Nunca trabalhei em televisão muito menos em programação televisiva. Sou uma mera jornalista que escreve sobre celebridades e formatos televisivos há 15 anos. Acompanho reality shows desde 201o, ano em que a TVI estreou a "Casa dos Segredos". Não será uma experiência tão longeva quanto a de muitos colegas mas servirá para alguma coisa.
Serve, em primeiro lugar, para garantir com alguma segurança que "Big Brother - A Revolução" é uma desilusão. A revolução, para sermos honestos, aconteceu no "BB2020", com um leque de concorrentes diferente e diferenciado, com uma interação inédita com as redes sociais, com um Big Brother interventivo e que se tornou quase como um concorrente invisível. A juntar a estas fatores, uma casa lindíssima, com uma vista que nos fez sonhar quando estávamos todos confinados entre quatro paredes.
Bem sei que o factor "pandemia" teve muita influência no sucesso de "BB2020" e que o confinamento obrigatório, as escolas fechadas, o layoff, trouxe ao reality show vários públicos que habitualmente não tinham contacto com este tipo de formatos.
Por isso é-me é tão difícil compreender o que aconteceu com "Big Brother - A Revolução". É-me difícil compreender, para começar, este casting, tão anacrónico quando comparado ao anterior. Ninguém estava à espera de clones de Diogo, Soraia e Ana Catharina. Mas também ninguém esperava um naipe de concorrentes mais adequado para uma "Casa dos Segredos". Ninguém estava à espera de uma confusão de regras, espaços fechados que depois desaparecem, segmentos que depois são eliminados, nomeações que mudam de dia e outras peripécias que, em menos de um mês, nos deixam perplexos e sem saber o que esperar.
E se é verdade que o telespectador gosta de ser surpreendido, também não é menos verdade que gosta de constância. E este "Big Brother - A Revolução", nesse aspecto, tem surpreendido, sim, mas pela negativa. Nem nós, jornalistas, percebemos a quantas andamos, tal é a mudança diária de regras, dinâmicas de concorrentes que entram e saem.
As audiências de "Big Brother - A Revolução" são más? Não. Mas também não são boas e seria de esperar que, por esta altura do campeonato, a TVI já tivesse capitalizado mais com o sucesso do "BB2020". Faltam ainda três meses para o fim desta edição e muito pode ainda acontecer. Não querendo ser pessimista, receio bem que, se as coisas continuarem como estão, o público depressa vá perder o interesse no programa (sobretudo se a SIC apostar o trunfo Ljubomir Stanisic que tem guardado na manga).
Mas acredito que a TVI ainda vai bem a tempo de mudar o rumo do jogo. Como? Com estas 5 dicas que ninguém pediu, vindas de quem não percebe nada de programação televisiva mas que passou 59362 horas a ver o TVI Reality durante o "BB2020" e gostou bastante.
1 - Soltem a Parede
Se fizerem um inquérito aos telespectadores que acompanham o TVI Reality, a percentagem que responderá afirmativamente à questão "então, gosta daquela parede de contraplacado que pusemos a tapar a vista para o mar? Jeitosinha, não é?" será 0%. Vá, 0,1% , uma resposta positiva de um fornecedor de contraplacado.
Estamos no início de outubro, o tempo está a ficar cinzento, os dias estão curtos. Quem vê reality shows, fá-lo pelos protagonistas mas também pelo que está à volta. E, depois de nos termos habituado a ver aquela vista fantástica da Ericeira, aqueles pores do sol incríveis, em frente aos quais Diogo, Guerreiro e companhia tinham conversas profundas, ter como único horizonte aquele mamarracho provoca uma melancolia imediata. E, para isso, já nos bastam os escritórios fechados, as horas passadas no trânsito ou nos transportes públicos. Queremos broncas no "Big Brother"? Sim, mas com uma vista bonita.
2 - Deixem o Big Brother falar
O que é que aconteceu ao Big Brother de uma edição para a outra? O que é que aconteceu à entidade que tinha diálogos hilariantes com os concorrentes, que entrava em picardias, que fazia comentários mordazes que os menos perspicazes não apanhavam? Onde estão os momentos de cumplicidade, como acontecia com Sandrina (ou melhor, Sandrinha), onde estão os conselhos de Grande Pai? Não tenho conhecimentos suficientes sobre os bastidores para perceber se houve alguma decisão no sentido de haver uma menor intervenção da voz do Big Brother nesta edição. Mas, se houve, foi errada.
