“Assim a violência prospera no silêncio”. Esta frase aparece já perto do fim do novo thriller psicológico “Distorção”, mas podia perfeitamente estar no início. Escrito por Liliana Rodrigues Brito e lançado em julho deste ano, este é um livro que promete deixar todos os seus leitores inquietos, com questões morais por responder e situações difíceis por encarar, focando-se num crime que, infelizmente, ainda é a causa da morte de muitas mulheres espalhadas por todo o mundo: a violência doméstica.
“Parecia a história de amor perfeita: Olívia reencontra a sua paixão da faculdade, Dário Amorim, e pensa que essa poderá ser uma oportunidade para recomeçarem onde ficaram e construírem uma vida felizes juntos. Agora, têm um grupo de amigos unido, carreiras promissoras e uma casa onde planeiam começar uma família. O futuro não podia ser mais brilhante”, começa por se ler na sinopse do livro. No entanto, nem tudo é mesmo um conto de fadas, e a decadência da relação começa de tal forma que o pior vem ao de cima.
“Ao mesmo tempo que um cadáver é encontrado na Feira do Livro de Lisboa e a Polícia Judiciária começa a investigar um potencial homicídio, o equilíbrio desta relação começa a desabar numa espiral de luz e escuridão. E, enquanto a polícia desenvolve a sua teoria em relação a este crime hediondo, a vida perfeita de Dário e Olívia é ameaçada”, lê-se ainda na sinopse.
Sem avançar muitos spoilers, “Distorção” quer ser um alerta para a sociedade, para que nos relembremos sempre de olhar para o vizinho ou para a vizinha e tentar perceber se estão tão bem como aparentam estar. Liliana Rodrigues Brito, em conversa com a MAGG, explicou que um dos grandes propósitos deste seu livro - que é a sua primeira obra publicada por uma editora - é “incomodar em certa medida o leitor, para que ele tenha emoções, para que ele se questione”, e que seja algo real para que alguém se possa identificar. “Distorção” tem, inclusive, alguns testemunhos da própria Liliana, e a escritora apenas quer passar a mensagem de que, apesar de ser difícil pedir, há sempre alguém disposto a ajudar.
“Eu também já passei por relacionamentos tóxicos e achei que tinha propriedade suficiente para poder passar a mensagem, e alertar de algum modo alguém que me estivesse a ler e estivesse a passar por alguma situação idêntica. Achamos sempre que não nos acontece a nós nem aos nossos, e muitas vezes quanDo estamos na situação, também não nos damos conta, e quando damos já estamos muito entranhadas, já é algo muito difícil de depois sair”, começou por dizer a escritora.
“Eu não passei violência física e sim violência psicológica, e quando fiz a pesquisa falei com outras vÍtimas porque queria passar toda a nossa verdade. Percebi que, assim que há a primeira agressão, a vÍtima raramente sai”, acrescentou. “É sempre manipulada, tem medo, não tem o apoio necessário das pessoas que a rodeiam ou das autoridades. Não é só ir embora e pronto, não é fisicamente possível, há todo um apoio que é preciso, e eu queria muito ao escrever este livro que as pessoas soubessem isso. É uma resposta às pessoas que me perguntaram várias vezes porque é que eu não saí, e é uma ajuda a quem quer sair”, disse Liliana.
Ao longo das quase 300 páginas de “Distorção”, o leitor tem a oportunidade de conhecer o antes, o depois e o futuro da relação de Dário e Olívia, ficando ciente de vários pontos que irão trazer a desgraça quando a relação estiver no seu auge - as famosas bandeiras vermelhas, como agora se diz. Este thriller psicológico aborda os vários traumas dos dois, os seus problemas e os seus dilemas, nunca escolhendo tomar partido de nenhuma das personagens. Aqui, Liliana Rodrigues Brito conta a história de Olívia, mas não se esquece do passado de Dário.
“Eu gosto muito de dar o outro lado da moeda e tenho para mim que ninguém é mau só porque sim, só se falarmos de um psicopata. Mas este não é o caso do Dário, ele tem os seus tramas, tem uma mãe que teve depressão pós-parto, que era narcisista, e que espoletou depois um transtorno. Tento através da narrativa dizer que não, ele não é mau só porque sim, ele tem todo um passado que o marcou. Ele é um homem que teve uma infância horrível e com este livro eu queria que o leitor se questionasse o porquê de ele ser como é, onde é que nós erramos como sociedade para que estes traumas de infância não sejam retificados. Não é desculpá-lo, de todo, pelas suas ações, mas não é o Dário em criança que tem de ir pedir ajuda para se curar”, explicou.
