Há histórias que tocam qualquer leitor mesmo antes de saber exatamente porquê. Umas pelas palavras, outras pela verdade que carregam — e há aquelas que ficam com cada um de nós, mesmo depois de o livro voltar a ser fechado. “A Ilusão que Amei”, de Inês Teixeira Pinheiro, promete ser uma dessas histórias: delicada e intensa, escrita com o coração na mão e a coragem nas entrelinhas.

Isto porque o livro é baseado numa história de possível amor que aconteceu na vida da escritora, e possível amor porque aquilo que Inês pensava ser o sentimento mais alegre e feliz para muitos era, na verdade, uma violência psicológica disfarçada. “A Ilusão que Amei” é sobre uma jovem que se apaixona por alguém que parece perfeito, mas cujo amor se transforma, aos poucos, numa prisão feita de silêncio, culpa e controlo.

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E porquê este título? Existem duas razões. “Ele pode ser lido de duas maneiras. Que o amor era uma ilusão, ou seja, que não havia amor, apenas a ilusão de que havia uma relação de amor, ou então que a pessoa que amei era uma ilusão. E eu queria, desde logo, que o título captasse esta dualidade de sentimentos que eu sinto que a Leonor, a personagem principal, sente no livro inteiro”, começou por dizer a autora à MAGG. 

No entanto, também para proteger um pouco aquilo que aconteceu na sua vida pessoal, Inês Teixeira Pinheiro decidiu tornar o livro numa obra de ficção e não numa biografia, desta forma conseguindo captar mais público. Ainda assim, não deixou de reviver muito do seu passado. “Na altura em que o escrevi até era um conto sobre um episódio de uma relação minha assim também ficcionalizado, até porque como se passaram alguns anos a memória já não é a mesma”, explicou.

“E depois, quando eu mostrei às pessoas próximas da minha vida, muito porque eu tinha muito pouca confiança em mim por causa de tudo o que se passou, toda a gente me disse que eu tinha de continuar a escrever”, acrescentou Inês Teixeira Pinheiro. Desta forma, “A Ilusão que Amei” veio para ajudar a escritora a recuperar a sua própria narrativa, uma vez que teve de fazer o difícil exercício de olhar para a antiga relação pelos olhos de alguém que não está nela. 

“Nem sempre é fácil, porque quando nós estamos a escrever uma história, mesmo que estejamos a contar um episódio que nunca tenha acontecido na realidade, nós estamos a pôr-nos na pele daquela personagem. Portanto, foi um exercício muito duro mas foi muito interessante porque, para além de me ter lembrado de episódios que eu já não me recordava, eu cheguei a conclusões que eu na altura, como era a própria personagem da minha história, não me apercebia”, relatou. 

E a parte mais difícil de escrever o livro foi precisamente encontrar memórias boas do lado de quem vê de fora. Para Inês Teixeira Pinheiro, o exercício de ter de ser empática consigo própria para tentar perceber o que sentia no início do relacionamento foi, sem dúvida, o mais difícil, mas algo imprescindível para a sua obra. “Acho que era necessário as pessoas perceberem que havia partes boas no início, foi por isso que a Leonor ficou agarrada tanto tempo àquela relação”, disse.

Mas isso não quer dizer que agora não saiba entender tudo o que aconteceu. Até porque Inês faz questão, ao longo do livro, de relembrar o leitor que há muitas coisas que não estão corretas numa relação. A maneira é simples: ao longo da narrativa, irá perceber que algumas frases no meio de parágrafos são claramente opiniões de Inês, o que torna o livro ainda mais cativante. 

“Eu estava a escrever a história e muitas vezes discordava, como acredito que as pessoas discordam com as decisões da Leonor, e eu própria ficava irritada a escrever. E então eu sentia a necessidade de dizer às pessoas ‘calma, isto não é correto’. De uma maneira muito simples, porque eu quero que as pessoas formulem as suas próprias conclusões, mas eu queria dar essa nota de que eu hoje em dia olho para isto desta maneira”, justificou.

Até porque, na ficção ou na realidade, o mais assustador é, muitas vezes, o quão imperceptível pode ser a linha entre o amor e o abuso, quer seja físico ou psicológico. Foi isso que Inês Teixeira Pinheiro quis explorar com a história de Leonor e, ao mesmo tempo, revisitar na sua própria, porque o que à primeira vista parecia ser um romance apaixonado, revelou-se uma relação marcada por manipulação, silêncio e desvalorização. E, como acontece com tantas pessoas, também Inês e Leonor foram percebendo essa violência aos poucos.

