"As emoções são coisas que sentimos quando alguém nos diz ou faz coisas. Eu acho que os adultos não sentem muitas emoções, porque deixaram de ter sonhos", responde Rodrigo, um rapaz português de 10 anos, quanto questionado "Sabes o que são as emoções?".

Rodrigo sabe a resposta para esta questão, tal como crianças da Serra Leoa, da Namíbia e do Japão, que nem sequer hesitaram perante a pergunta aparentemente difícil.

"Quando os pais me perguntavam de que é que eu ia falar, eu dizia: ‘Vou fazer várias perguntas e uma das primeiras é esta’. E os cuidadores, independentemente do lugar, diziam-me sempre ‘ah impossível. Eles não vão conseguir responder’", recorda à MAGG, autora do novo livro "Emocionar", que procura analisar o que crianças de cada cultura pensam sobre as emoções. "E de facto as crianças conseguiram responder com muita naturalidade".

“Emocionar é uma linguagem de humano, diria até que é como se fosse um ‘humanês’. Emocionar é viver com emoção, interagir com humanidade”, diz Maria Palha e conclui que, no fundo, emocionar é ser humano.

Maria viaja com organizações em programas de saúde mental e emocional em contextos de crises humanitárias. Para este livro, partiu pelo mundo à procura do que pais e filhos achavam sobre o significado da palavra emocionar. Um total de 13 países, 32 perguntas, zero expectativas e inúmeras respostas, o resultado chegou às bancas a 29 de outubro.

"Por que razão estamos aqui, no mundo?", "Sabes o que são as emoções?", "O que odeias que os adultos façam?", foram algumas das questões lançadas aos miúdos. A ideia de procurar o significado de emocionar veio na sequência do seu livro anterior, "Caixa de Primeiros Socorros" (2016), que resultou do seu trabalho em contextos humanitários. Aqui, percebeu que independentemente de uma situação de crise, o que leva as pessoas a superarem-nas é o conhecimento que têm das suas emoções.

O livro 'Emocionar' foi lançado a 29 de outubro e custa 17,70€

Maria Palha recorda a história de uma mulher libanesa que tinha perdido todos os filhos. Quando questionada sobre como se sentia, respondeu: "'Eu estou bem porque neste momento sou recompensada pelo meu governo e tenho uma viagem para Meca'".

"Perante este cenário", recorda a autora, "comecei a perceber que devia haver necessidade de criar algo novo" — e essa inovação passou por desenvolver um kit de saúde emocional para famílias, que integra o novo livro.

"Nesta linha, a ideia é que os 13 países fossem dos vários continentes. O objetivo passava por pedir às crianças que me dissessem o que acham que é importante para sermos mais humanos, para termos mais saúde e para termos mais ligações com o planeta", explica à MAGG.

Mostramos-lhe alguns dos pensamentos de crianças entre os 6 e os 10 anos que, apesar da idade, revelam que sabem mais sobre emoções do que muitos de nós.

Para que serve um kit de saúde emocional?

A resposta não é difícil — para dar ferramentas —, mas Maria começa por explicar o porquê de estas ferramentas serem necessárias no dia a dia da família: "A ideia de fazer um kit era que fosse na lógica de ‘ok, eu tenho pouco tempo, mas no tempo que tenho, o que é que posso fazer de forma rápida?’. Por isso é que este livro acaba por ser uma só ferramenta de um projeto muito maior, que é a associação Be Human", fundada por Maria Palha.

O kit de saúde emocional é no fundo um guia para as famílias com várias atividades e brincadeiras lúdicas que servem para cumprir um propósito, seja ele refletir sobre a nossa existência, educar as crianças sobre determinados temas — desde como lidar com a perda de alguém, até à proteção da natureza —, ou fortalecer a relação entre as crianças e a família.

Este guia é por isso composto por várias dicas que promovem a saúde emocional da família, e por uma explicação passo a passo de diversas brincadeiras que se praticam em todo o mundo.

Mas como o mundo não é todo igual, o kit reflete a aprendizagem que Maria retirou dos 13 países, e apresenta dinâmicas que podem ser realizadas em pouco tempo, mas com grande eficácia a nível educacional, ajustado às famílias atuais.

