Se tem filhos, certamente saberá que as crianças exigem muito tempo. Tirando da equação os momentos de diversão e lazer que queremos e devemos partilhar com eles, são os banhos, as refeições, as idas ao médico, o ir pôr e buscar da escola, e mais uma dezena de afazeres inerentes à educação dos miúdos.
Toda esta logística já é complicada para um casal, quanto mais para uma mãe (ou pai) solteira ou separada, caso a guarda da criança esteja totalmente a seu cargo. Os ponteiros do relógio não abrandam, e as 24 horas do dia são reduzidas para tudo o que há para fazer. Logo, onde, e como, se arranja tempo para namorar?
“Sem o apoio da família, nada feito”, conta Catarina Santos à MAGG. A doméstica, mãe de três crianças (2, 3 e 12 anos), separou-se do pai da filha mais velha ainda durante a gravidez e assumiu a guarda total da menina, dado que o ex-companheiro residia fora do País.
Tal como relata Catarina Santos, a ajuda da família foi fundamental para que conseguisse continuar a ter vida social, a conviver com os amigos e, consequentemente, a conhecer pessoas novas com quem poderia vir a relacionar-se.
“A minha avó ficava com a minha filha durante a noite, ou vinha para minha casa para tomar conta dela, para eu conseguir sair”, explica a mãe de três filhos. “Há muito menos tempo, como é lógico, e passar fins de semana fora exige muita ginástica. Ou temos realmente ajuda ou gastamos muito dinheiro com babysitters”.
A falta de tempo é um grande entrave para mães solteiras
As relações exigem tempo e dedicação. Os filhos também. E quando alguém tenta refazer a sua vida amorosa ao mesmo tempo que é o único responsável pela educação de uma criança, o tempo foge pelas mãos, tal como a areia numa ampulheta.
“Quando se tem um filho a cargo, o principal problema é o tempo e a gestão deste”, explica Pedro Brás, psicoterapeuta da Clínica da Mente. O especialista acrescenta que “um novo relacionamento exige muito tempo para a relação e, quando se tem todas as obrigações inerentes a um filho, esta torna-se uma situação um pouco incompatível”.
Quando existe guarda partilhada, as mães podem ficar mais disponíveis para conhecer pessoas novas e relacionarem-se com elas. “Já quando isto acontece apenas aos fins de semana e de 15 em 15 dias, o tempo da mãe fica absurdamente limitado”, salienta Pedro Brás, que aconselha, sempre que possível, que a guarda dos filhos seja dividida, dando oportunidade a ambos os pais de “recuperar a vida amorosa”.
O especialista acrescenta que não é por acaso que há muitas mulheres, separadas ou divorciadas, que permanecem sem um novo companheiro a vida toda, “muito mais do que os homens, que têm mais tempo para eles — tradicionalmente, eram as mães que ficavam com a guarda das crianças”.
Pedro Brás acrescenta: “Há mulheres que não têm relações, não porque não querem, mas porque não têm tempo para criar essas oportunidades”.
Os critérios, os medos e a aceitação dos filhos pelo novo companheiro
Tatiana Dias, 26 anos, trabalha como vigilante numa receção e é mãe de uma menina de 4 anos. Depois de se separar do pai da filha às sete semanas da gravidez, aquando da confirmação da gestação, Tatiana Dias passou os dois primeiros anos da vida menina sem nenhum relacionamento.
“Depois do nascimento da minha filha, dediquei-me a 200% ao papel de mãe e pai. A falta de tempo e disponibilidade, dado que não tenho com que dividir as tarefas da parentalidade, ocupava-me todo o tempo disponível. Mas também fiquei muito mais cautelosa com os homens”, conta Tatiana Dias.
Antes de entrar numa relação, e entre outras exigências, a jovem assume que sempre fez com que as suas prioridades fossem bem entendidas pelas pessoas com quem se relacionava: “Tinha de ter a certeza que as pessoas percebiam e tinham consciência de que a prioridade era a minha filha”.
Mas entrar num novo relacionamento com alguém que já tem filhos nem sempre é fácil. Hoje, Sofia Salgado Mota, 46 anos, educadora de infância e autora do blogue “Pedaços de Nós”, tem um relacionamento de 20 anos com o atual companheiro, com quem já tem uma filha de 4 anos, Carlota, em comum. Mas quando se conheceram, houve medos à mistura.
Sofia Salgado Mota já era mãe de Rui, hoje com 23 anos, quando conheceu o atual companheiro. “Lembro-me de a minha irmã o avisar que eu vinha com os extra todos”, recorda com humor.