3 - Deixem a Pipoca Mais Doce falar
E, por falar em coisas inexplicáveis, já se passou quase uma semana e ainda ninguém percebeu o motivo que levou ao fim do pós-gala conduzido por Ana Garcia Martins, que teve apenas uma emissão. Goste-se ou não do estilo cáustico, é inegável que a comentadora foi, além dos concorrentes, a grande estrela de "BB2020". Um sucesso ainda mais surpreendente se estivermos a falar de uma influenciadora da 'velha guarda'. O termo não é ofensivo, é factual: Ana Garcia Martins é precursora dos bloggers de lifestyle em Portugal, tendo construído uma base de seguidores antes da proliferação das redes sociais e de o termo 'influencer' sequer ter sido cunhado. Quem esteve atento ao Instagram e, em particular, ao Twitter, ao longo do "BB2020", percebeu que a Pipoca Mais Doce teve especial sucesso junto de uma camada mais jovem, ágil na arte do meme, do retweet, que rapidamente lhe deu o apodo de "rainha".
Por isso, é inexplicável esta mudança sem aviso. E ainda mais inexplicável o tempo de antena, quase cronometrado ao segundo, concedido por Teresa Guilherme na gala passada. Como é que vamos conseguir ouvir os comentários mordazes de Ana Garcia Martins se nem sequer lhe dão tempo para elaborar um raciocínio?
4 - Oiçam o Twitter
Em "BB2020", foram vários os momentos de conflito espoletados primeiro nas redes sociais e, depois, desenvolvidos no pequeno ecrã. Caso dos comentários homofóbicos de Hélder, de Pedro Alves, do comentário xenófobo de Sónia e até do nome de um grupos da casa, os Sensatos (Diogo, Ana Catharina, Soraia, Noélia, Daniel Guerreiro), fenómenos que surgiram no Twitter, fruto de uma enorme interação dos fãs uns com os outros e também com o próprio programa. A produção do "BB2020" teve a sagacidade de cavalgar esse entusiasmo, como aconteceu, mais para o fim, com o desafio do corte de cabelo de Diogo Reffóios Cunha, em que o Twitter, no espaço de alguns minutos, respondeu ao desafio e decidiu a desaprovação de um novo penteado para o gestor de marketing digital.
Fast foward para "Big Brother - Revolução" e... zero interação. Zena e Joana são, de longe, as mais "memificáveis", aquelas que mais agradam e entusiasmam o público mais jovem.
Destaque às duas personagens? Zero. Uma está a ser transformada à força em vilã (Joana), Zena, a madeirense com nome de super heroína, reduzida a uma narrativa pseudo-romântica com o melancólico e muito pouco interessante André Abrantes. #sad
5 - Esclareçam o que aconteceu (realmente) com André Filipe, Luís e Bruno
Estamos quase a completar um mês desde que esta edição começou e já tivemos duas desistências, uma expulsão, uma entrada (de uma personagem, de resto, que me parece completamente irrelevante para a narrativa) e um novo concorrente, que irá entrar na casa mais vigiada do País este domingo, 4 de outubro. O telespectador já não sabe a quantas anda. A expulsão de André Filipe está a ser capitalizada sobretudo pela imprensa e pela CMTV, que tem publicado entrevistas com a mãe e com a namorada do ex-concorrente do Barreiro. Há muitas perguntas para responder, nomeadamente o que aconteceu com o jovem.
E mais dúvidas ainda há sobre como se processaram as desistências de Luís e de Bruno Nogueira. Se a TVI tem o dever de esclarecer o que aconteceu? Não. Se devia? Sim. O "BB2020" foi um belo exemplo de como se constrói uma narrativa televisiva com a ilusão de transparência (ênfase na palavra 'ilusão'). "Big Brother - A Revolução" é todo ele um programa opaco. E é, sobretudo, uma regressão em relação àquilo que os telespectadores se habituaram a ver.
Em suma: Já não vale a pena falar sobre este paupérrimo casting, já nem é possível mudá-lo de raiz. Mas a TVI ainda vai bem a tempo de mudar as dinâmicas do jogo.