O empreendedorismo ensinou-me muitas coisas e talvez a mais importante de todas foi a de me obrigar a esquecer muitas ideias que me foram passadas como verdades ao longo de anos e anos a trabalhar em grandes empresas.

A cultura de empresa de uma start up, sobretudo das que mantêm um espírito e uma estrutura quase familiar, como a minha, tem muito pouco que ver com os ambientes de trabalho que encontrei em jornais nacionais, revistas e televisões com quem tive oportunidade de colaborar ao longo de mais de 20 anos de profissão. É tudo diferente.

O tipo de problemas, a forma como se procuram e encontram soluções, a maneira como as pessoas são tratadas, as rivalidades, as guerrinhas, as conversas de corredor, a celebração das conquistas, o espírito das equipas, os níveis salariais, tudo é muito diferente. Umas pessoas sentirão que é melhor, outras que é pior, mas todos concordarão que é diferente. Mas para mim tudo começou numa tarde fria de fevereiro, o dia em que decidi que era hora de ir à luta e aprender com a mão na massa.

O terror psicológico, a humilhação e o imenso orgulho de ser caloiro. Afinal, a praxe académica é boa ou má?
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Comecei a minha carreira de jornalista em 1995, numa rádio local de Setúbal, a Rádio Azul. Tinha 19 anos, e acho que como quase todos os miúdos tinha a mania de que sabia muito mais do que de facto sabia. Lembro-me do dia em que fui bater à porta da rádio e me apresentei. Disse que era estudante de Comunicação Social, estava no segundo ano da universidade e queria começar a trabalhar na área. Perguntei se havia hipótese de fazer um estágio, mesmo sem ganhar dinheiro, porque só queria aprender e praticar. Pediram-me para esperar.

Uns minutos depois, disseram-me para entrar e puseram-me a falar com o chefe de redação, o Gualter, um jornalista sénior, com uns 40 anos, talvez. Perguntou-me de que área é que gostava mais, se tinha algum tipo de experiência em rádio e quando é que podia começar. Acertámos ali que começaria no dia seguinte, iria para a secção de Desporto trabalhar com um dos colaboradores mais experientes da rádio, o Carlos Lopes. E assim foi. No dia seguinte, lá estava eu pronto para trabalhar.

Durante dois anos, entre 1995 e 1997 fiz, de segunda a sexta-feira, a Tarde Desportiva da Rádio Azul, com o Carlos Lopes. O programa, em direto, era transmitido das 18 às 19 horas, mas tinha de começar a prepará-lo por volta das 14 horas. Depois de terminada a emissão em direto, tinha de preparar muitas vezes algumas coisas para o dia seguinte, e era normal sair da rádio por volta das 20h.

No fundo, eram cinco a seis horas diárias. Muitas vezes, trabalhava também no programa de fim de semana durante a tarde. Cheguei a fazer diretos de estádios de futebol, de pavilhões de andebol, acompanhei eventos internacionais (como o Europeu de futebol de 1996), atualidade desportiva nacional, fazia de tudo.

Agora a pergunta: e quanto dinheiro é que eu ganhei durante estes dois anos? Isso mesmo, zero escudos — ainda havia escudos. Mas não ganhei mesmo nada, nada? Ganhei, claro, e ganhei precisamente aquilo que sabia que iria ganhar e que queria ganhar: um entendimento mais real sobre o mercado de trabalho, a função de um jornalista, a experiência de fazer e não apenas de ler sobre como se faz. O dinheiro fui buscá-lo mais tarde, quando aos 21 anos, com o currículo mais composto, assinei o meu primeiro contrato como jornalista profissional, agora já em Lisboa, num jornal nacional.

Estava no terceiro ano da faculdade quando vim viver para Lisboa. Na altura, fui desafiado por um amigo a partilhar casa com três colegas dele, que andavam à procura de uma pessoa para dividir o apartamento. Disseram-me o valor e eu aceitei, sem sequer ir ver a casa. Conheci três pessoas maravilhosas, que se tornaram amigos, mas se fosse hoje acho que dificilmente teria aceitado o desafio de ir viver com eles. Até porque se fosse hoje se calhar teria conseguido visitar a casa fazendo uma videochamada com o senhorio, como se consegue fazer em sites de arrendamento prolongado como o da Inlife. A casa era pequena, só tinha dois quartos, tinha de dividir um quarto mínimo com um colega, e o estacionamento era impossível. Tudo contras, que teria evitado se tivesse mais informação (sorte a dos estudantes que conhecem a Inlife).

Muito mais do que na rádio, foi aí, nessa primeira experiência profissional, que convivi com uma série de verdades que afinal não eram assim tão verdadeiras, e que com o tempo vim a perceber serem apenas coisas estúpidas que se vão perpetuando no tempo, sobretudo em grandes organizações. A primeira de todas tem que ver com a idade e a competência.

Na altura, era um quase estagiário e, de longe, o mais novo da minha secção. Acima de mim havia vários jornalistas mais seniores, um subeditor, um editor adjunto e um editor. Eu era o puto. Mesmo na estrutura do jornal, havia imensos níveis hierárquicos superiores, cargos quase todos ocupados por gente sénior, mas nem por isso particularmente competente. Mas era assim. Na minha própria secção, o editor era muito menos competente do que o seu adjunto e aquilo fazia-me alguma confusão. Ao fim de mais ou menos um ano, o inevitável aconteceu e o editor-adjunto passou a editor. Foi então que o que achei impensável aconteceu: o novo chefe escolheu-me, entre os vários jornalistas, para editor-adjunto. Eu, o puto, o menos experiente.

Foi talvez este o exemplo que me fez começar a entender que a idade ou a experiência estão longe de ser fatores decisivos na hora de promover alguém ou recrutar alguém. Hoje, enquanto empreendedor, e dono de uma empresa que contrata, estou absolutamente convencido de que o sucesso de uma empresa depende sobretudo de conseguirmos ter na equipa pessoas competentes, empenhadas, inteligentes, curiosas e de faixas etárias distintas.

Aos 45 anos, não posso ambicionar conhecer a cabeça dos miúdos de 18 que procuram o primeiro emprego, e tenho, muitas vezes, de recorrer à observação dos comportamentos do meu filho de 15 anos para tentar perceber de que forma pensam os adolescentes. Mas nada mais eficaz do que ter na equipa pessoas com 20, 20 e poucos anos, com responsabilidades, e não apenas estagiários, que consigam entender esse mundo, que para eles é apenas e só o mundo deles. O mesmo se aplica à geração na casa dos 25, 35 ou 50 anos.

Podia ficar aqui o dia inteiro a apresentar outros exemplos de como as mentalidades têm de mudar a bem do aumento da produtividade e da eficácia dos resultados, mas prefiro focar-me neste e deixar uns conselhos a todos os pais que tenham filhos em idade de entrar no mercado de trabalho (ou aos próprios miúdos que possam ler este texto): sejam curiosos, observem, leiam, pensem sobre o que vos leva a agir de determinada maneira, procurem entender o porquê das ações das pessoas que conhecem, as suas motivações, alegrias, tristezas. Isso fará de vocês pessoas diferentes, especiais e interessantes para qualquer empresa. O resto, bom, o resto muita gente tem. Isso, não.

*Esta crónica é escrita ao abrig0 do acordo entre a MAGG e a InLife, plataforma de arrendamentos de quartos e casas.