Não é fácil falar sobre suicídio. Ao longo da minha carreira, foram poucas as vezes em que me atrevi a referir o tema, num sussurro quase inaudível de quem sabe que a ideia não vai ser bem recebida. A resposta foi sempre um sussurro ainda mais baixo, acompanhado por um frenético abanar de cabeça. "A imprensa não escreve sobre suicídio", responderam-me sempre. "O perigo de imitação é demasiado elevado".

O perigo de imitação existe, sem dúvida. Em 1774, Johann Wolfgang von Goethe publicou um romance onde a personagem principal matava-se com uma pistola. Quando o livro chegou às mãos do público, assistiu-se a um fenómeno assustador de cópia do ato suicida. Mas nem precisamos de recuar assim tanto no tempo: um exemplo bem recente deste perigo de imitação do ato suicida aconteceu com "Por Treze Razões", onde ficou provado que a visualização da série da Netflix aumentou o risco de suicídio nos jovens.

Falar sobre suicídio deixa-me com o coração apertado. Qualquer jornalista com dois dedos de testa sabe a responsabilidade que tem perante o seu público, e não há nada mais grave do que poder, de alguma forma, direta ou indiretamente, incentivar alguém a tirar a própria vida. O problema é que esta mudez coletiva em que vivemos não está a ajudar.

Nós não falamos sobre suicídio, mas as pessoas continuam a matar-se. Pior do que isso, temos neste momento conhecimento de histórias de crianças com 8, 10, 12 anos, a cometerem suicídio. Não se pode falar de qualquer maneira sobre este assunto, mas é preciso falar sobre ele. Caramba, é mesmo preciso falar sobre ele.

Todos os anos, 35 milhões de pessoas escolhem tirar a própria vida. Em Portugal, em 2017 os dados apontavam para 8 suicídios por cada 100 mil habitantes. As pessoas continuam a morrer desta forma. Os números continuam a ser assustadoramente elevados. E os mitos em volta deste tema permanecem.

As ameaças devem ser levadas a sério. Na grande maioria dos casos, o suicídio não é cometido por impulso, as pessoas falam sobre a vontade de o fazer. Há uma ligação muito próxima com problemas de saúde mental, como por exemplo a depressão — estes são os grupos de risco a que devemos prestar especial atenção. Os jovens entre os 15 e os 29 anos são a faixa etária mais preocupante: o suicídio é a segunda causa de morte entre pessoas desta idade.

Não há qualquer dúvida de que a forma como falamos sobre suicídio pode influenciar comportamentos. Mas se continuarmos a fingir que este assunto não existe, não há como capacitar as pessoas com as ferramentas necessárias para ajudar quem precisa. Que sinais de alerta devemos ter em atenção? Como reagir quando um amigo ou o nosso próprio filho nos fala em pôr termo à vida? Que linhas de apoio é que existem? Quem é que está aqui para nos ajudar?

A desinformação existe. Há quem continue a dizer a pessoas com pensamentos suicidas que são egoístas, como se a dor emocional que elas sentem fosse simples de ignorar. Há também quem continue a achar que é apenas uma forma de chamar a atenção, ou que só certas e determinadas pessoas é que têm pensamentos suicidas. Não é verdade, já agora — pode acontecer a qualquer pessoa, independentemente do estrato social, etnia ou personalidade.

O suicídio nas crianças é aquele que me preocupa mais. Porquê? Porque enquanto renegamos o tema do suicídio, continuamos a acreditar que as crianças não se matam. Só que isso não é verdade: há crianças a cometer suicídio. Crianças.

Sam Connor tinha 14 anos. Podem dizer que era um adolescente, um pré-adolescente, eu chamo-lhe uma criança. Andava no 9.º ano, era um aluno brilhante e tinha a vida pela frente. Esta segunda-feira, atirou-se para a frente de um comboio perante uma plateia de 50 colegas da escola, que aguardavam na estação para regressarem a casa.

