que também tentou falar várias vezes com a amiga, tal como Charlotte, mas nunca obteve resposta. "Deixei-lhe vários voice mails, a pedir para falarmos e resolvermos isto. Entendo que tenha ficado aborrecida, mas pensei que eu fosse mais do que um multibanco", acrescenta Carrie. Sentiram o mic drop outra vez?

O momento prossegue com mais do mesmo, com as amigas a deixarem claro que a falta de interação se deve a Samantha (ou  Kim Cattrall, que isto mistura tanto ficção com insinuações à realidade que estou perdida). "Sempre pensei que seríamos amigas para sempre", conclui Carrie. Nós também, Carrie, nós também.

Podem, por favor, parar de me fazer sentir velha?

Ok, "O Sexo e a Cidade" estreou-se em 1998. Todas as personagens que conhecemos e aprendemos a amar estavam na faixa etária dos 30 e poucos, por isso é aceitável um contexto sobre a idade e de como tudo mudou. Mas onde é que estabelecemos o limite e paramos de dizer isso de cinco em cinco segundos?

Logo na cena do brunch, Charlotte tenta convencer Miranda a pintar o cabelo, reforçando que o grisalho a envelhece, mas não tem problemas em assumir os seus 55 anos. Pouco depois, Harry salienta que tem 58. Steve perdeu a audição porque, e citando o marido de Miranda, "está velho" e precisa de aparelhos auditivos.

Amigos, já percebemos, está tudo a caminhar para a cova (uns mais que outros), mas deixem lá o osso um bocadinho.

Quem nunca foi uma Miranda em plena diarreia verbal, que atire a primeira pedra

É inegável que o mundo mudou muito desde o final dos anos 90 e, caso víssemos todos os episódios da série atualmente, certamente encontraríamos momentos de nos fazer estremecer quanto a comentários com teor machista, intolerantes ou com desigualdade de género íntrinseca. Mas numa época em que todos tentamos fazer melhor, vivemos cheios de medo de dizer algo que possa ser interpretado de uma outra forma.

Nada espelha melhor isso mesmo do que a cena que retrata a primeira aula de Miranda no mestrado de Direitos Humanos, em que se inscreve depois de deixar a advocacia corporativa, área a que se dedicou durante 30 anos. Na série, Miranda senta-se no lugar da professora, e é imediatamente alertada por um colega. Segundos depois, vê uma mulher afro-americana de tranças a sentar-se no mesmo lugar e faz o mesmo aviso. Só que, desta vez, trata-se mesmo da docente.

And Just Like That
Nya Wallace é a professora do mestrado de Miranda.

"É a Nya Wallace?", questiona Miranda, que se mostra surpreendida por a professora usar o cabelo entrançado. Perante o espanto de Wallace (interpretada pela atriz Karen Pittman), que também se interroga sobre o porquê de uma professora universitária não poder usar o cabelo desta forma, Miranda tem tanto receio de dizer a coisa errada que as diz a todas, entrando numa espiral de comentários racistas e de descriminação etária, quando tudo o que queria fazer era justamente o contrário. E vamos ser honestos, quem nunca cometeu uma gaffe causada pelo receio de se explicar mal, que atire a primeira pedra.

Miranda pode ter um problema com bebida

O vício do alcoolismo pode vir a ser um tópico importante em "And Just Like That". Ainda antes da primeira aula de mestrado de Miranda começar, vemos a advogada entrar num bar e pedir um copo de vinho — às 10h45 da manhã. E mesmo depois de o empregado do bar lhe explicar que o estabelecimento só abria às 11h, esta decide esperar.

Mais tarde no episódio, vemos Miranda a retirar uma garrafa de vinho da mala, juntamente com copos de papel, para beber durante o recital de piano da escola de Lily, a filha mais velha de Charlotte e Harry. Estamos claramente perante um problema.