“É importante que o leitor veja a perspetiva do Dário, há quem consiga e quem não consiga fazê-lo, e está tudo bem. Há um desenvolvimento na criança que é muito importante na fase adulta e isso depois tem um peso muito grande no carácter da pessoa que se vai formar, e eu quis muito passar com este livro que é importante ter muita atenção à saúde mental, é importante pedir ajuda. É um livro que fala sobre a complexidade da alma humana, nem tudo é tão preto no branco. Mas depois a leitura vai de quem ler o livro é muito subjectiva, cada um interpreta à sua maneira”, acrescentou.
A verdade é que o que Liliana Rodrigues Brito quis também passar a verdade nua e crua da decadência de um relacionamento, e demonstrar alguns dos pontos cruciais em que se nota que o companheiro está a começar a ser abusivo. Mesmo com um passado difícil, nada justifica a agressão para com um/uma companheiro/a, e, infelizmente, as mazelas começam a ser tão graduais que quem está por dentro não se dá conta. “Um agressor num relacionamento é sempre a pessoa perfeita e vai-te conquistar ao ponto de tu estares completamente dependente, e é gradual. Ele começa a proibir-te de estar com os amigos, começa a meter-te defeitos, começa a dizer o que podes ou não fazer, começa a restringir-te com um núcleo pequeno onde só possas contar com ele”, disse.
“Eu passei por isso, quando te dizem 'tu só me tens a mim', ‘só eu é que estou aqui para ti’, e isso vai-se dando, essas pequeninas bandeiras vermelhas vão acontecendo ao longo do relacionamento e tu não te apercebes, vais pensando que ele não quer que te vistas assim porque se calhar revela muito, ou se calhar algo não vale a pena e só ele consegue ver isso. Há sempre ali uma lavagem cerebral de modo a que tu só lhe dês atenção e só tenhas credibilidade através da credibilidade que ele te dá. Tu cais sempre na armadilha”, acrescentou.
O título “Distorção” também vem muito desse pensamento, do facto de a autora querer evidenciar os dois problemas das duas personagens principais: “a distorção de personalidade do Dário que é causado pelo seu transtorno e a distorção de realidade da Olívia que é gradual durante todo o seu relacionamento”. Com o objetivo de mostrar as duas faces da moeda, como explicou logo no início, Liliana Rodrigues Brito quer distorcer também a mente das pessoas e fazê-las sentir pressionadas, existindo a possibilidade, mesmo que por breves segundos, de o leitor ponderar quem é que quer ler e conhecer na página seguinte.
No entanto, estas não são as únicas personagens nesta história. Ao longo da narrativa o leitor vai ficar a conhecer a ex-detetive Noronha, que irá ter um papel muito importante em “Distorção”. Isto porque a escritora quis incorporar uns capítulos onde mostra como tudo se resolve do lado das autoridades quando aparecem crimes como este, e, segundo a mesma, não há explicação para tamanha falta de ajuda.
“Não há realmente um apoio, tu tens de apresentar três vezes queixa e depois da agressão tens de ir logo ao hospital, e a pessoa não pensa nisso. A pessoa pensa em encolher-se encostada à parede e chorar porque não acredita que aquilo é a vida dela. O que eu quis mostrar com estes capítulos foi o quão errado está quem é suposto proteger-nos, e é aí que a ex-detetive Noronha vai entrar, porque não aceita que esse tipo de casos sejam arquivados. Violência doméstica é crime, não nos vamos esquecer."
Assim, com um livro que pretende ser, mais do que uma história, um abanão à sociedade, Liliana Rodrigues Brito quer explicar que as pessoas continuam a sofrer, e que o amor não é, de todo, algo abusivo. “É como se fosse um acorda para todos, para as nossas autoridades, para a pessoa que vive ao nosso lado. As pessoas continuam a sofrer, nós deveríamos ter todos direito à segurança e a sair de um relacionamento sem mazelas. Eu também passei por muito e se tivessem olhado com mais atenção se calhar tinham percebido. Que retenham que o amor não é algo abusivo e não é tu sujeitares-te ou perderes a tua identidade para agradar alguém”, finalizou a autora.
“Distorção”, editado pela Euforia, que chegou esta terça-feira, 3 de setembro, à segunda edição, está à venda em todas as livrarias online e físicas, por um custo de 15,30€.