O caso está a chocar o Reino Unido, e não é razão para menos. Ainda não se sabe ao certo o que se passou — alguns colegas falam em bullying, outros na pressão escolar —, mas a tragédia aconteceu. O que é que se passava com esta criança? Que sinais de alerta foram ignorados? Ele falou com alguém sobre o assunto, com um adulto ou com um colega da escola? O que é que podemos ensinar aos adultos? E às crianças?

Acima de tudo, e agora? O que é que podemos tirar desta tragédia para que não se volte a repetir?

Em abril, escrevi um artigo sobre miúdos que sofriam de ataques de pânico. Um dos especialistas referiu que a maioria das crianças não possuem os métodos necessários para levar a cabo a intenção de se suicidarem — neste caso em específico, falávamos de miúdos até aos 10 anos. Muitas vezes, a ideação suicida está ligada ao facto de eles sentirem que não são capazes de lidar com determinada situação da sua vida.

No entanto, isto não significa em momento algum que os pais devam desvalorizar estas conversas. Pelo contrário, devem procurar imediatamente ajuda.

Não podemos falar de suicídio de forma trivial. Mas não podemos continuar a ignorar que esta problemática existe, é real e afeta faixas etárias particularmente "sensíveis". Não podemos noticiar um suicídio. Mas podemos — e devemos — informar as pessoas sobre a melhor forma de agirem.

Falar ajuda. Saber que não estamos sozinhos, também. Vou defender esta ideia até ao fim: quando decidi falar abertamente sobre o meu historial de ansiedade e ataques de pânico, recebi dezenas de mensagens de pessoas a agradecerem-me por isso. Finalmente sentiam que não eram aves raras. Finalmente sentiam que tinham alguém ao lado delas. Finalmente sabiam o que fazer.

Não podemos continuar a descartar o poder da informação — a verdadeira, a válida, a sustentada por especialistas que estudam o assunto. É possível prevenir o suicídio. Primeiro passo? Comecemos por aceitar que ele existe.

Em Portugal, existem várias ferramentas disponíveis para ajudar em situações limite, seja ansiedade, depressão, risco de suicídio ou bullying. Deixo abaixo alguns contactos.

SOS Voz Amiga: 213 544 545 (16h-24h) ou 800 209 899 (21h-24h)
SOS Estudante: 969 554 545 ou 808 200 204 (20h-1h)
Telefone da Amizade: 228 323 535 (16h-23h)
Linha Lua: 800 208 448 (20h-2h)
Linha SOS Bullying: 808 962 006 (11h-12h30 e 18h30-20h, fecha ao fim de semana)

Esta semana, a jornalista Catarina Ballestero sentou-se à conversa com Ana Gomes, a autora do blogue "A Melhor Amiga da Barbie". Numa conversa sem filtros, falaram sobre alimentação saudável, as redes sociais e saúde mental. Vale a pena ler.

Já Rafaela Simões fala-nos do Niksen, a tendência holandesa de não fazer nada e ser feliz. Depois do dinamarquês hygge e do sueco lagom, temos aqui mais uma lição para aprender. Já a jornalista Ana Luísa Bernardino entrevistou Stéphane Allix, autor de um novo livro que mostra como a comunicação com os mortos é uma "hipótese racional". “Estou absolutamente convencido de que há vida depois da morte”, disse-nos. A ler.

Mas há mais. Este sábado faz 50 anos que o homem pisou pela primeira vez a lua, e nós mostramos-lhe tudo o que vai dar na televisão sobre o tema, como andamos todos a dizer mal a frase mais famosa do mundo e quais são as principais teorias de quem não acredita que estas missões aconteceram na realidade.

Mais abaixo deixo outras sugestões de artigos para ler este fim de semana, com ideias de programas, coisas para fazer, ver, comer, experimentar. Qualquer coisa, dúvida, só um olá, estou aqui: martamiranda@magg.pt. Até sexta e bom fim de semana.

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