Esta semana deu-se o arranque do novo ano letivo para milhares de alunos do 1.º ao 12.º ano. Prevê-se um regresso às aulas conturbado, devido a paralisações e greves, bem como à falta de docentes. Será comum não terem um professor para pelo menos uma disciplina.

Para o ano letivo 23/24, existem cerca de 80 mil alunos sem professores a uma ou mais disciplinas, de acordo com o "Diário de Notícias". A falta de novos profissionais na área da educação vai tornar-se cada vez mais evidente à medida que outros se reformam.

Início do ano letivo com mais de 80 mil alunos sem professores. E já há várias greves marcadas
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A MAGG foi à procura de alguém que iniciasse este mês a sua carreira enquanto docente. Falámos com Teresa Dias, que, aos 34 anos, se vai estrear enquanto professora na próxima segunda-feira, 18 de setembro. Dará aulas de Geografia na Escola Secundária Sebastião da Gama, em Setúbal, ao 7.º, 9.º e 10.º anos.

"Nunca sonhei ser professora", disse-nos, desde logo. Foi em Geografia e Planeamento que se licenciou em 2017, na Universidade do Minho, onde iniciaria, no mesmo ano, o mestrado em Planeamento e Gestão do Território. "Desisti da tese por não conseguir colocação na área devido a muitos fatores que não tinha", explicou-nos.

"Infelizmente, neste País, tudo depende muito de conhecimentos, as ditas cunhas", desabafa. Mudou de área e, durante mais de um ano, trabalhou como segurança. "Estava a começar a falar-se que havia falta de professores e o meu namorado incentivou-me a tirar um mestrado em ensino, para não ter a licenciatura na gaveta", adiantou-nos.

Teresa Dias acabou por tirar o mestrado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tendo concluído em 2022. "No mestrado não nos prepararam minimamente para o que vai ser a realidade das escolas. Fica em falta muita coisa, desde preparar-nos para o que é a sala de aula, para o dia a dia de um professor, as diversas burocracias, como saber gerir certas situações com determinados comportamentos dos miúdos", acredita.

Apesar de terem unidades curriculares como Psicologia e Ética, Teresa Dias acha que "existem outras abordagens que deviam ser dadas". Concluído o mestrado, continuou com dúvidas. "Duvidei mesmo se era isto que ia querer levar para o futuro", confessou à MAGG. Acabou por tentar lecionar junto à sua área de residência, mas sem sucesso.

"Saíram as colocações e não fiquei. Já era previsto não conseguir qualquer tipo de colocação. Entretanto, surgiu uma proposta para prestar serviços na Câmara Municipal de Vila Verde, onde estive até junho deste ano. Após isso, fiquei desempregada, a recibos vedes, não tinha direito a nada. Então, candidatei-me ao concurso nacional", contou-nos.

À semelhança de muitos outros docentes, Teresa Dias não conseguiu ficar colocada perto de casa, em Braga. Para não permanecer desempregada, acabou por aceitar a oferta da escola em Setúbal. "Não é nada fácil. Temos de deixar tudo para trás. Toda a minha vida está aqui e, de repente, temos de fazer uma mala e ir para o desconhecido. Estar a 400 quilómetros da minha casa", diz.

Atualmente, para exercer a profissão, está a dividir um quarto com duas outras professoras, que também abandonaram o Norte para rumar a Lisboa. Paga 260€ pelo alojamento. "É muito difícil. Eu não tenho de levar a minha família atrás, mas há quem tenha", recorda.

"Os militares e os políticos têm direito ao subsídio de deslocamento, a descontos nos transportes públicos, e ganham muito mais do que 1200€. Se para uns há apoios, porque é que para outros não há? Porque não também fazer isso com outros, seja em que carreira for? Somos todos funcionários públicos", defende.

A professora de Geografia argumenta que o "ordenado de início de carreira não tem grande diferença do atual ordenado mínimo". "Em termos salariais, este ano conto receber só para as despesas. Sou deslocada, pretendo não estar o ano todo em Setúbal e vir várias vezes a casa, mas é precisa muita ginástica orçamental, porque o ordenado é pouco. Não acho que seja justo", afirma.

Teresa Dias sugere a criação de algo semelhante às residências universitárias, mas para os professores. "Há inúmeros edifícios públicos. Porque não reabilitam e criam alojamento para os docentes?", questiona, assegurando que os colegas se queixam exatamente do mesmo.

E as preocupações não acabam aqui. "Cada vez mais, assistimos a um desrespeito muito grande pela comunidade docente. Na altura em que eu era aluna, um professor era uma autoridade, toda a gente lhe tinha respeito. Neste momento, nota-se que há uma desvalorização por parte dos alunos, da classe política e até dos pais", nota.

"Para o bem ou para o mal, somos nós que vamos estar a orientar uma sala com 30 alunos", refere. "Além de tudo isto ser novidade, tenho bastantes receios, como o de não conseguir aguentar a distância ou o de não saber lidar com determinados comportamentos", reconhece.

"Os professores estão em luta há muito, muito tempo, e o nosso Governo está a fazer uma espécie de birra. Porque é que não cede um pouco? As coisas podiam melhorar para toda a gente", conclui esta professora estreante.