Se o selecionador nacional Fernando Santos tiver um pingo de vergonha na cara apresenta ainda hoje a demissão do cargo (claro que não o vai fazer, mas isto sou eu a delirar). A eliminação do Mundial do Catar frente a Marrocos é só mais um episódio triste e lamentável da equipa nacional que vem desperdiçando, ano após ano, às mãos do selecionador, a melhor geração de sempre do futebol português.
Com este técnico, Portugal jogou quase sempre um futebol miserável, pobre, irregular, raramente conseguindo superiorizar-se frente a seleções muito, muito inferiores. Nem mesmo nas competições que venceu (o Euro 2016 e a Liga das Nações 2019) Fernando Santos poderá dizer que elevou o futebol de Portugal. Não. Muito pelo contrário. Jogou pouquinho, pouquinho, pouquinho e acabou por ter a sorte da vida, sobretudo no Euro 2016, em que a seleção nacional conquistou o título vencendo apenas um jogo (em 7) nos 90 minutos (frente ao País de Gales, na meia-final) — de resto, empates com potências como a Áustria, Islândia, Hungria ou Polónia.
Mas nada disto é novidade. Muito antes de começar este Mundial já quase toda a gente conseguia adivinhar o que aí vinha: um futebol confuso, sem rasgo, mas perfeitamente capaz de ganhar qualquer jogo graças à qualidade individual dos jogadores. Quem tem um leque de atletas como aquele que está ao alcance de Fernando Santos arrisca-se sempre a ganhar, não há volta a dar.
A vitória no Euro 2016 pode representar o ponto mais alto de sempre para Portugal do ponto de vista desportivo, de títulos. Mas não representa de todo uma era, uma geração, um modelo de jogo. É só olhar para a Espanha que conquistou tudo entre 2008 e 2012 para se perceber. Espanha jogava um futebol avassalador, sempre superior a quase toda a gente, e mesmo assim teve de sofrer muito para conseguir vergar Portugal no Euro 2012, em que só nos ganhou nas meias-finais, nos penáltis. E essa seleção portuguesa (nessa meia-final jogaram por Portugal João Pereira, Fábio Coentrão, Miguel Veloso, Raúl Meireles e Hugo Almeida), treinada por Paulo Bento, a milhas da qualidade da equipa atual, bateu-se com dignidade e quase chegou a uma final contra a melhor equipa do mundo de então. E se tivesse ganho nos penáltis a Espanha, Portugal poderia perfeitamente ter sido campeão europeu. Com Paulo Bento. E João Pereira. Ou seja, o mérito de 2016 tem muito de aleatório, episódico, muito daquela coisa de a moeda poder dar cara ou coroa.
A sensação que fica quase sempre dos jogos de Portugal orientados por Fernando Santos é a de que a tática que ele elaborou não funcionou. E depois vêm os recursos (pontapé na frente, centrais a ponta de lança, bola na área), e os recursos muitas vezes resolveram os jogos a nosso favor. E quando não vinham os recursos vinham as jogadas individuais (os remates de fora da área, as cabeçadas milagrosas do Ronaldo nos descontos).
Nos momentos-chave, aqueles em que Portugal não podia falhar, invariavelmente falhou. E não é preciso recuar muito. Basta ir às competições mais recentes. Para chegarmos a este mundial com apuramento direto bastava-nos não perder em casa com a Sérvia. Perdemos. Depois, para chegarmos às meias-finais da Liga das Nações bastava-nos não perder em casa com Espanha. Perdemos. Antes disso, perdemos nos oitavos-de-final do Mundial de 2018, de forma peremptória, po 3-1, contra um Uruguai perfeitamente ao nosso alcance. No Euro 2020, fomos afastados sem jogar grande coisa, por 1-0, contra uma Bélgica que não era melhor do que nós. E tem sido isto.
O Portugal de Fernando Santos nunca entrou para ganhar em praticamente nenhuma competição. Não jogou para detonar, para ir para cima, para ser afirmativo na sua inequívoca superioridade. O Portugal de Fernando Santos foi sempre uma equipa medrosa, sem ambição, pequenina, encolhida, à espera que o santo milagreiro do Euro 2016 nos visite em todas as competições. Não. Aconteceu uma vez, não acontece mais. Até pode acontecer mas, lá está, será obra de santos milagreiros e não de Fernando Santos. E Portugal não precisa de um santo, nem de um Santos, precisa de um selecionador competente, nivelado com a qualidade e o estatuto dos seus jogadores.
Tal como aconteceu com a discussão relacionada com a titularidade ou não de Cristiano Ronaldo, com Fernando Santos volta-se ao argumento dos "ingratos", dos que "não têm memória", não têm "empatia", confundindo-se tudo, metendo-se alhos e bugalhos no mesmo saco. Fazer uma avaliação negativa do trabalho de uma pessoa, que é paga pela Federação Portuguesa de Futebol, que tem dinheiros públicos (de todos nós), é um exercício de liberdade de expressão que deve assistir a toda a gente. Da mesma forma que podemos fazer uma avaliação muito positiva desse mesmo trabalho sempre que isso se justificar. Dizer-se bem quando alguém faz as coisas bem e dizer-se mal quando faz as coisas mal é apenas ser-se justo, não é ser mesquinho, invejoso ou ingrato.
Portugal está a começar, por agora, uma nova vaga de jogadores que têm tudo para ser grandes estrelas mundiais, jogadores com 21, 22, 23 anos, como Gonçalo Ramos, António Silva, Vitinha, que se juntam a um lote de craques que ainda não atingiram o auge, mas já estão no topo do mundo, como Ruben Dias, João Félix, Rafael Leão. A reforma de Cristiano Ronaldo não fecha um ciclo, não abre outro, deixa apenas campo aberto e livre para que o talento puro e livre de alguns dos melhores jogadores do mundo possa demonstrar-se, de forma afirmativa, em todas as competições. Mas isso, já todos percebemos, só é possível sem Fernando Santos. Já não há mais margem para se viver de um título com seis anos. Obrigado, senhor engenheiro, boa sorte para o futuro e agora deixe-nos jogar à bola.