Há 20 anos, a coluna de sexo de Carrie era "a" cena de Nova Iorque. Agora, mandam-lhe ser ordinária

Quando conhecemos Carrie Bradshaw, a jornalista tinha uma coluna semanal no tabloide ficcional "The New York Star", onde escrevia abertamente sobre homens, mulheres, relacionamentos e sexo. Mais de duas décadas depois, a protagonista tenta manter-se relevante no meio com páginas de Instagram (alguém se lembra que Carrie nem sequer tinha telemóvel na série, rendendo-se à tecnologia apenas no último episódio, com um telefone de brilhantes rosa) e podcasts, mas parece que as coisas não estão a correr de feição.

Na cena onde vemos a gravação de um dos episódios do podcast, a podcaster e humorista Che Diaz (interpretada por Sara Ramirez) — uma das novas personagens — puxa por Carrie para que esta responda a questões sobre masturbação em público. Claramente pouco à vontade, a escritora e cronista não consegue corresponder à interação.

And Just Like That
A podcaster e humorista Che Diaz (interpretada por Sara Ramirez) é a nova chefe de Carrie.

Carrie explica à nova chefe que não se sente à vontade com o conteúdo mais gráfico, tal como no episódio da masturbação, mas recebe um aviso. "Tens de ser mais ordinária" (no original, you better step your pussy up), diz-lhe Che. Oi? Como assim? A diva da coluna do sexo dos anos 90 agora é púdica? É oficial, o mundo mudou.

ALERTA SPOILERS A PARTIR DESTE PARÁGRAFO!

O fim de uma era (ou como ainda não recuperámos do final deste primeiro episódio)

O aviso já foi feito no início, mas volto a repetir: se não quiser ser spoilado a um nível gigantesco ou se for mesmo um grande fã de "O Sexo e a Cidade", não leia as próximas frases e vá ver a estreia o quanto antes. Não? Continuamos aí? Bom, foi avisado. Preparem os lenços que esta vai ser forte. Big morre.

Os sinais estavam todos lá. O diálogo com as amigas ao pequeno-almoço, onde Carrie afirma que a vida é curta demais para ser desperdiçada. Charlotte a insistir que os dois amigos fossem ao recital da filha, dado que tinham todo o tempo do mundo para ir para os Hamptons e não tinha de ser nessa noite. O olhar embevecido de Big para a mulher quando a vê sair de casa pela última vez, com Carrie a usar os míticos Manolo Blahnik azuis do dia do casamento (#requintedemalvadez).

"Só estou a olhar para ti", é a última frase que Mr.Big diz a Carrie, seguindo-se a sua característica gargalhada como resposta a uma piada da mulher. A partir daí, precisamos de todos os lenços do mundo.

And Just Like That
"Só estou a olhar para ti", é a última frase que Mr.Big diz a Carrie.

Numa cena maravilhosamente construída, vemos dois momentos em simultâneo no ecrã: Big a fazer exercício ativamente (depois de uma vida de excessos, com muita comida, bebida e charutos durante décadas) numa bicicleta de spinning em casa e, num outro ponto da cidade, Carrie a assistir ao recital de Lily, a filha de Charlotte, que toca uma música ao piano de forma irrepreensível, mas que nos arrepia e faz antever o desfecho.

Big termina a aula de spinning online, ainda envia uma SMS a Carrie a avisar que partem para os Hamptons nessa mesma noite mas, e após ligar o chuveiro, cai no chão vítima de um ataque cardíaco. O telefone, que tinha nas mãos por ter acabado de enviar uma mensagem, cai debaixo da água do chuveiro, com Big a não ter hipótese de pedir ajuda.

No fim do recital, e devido ao aviso do marido sobre a viagem, Carrie vai diretamente para casa e encontra Big caído no chão, prestes a dar os últimos suspiros. A escritora só tem tempo de correr para este, enquanto grita o seu nome e o põe no colo, e Big acaba por morrer nos braços de Carrie, tendo ainda tempo de olhar para o seu eterno amor (ever mine, ever thine, ever ours, certo?). Os sapatos do casamento ficam encharcados de água — tal como todos os fãs da série, que claramente não vão conter as lágrimas com esta cena.

"E, sem mais nem menos, o Big morreu", ouve-se Carrie dizer no final do episódio. No dia 16 de dezembro, quinta-feira, estreia o terceiro episódio (existem dois disponíveis na HBO), mas acho que ninguém vai recuperar deste final. Ou melhor dizendo, a definição do fim de uma era.