“Eu acho que as pessoas que passam por isto sabem-no, não a 100%, mas têm sempre essa ideia. E por isso é que eu digo que há duas pessoas a viver numa só, em que uma é tão desvalorizada diariamente que acha que merece, e a outra que, por vezes, tem momentos de lucidez. Mas ao ver de fora é que isso acontece. Quando vemos a pessoa que gostamos a ser mal educada com outras pessoas, quando vemos dessa forma o seu carácter”, explicou Inês Teixeira Pinheiro. 

No entanto, um dos aspetos mais importantes da sua obra é a forma como também a escritora quer ajudar quem a está a ler com determinados conceitos que podem ser fulcrais para perceberem em que tipo de relação estão. Um deles foi o “gaslighting”, uma forma de abuso psicológico onde o abusador distorce a realidade da vítima, fazendo-a duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade.

“Quero que os leitores percebam o significado desta palavra, o porquê de a ter escrito, porque foi real. Não sei se foi num dia específico, na altura específica, mas aconteceu numa conversa que eu tive com uma amiga, em que ela me falou disso e eu na altura fui imediatamente ao telemóvel tentar perceber o que é que era e, de facto, conseguia pôr o visto em cada atitude”, começou por explicar. “É um conceito que eu nunca mais esqueci, e era uma das coisas que eu queria incluir no livro porque eu acho que ele também tem de ser um bocado educativo”. 

E afinal, qual é o papel da família e dos amigos ao ver alguém numa relação abusiva? Não há resposta certa para esta pergunta, até porque cada personalidade é uma personalidade e as coisas tanto podem correr muito bem como muito mal, dependendo da pessoa que está a sofrer o abuso. No entanto, Inês Teixeira Pinheiro não quis, de todo, que isso fosse algo a escapar no seu livro, pelo que soube como incorporar estas relações mesmo não tendo uma resposta para as suas atitudes. Porque, na verdade, o que conta é saber se apoiamos ou não. 

“Eu acho que tanto a família como os amigos têm uma espécie de papel porque são pessoas próximas que nos veem a ter atitudes diferentes. Mas eu até hoje não consigo dizer como é que as pessoas devem agir nestes casos, se é ficar silenciosamente presentes, se é tentar acompanhar com pequenos avisos, se é fazer uma ameaça. Mas eu quis incluir isso para deixar as pessoas a pensar, para perceberem que é uma situação muito complicada e que não há respostas certas para nenhum dos lados”, disse.

Mas, como a própria autora fez questão de mencionar, sair de uma relação abusiva, mesmo que com a ajuda destes amigos e família, não significa, automaticamente, estar bem: há um antes, um durante e um depois. E esse depois, tantas vezes ignorado na literatura e no cinema, foi algo que Inês quis explorar a fundo, porque os efeitos do que se viveu continuam a marcar cada gesto, cada pensamento e cada nova tentativa de começar de novo. É o que acontece quando vem a relação estável depois da relação abusiva. 

“Eu percebi que a história não podia acabar aqui, mas que a relação da Leonor com o Pedro, a personagem que vem a seguir, é uma relação que está feita para não resultar. As pessoas não estão preparadas ou não vão estar imediatamente preparadas para ter uma relação. Se é para saltar imediatamente para uma relação, isso nunca vai resultar porque nós vamos acabar por levar os nossos problemas para a nossa relação seguinte”, explicou.

Ainda assim, o falhanço dessa relação não representa um retrocesso, e sim um passo no caminho da cura. Porque a verdadeira recuperação não acontece nos braços de outra pessoa, mas no reencontro com quem fomos antes de tudo isto. “Ninguém é capaz de lhes tirar a sua essência, por muito que durante algum período de tempo possam ser privadas disso. As pessoas não nascem para ser vítimas, por muito que possam ter passado por isso durante um período, elas vão conseguir sair disso e vão ser felicíssimas. Há esperança”, rematou.

"A Ilusão que Amei", publicado pela Singular, já está disponível em todas as livrarias por um custo de 15,98€.