
Bárbara Bandeira é presença assídua na ModaLisboa há anos e podemos encontrá-la frequentemente na primeira fila dos desfiles mais badalados de cada edição. Este ano, não foi exceção, mas decidiu fazer diferente e, em vez de convidada, foi protagonista de um dos momentos mais aguardados da noite de sexta-feira, 3 de outubro. Isto porque decidiu trocar o microfone pela passerelle e mostrar ao País a sua marca, intitulada 2B.
No fundo, já sabíamos que a moda sempre foi o outro palco da artista e este lançamento foi só a materialização de um desejo há muito guardado numa gaveta, disse-nos a própria imediatamente após o desfile. "A minha profissão na música acaba por pedir muito que eu ande de mãos dadas com a moda", explica, dizendo que é algo em que se revê desde tenra idade e que, fruto de uma vontade crescente de "explorar isso cada vez mais", decidiu atirar-se de cabeça ao projeto.
Ainda assim, a existência de um sonho não é sinónimo de ter em si a mestria para realizá-lo e, tendo noção disso, aliou-se a João Morais, que se tornou o braço direito e a peça fundamental para que a insígnia florescesse. “Eu não sou designer, sou diretora criativa desta marca e nunca na vida começaria uma marca sem ter alguém que me ajudasse e que fizesse isto acontecer comigo", admitiu a própria, dizendo que, por mais que este projeto seja uma "extensão criativa" daquilo que é artisticamente na música, "a 2B não é [só] a Bárbara".

Por isso, João Morais tem um papel igualmente importante nas criações e a história de como se conheceram até podia ser um guião de comédia romântica. “Contei à minha equipa que tinha vontade de fazer uma marca e disseram-me: 'temos uma pessoa para te apresentar, mas acho que os vossos feitios não vão colar'", admitiu, entre risos. A verdade é que, desde então, não se largaram mais e contam com horas infinitas de brainstormings e uma parceria que se tornou tão natural que a 2B não existe sem esta dupla improvável.
Afinal, se Bárbara Bandeira tem a visão e o palco, João Morais tem a bagagem técnica. "Estudei design geral na secundária, vim para a Belas Artes para Design de Equipamento", disse o criador, acrescentando que se seguiu um estágio na NoBrand, marca portuguesa de calçado. "A partir daí andei a fugir da moda, mas não consegui. Portanto, cá estou", relatou, reconhecendo que foi esta espécie de regresso inevitável que acabou por cruzar o seu destino com o da cantora.
Daí nasceu a 2B e uma coleção que não se limitou a trazer peças para a passerelle, mas uma narrativa em vários capítulos, numa construção em crescendo que começou no branco imaculado de uma camisa e terminou no preto absoluto, como quem escreve uma história da folha em branco ao clímax. O que se viu foi uma coleção que poderíamos facilmente imaginar no guarda-roupa da própria artista (e não foi só impressão nossa, porque ela também o admitiu).
“Eu usava tudo aquilo que estamos a propor. Esta marca não é para mim, obviamente, mas é uma extensão da visão criativa que eu tenho também, seja para videoclipes, para roupa de palco, até mesmo para roupa do dia-a-dia", afiançou. E a coleção é tão Bárbara Bandeira que não nos surpreenderia ver mais “Bárbaras Bandeira” já amanhã, sendo que qualquer pessoa que vista estas peças sente-se imediatamente parte do universo da artista, que se reveste de silhuetas ousadas e espalhafatosas, mas surpreendentemente usáveis.
No que diz respeito a tendências, o preto e branco dominaram, é certo, e há uma razão, cuja explicação vem de João Morais. “A inspiração das cores foi no processo criativo. Nós baseámo-nos muito na tela branca e no grafite. Foi tudo a pensar no processo criativo", explicou, dando a entender que a coleção podia ser, quase literalmente, o caderno de rascunhos que se transformou em moda.
Se foi tudo tão fluído como o conceito queria transmitir? Não. A sala do Pátio da Galé recebeu um chão espelhado que ninguém podia pisar para que não ficasse sujo antes da apresentação das peças, o que obrigou a sucessivas limpezas antes do começo do desfile. Junte-se a isso uma hora de atraso e tivemos o mais português dos paradoxos: uma ode à liberdade criativa que começou presa por protocolos e um frenesim de mopas a percorrer o espaço.
Ainda assim, quando finalmente arrancou, foi difícil não ficar rendido à energia soturna, mas sexy, da linha inaugural da 2B, repleta de peças que vão de blazers ultra-estruturados a casacos maxi de pelo, passando por conjuntos disruptivos (e sem género). Contudo, como acontece com qualquer estreia, também não faltaram reparos, mesmo antes de se estrear no certame de moda da capital. Bárbara Bandeira não os ignorou. Pelo contrário, acolheu-os, não sendo ela uma "novata" nestas andanças.
"As críticas são extremamente necessárias para a construção do que quer que seja", admitiu. "Se eu não tivesse sido criticada quando comecei na música, provavelmente não seria aquilo que sou hoje. E acho que sou muito melhor do que fui quando comecei", continuou, deixando clara a convicção de que "as críticas tiveram um grande peso nisso também" e que espera que "tenham exatamente o mesmo peso na construção desta marca, porque nada começa perfeito".
"A nossa ideia foi chegar com uma identidade, um conceito e com uma construção de alguma coisa. Portanto, todas as críticas são bem-vindas", enfatizou a artista, que aproveitou para dizer ainda que o palco da estreia não poderia ter sido outro. "Faz sentido ser na ModaLisboa pela relação que eu tenho com a ModaLisboa há tanto tempo. Foi um voto de confiança. Para mim é uma honra apresentar aqui a coleção com tantos designers incríveis que eu visto há tanto tempo", rematou.