"O que é que tu odeias que os adultos te façam?"

Estas foi uma das perguntas feitas por Maria às crianças e as respostas foram unânimes e surpreendentes. É que são frequentes as queixas de pais sobre o facto de os seus filhos estarem sempre agarrados ao telemóvel. Mas ao longo do tempo os papéis têm-se invertido e agora as crianças também têm algo a dizer.

"Eu odeio quando os adultos estão agarrados ao telemóvel" e "odeio quando os adultos não têm tempo para estar comigo", foram algumas das respostas, grande parte em Portugal, que Maria encontrou. "É curioso que estas respostas sejam exatamente as mesmas dos adultos — ‘Os miúdos já nascem a saber mexer com os telemóveis' ou 'como é que lhes tiro os telemóveis da mão’", recorda. "Em relação a esta pergunta, identifiquei que podia haver de facto uma lacuna entre a criança e o adulto e confrontamo-nos de facto com uma nova realidade".

É por isso que as tecnologias e a nova geração devem estar interligadas nas relações, sendo fundamental apostar desde muito cedo na educação digital dos filhos, mas também na dos pais, como identifica Maria: "Tanto pais como avós têm neste momento de aprender a trabalhar com as tecnologias para conseguirem comunicar com os seus netos ou filhos que já nascem a saber fazê-lo".

Em países em desenvolvimento, como Serra Leoa, o acesso à tecnologia não é tão acentuado, mas a falta de tempo para as crianças mantém-se devido à intensidade do trabalho diário.

Maria conta que neste caso é possível contornar a situação: "É por isso que este livro tem uma série de jogos que são utilizados em vários cantos do mundo. Há um que é utilizado na Serra Leoa e que junta brincadeira livre e espontânea e dá algumas orientações para que os adultos consigam brincar desta forma. Com isto, aquele pouco tempo que têm é significativo".

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Brincar é importante para fortalecer as emoções entre pais e filhos

"Uma das perguntas que eu fazia era ‘o que é que mais gostas de fazer’ e logo a seguir com quem. E a resposta mais comum era brincar, jogar à bola, andar de bicicleta. E de facto, em alguns contextos, as crianças são muito incutidas a brincar", conta Maria.

A autora do livro acrescenta que pode ser através da brincadeira que se fala de assuntos sérios e desenvolvem-se várias competências, como a imaginação, a criatividade e a resiliência.

"Se formos a ver, as brincadeiras vão tocar e promover emoções que fazem parte do nosso sistema emocional. Quando brincamos podemos ficar mais frustrados porque o outro não nos passou a bola, por exemplo, e é importante reconhecer a frustração e perceber como é que se lida". Isto explica a importância das brincadeiras para a forma como as crianças crescem e encaram as adversidades da vida.

O conceito de família no mundo

Nem todos têm a mesma noção de família e a prova disso foi a série de entrevistas que Maria fez. Se em Portugal existe o conceito de pai, mãe, avós, etc., na Colômbia a palavra é mais ampla: "'É o meu tio, é a minha prima e é a dona Joana que vem cá todos os dias para nos fazer o pão’. E muitas vezes não era de todo a família biologia. Na Colômbia, a família eram as pessoas que vivem na rua, ou seja, o bairro", conta Maria.

A autora do livro acrescenta ainda que "neste livro, a definição de família é ela própria alargada".

É também dentro da família que, não só se desenvolvem as emoções, como as noções do que é certo ou errado. Uma delas diz respeito às questões ambientais.

Maria Palha é a autora do livro 'Emocionar'

"Imagine uma criança que ouve na escola que deve fazer reciclagem, mas chega a casa e o ecoponto não existe porque os pais não valorizam. A geração acima não tinha esta preocupação", diz, acrescentando que é por esta razão que é importante fazer uma série de atividades lúdicas com as crianças, para que seja feita uma formação de dentro (de casa) para fora.

Contudo, Maria admite que não há uma enorme consciência sobre as alterações climáticas. "Há sim uma consciência de que de facto não estamos a ser carinhosos com o nosso planeta".