Foi uma descoberta ao acaso: caminhávamos pela Avenida de Roma, avistámos um quiosque e, prestes a pedir um isqueiro, notámos que este espaço em nada se assemelhava aos outros. Foi inesperado e surpreendente. As revistas e os maços de tabaco não existem e são substituídos por itens muito mais delicados, alegres e singulares: há pinturas, desenhos, ilustrações, colagens, bordados e até cerâmicas espalhados por toda a parte
Chama-se Nova Banca Galeria e é a primeira galeria localizada em pleno passeio de Lisboa. É um espaço que tem, como principal objetivo, tornar a arte acessível a todos, dando também a oportunidade a artistas emergentes de aqui exporem as suas obras. É um espaço que, saltando à vista, é difícil não parar para observar.
É também difícil resistir a uns bons minutos de conversa com quem ali ergueu a galeria. Foram Manuel Mendonça, publicitário, e Marina Borba, designer, ambos artistas, que criaram o projeto. Naturais do Recife, no Brasil, têm 38 anos e são um casal. Vieram para Portugal a propósito do doutoramento que Marina está por cá a tirar em Belas Artes, trabalhando também como freelancers nas respetivas áreas.
Mas é na Avenida de Roma, no centro deste seu recente projeto, entre obras de arte e conversas com vizinhos, que, desde março — com os devidos interregnos causados pela COVID-19 —, passam grande parte do seu tempo.
Inspirando-se no conceito de uma amiga — que tem também um quiosque, em Alvalade, onde vende livros e publicações de design, arte e arquitetura — a dupla concorreu para a ocupação deste espaço em plena Avenida de Roma, junto à livraria Barata. E a Câmara Municipal de Lisboa parece ter gostado da ideia: "Talvez por ser diferente do que normalmente é feito, que são quiosques de cigarros e revistas", diz à MAGG Manuel Mendonça. "Apresentámos o objetivo, as metas, a função social. Não foi um processo muito longo. Deve ter durado uns quatro ou cinco meses."
A função social, explica Manuel, é a mais importante: "A nossa preocupação foi e continua a ser oferecer arte acessível a um público que não é o tradicional de uma galeria convencional", diz. "Queremos democratizar o acesso a este tipo de produto e queremos ele seja original e a um preço acessível."
Querem despir a arte do seu lado mais intimidante, do seu lado mais dispendioso e querem mostrá-la aos moradores que cruzam a avenida. Os valores das peças começam nos nos 3€ e terminam nos 330€ — no meio, a grande maioria ronda entre 20€ e 40€. Para os que olham e não compram, não faz mal: "As pessoas param para conversar e nós adoramos essa dinâmica. Seja para falar de futebol, do tempo ou do COVID. Não estamos só restritos à arte. Gostamos de jogar conversa fora, como se diz."
Tanto Marina como Manuel expõem também aqui alguns dos seus trabalhos. A Nova Banca Galeria começou com obras de seis artistas amigos, uns que já conheciam antes de virem para Portugal e outros que conheceram em feiras de arte, como a da LX Factory, em Lisboa. Passados pouco menos de dez meses, o número mais que dobrou: "Já temos aqui 42 artistas, de sete países diferentes: Portugal, Gana, França, Itália, Brasil, Peru e Estados Unidos", conta. "De 15 em 15 dias recebemos sempre obras de alguém novo."
Além dos nomes sonantes, como o do artista plástico Pragana, natural do Pernambuco, expõem-se aqui também os trabalhos de figuras emergentes. "Temos obras de pessoas que passam por aqui e que perguntam se podem expor os seus trabalhos", conta. "Mais de 30 pessoas já passaram aqui e pararam para dizer que a irmã, filha, tia produzem. Ficamos sempre contentes e dizemos para passarem cá para mostrar."
Estabelecer uma boa relação com a vizinhança e trabalhar com a comunidade local é outra das prioridades da dupla. "Isso é muito importante para nós. O nosso projeto, considerando uma realidade palpável, quer fazer parte da zona do Areeiro. Queremos vender e expor artistas próximos de nós. O nosso projeto é fazer parte da comunidade local."
E sentem-se bem recebidos. "Passamos a fazer parte dos vizinhos do Areeiro e fizeram uma publicação muito delicada sobre a Nova Banca Galeria. Logo depois vieram vários moradores da freguesia para fazer compras."
Os artistas não têm de pagar uma renda para que as suas obras estejam expostas na galeria de rua: "Trabalhamos com comissão. A pessoa traz a obra, diz o valor final e nós ficamos com uma percentagem, inferior ao que se pratica nas galerias."
Há planos para expansão, mas sem que isso implique abandonar o quiosque: "Queríamos abrir uma segunda galeria dentro de outra banca de revista. Já que somos duas pessoas, uma pode ficar em cada banca", conta Manuel. Não abdicam do quiosque, mas também não querem estar restritos ao espaço. "Queremos fazer sinergias com artistas e fazer eventos. Acho muito legal que seja assim."