“Apesar de nunca termos falado muito sobre isso, o meu marido confessou-me que o Rui foi um condicionante no início da nossa relação, que lhe causou algum medo. A verdade é que não estávamos a falar de um simples namoro, para ele assumir uma relação comigo, tinha de ter a certeza daquilo que queria. Não era só eu, era eu e uma criança, que tinha de ser protegida caso as coisas não corressem bem”, conta a educadora de infância.
Tal como explica o psicoterapeuta Pedro Brás, quando se inicia uma relação, “o amor aproxima as pessoas”, mas os filhos podem afastar. “Para o novo companheiro, existe sempre a pressão de educarem um filho que não é deles”, sendo a adaptação mais fácil quando se fala de crianças mais novas.
“Se a criança for um bebé, os laços de paternidade vão-se criar. Quando falamos de miúdos de 5 anos para cima, pode existir uma maior dificuldade em que a própria criança aceite o novo elemento”, explica Pedro Brás.
Mas tal como explica o especialista, “os pais solteiros têm de encontrar outros relacionamentos e, depois de ultrapassada esta primeira gestão emocional, é normal que tudo se normalize”.
A adaptação pode ser mais fácil se o novo companheiro já tiver filhos
Com o divórcio mais banalizado nos dias de hoje, é cada vez mais comuns vermos novos modelos de famílias, com filhos de anteriores relacionamentos e até outros em comum — um género de “os meus, os teus e os nossos”.
“Há uma enorme percentagem de casamentos que dão em divórcio em Portugal, o que torna bastante normal que se formem relacionamentos entre duas pessoas com filhos de anteriores relações”, salienta Pedro Brás, que acredita que tal pode ser benéfico.
Para o especialista, “a problemática ou o tabu de aceitar um filho que não é nosso perde peso se a outra pessoa também tiver filhos, que quer obviamente que esses sejam bem aceites pelo companheiro”.
Esta situação não é inédita para Clementina Carvalho, 40, auxiliar de geriatria e professora de ioga. Mãe de duas filhas, Helena, 17, e Madalena, 9, Clementina Carvalho viu os dois relacionamentos com os pais das duas meninas falharem, mas hoje encontra-se a viver com um novo companheiro, que também já tem um filho de uma anterior relação.
“Acho que pode ser mais fácil relacionarmo-nos com alguém que já tem filhos mas, na minha idade, também é difícil encontrar alguém que não seja pai. No entanto, se a pessoa que estiver connosco gostar realmente de nós, não acredito que um filho seja impedimento”, afirma Clementina Carvalho.
Para a mãe de duas meninas, mais do que os filhos e a gestão do tempo, que apesar de ser complicada se consegue contornar, as maiores dificuldades para as mães solteiras entrarem num novo relacionamento passam pelas relações mal resolvidas.
“As minhas filhas nunca me impediram de nada e acredito que temos de ser nós a provar que não existem dificuldades — e isso tem muito a ver com a forma como nos assumimos como mulheres e mães. Às vezes, não são os filhos que são um impedimento, mas sim situações que ficaram por resolver, relações anteriores, por exemplo. Desde que tenhamos amor-próprio e que estejamos bem connosco mesmas, as pessoas que se aproximam de nós conseguem entender que as crianças não representam qualquer obstáculo”.
O processo de os filhos conhecerem o novo companheiro deve ser gradual
Sempre que apresentou novos namorados à filha, Tatiana Dias foi sempre muito cautelosa. “Nunca disse logo que era meu namorado, apresentei-o sempre como amigo para que se pudessem conhecer e criar laços, e mesmo para ver como se davam”, relata a mãe da menina de 4 anos.
Esta é uma dinâmica recomendada por Pedro Brás, que acredita que a apresentação e entrada na família de um novo elemento deve ser “gradual”.
“Para que as crianças consigam familiarizar-se com uma pessoa nova, é benéfico que se comecem a habituar e a conviver com o companheiro, primeiro como amigo, e não como namorado ou como a pessoa que dorme com a mãe”, salienta o especialista, que acrescenta que se deve ter muito cuidado com a vertente da sexualidade. “A ideia de que a mãe tem uma vida íntima com uma nova pessoa não é fácil de aceitar pelas crianças”.
Assim, Pedro Brás aconselha que se apresente primeiro o namorado como amigo: “Se o filho conhecer o novo elemento primeiro como amigo, vai ser mais simples. Começa-se por informar que o amigo da mãe vem almoçar, depois jantar. Às tantas, o tempo que o ‘amigo’ passa em casa vai ser tanto e tão comum que, quando surge a notícia do namoro, a situação já é esperada e muito mais fácil de aceitar”.
*Texto publicado originalmente em 2019 e atualizado em março de de 2023.