"Ele não tem carisma". "Não vou com a cara dele". "Não me convence". "Não me inspira confiança".

"É um candidato forte". "Tem muito carisma". "Tem muita presença". "Ele convence as pessoas". "Gosto muito de o ouvir".

O destino das nossas vidas está cada vez mais nas mãos de pessoas que parecem importar-se pouco com competência, trabalho feito, honestidade, transparência e preferem muito mais valorizar o carisma. Agora o que importa é o carisma. O voto vai para quem tem carisma. Se tem carisma — independentemente da ter mostrado trabalho ou ter mostrado incompetência — passa confiança. Se não tem carisma — mesmo que apresente ideias, soluções novas e não tenha rabos de palha — não passa confiança.

Portugal atravessa um dos momentos mais importantes e decisivos da sua história democrática, pós-25 de Abril. Com uma economia frágil — com um crescimento irrisório nos últimos 20 anos, e com resultados positivos que dependem, em grande parte, de fatores voláteis como o turismo ou a entrada de fundos europeus —, um poder de compra dos mais baixos da União Europeia, com perto de 3 milhões de pobres, um sistema educativo público a ruir e com resultados desastrosos, uma Saúde pública no caos absoluto e uma das maiores crises de sempre na Habitação, o nosso País não tem margem de erro. Está encostado às cordas, nos limites. Qualquer erro pode significar mais um ciclo de 5 ou 10 anos de estagnação, sem reformas, com um aumento da pobreza, perda ainda maior do poder de compra, saída dos jovens talentosos para países onde poderão ter melhores condições de vida, envelhecimento da população, falência dos pilares públicos da nossa sociedade. É isto que Portugal enfrenta e é isto que os portugueses parece que continuam a não ver. Ou uma percentagem ainda significativa de portugueses.

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A 10 de março, haverá talvez as eleições legislativas mais importantes desde 1995. Os portugueses vão ser chamados a escolher um de dois caminhos: a continuidade ou a mudança. As únicas certezas que têm é a de que a continuidade é — um bocadinho melhor, um bocadinho pior — aquilo que têm tido nos últimos 30 anos, e a mudança é o desconhecido. E, já se sabe, porque a História o demonstra de forma repetida, as pessoas odeiam o desconhecido, mesmo que o desconhecido possa ser infinitamente melhor do que aquilo que têm.

E este é o principal desafio de quem não está no poder: convencer as pessoas de que ganham mais em mudar do que em manter o pouco e o mau que têm. Só que isso não se consegue só com ideias, programas, projetos, soluções, porque, infelizmente, ninguém lê programas eleitorais, ninguém fica muito convencido com ideias e ninguém acredita verdadeiramente em soluções propostas por políticos (de que desconfiam). As pessoas continuam a ir atrás dos seus instintos, das impressões, da química, das convicções que criaram há sabe-se lá quanto tempo, das ideologias que um dia abraçaram e das quais não abdicam, mesmo que perante os seus olhos essas mesmas ideologias estejam a conduzir o país ao abismo. As pessoas vivem muito a política como o futebol: têm os seus, e querem é que os seus ganhem, seja de que forma for, seja justo ou injusto, seja bom ou seja mau.

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Os próximos dois meses vão ser de intensa campanha política com uma guerra entre candidatos a primeiro-ministro que, já se percebeu, será suja como nunca, pouco interessada em esclarecer as pessoas, muito pouco virada para ideias e soluções, totalmente focada em destruir o oponente direto e amedrontar os cidadãos com todas as armas que tiverem à mão. Sem qualquer vergonha na cara, sem qualquer sentido democrático, sem qualquer pudor em deturpar a verdade, os factos, a História. O que importa, afinal, é ganhar e conquistar o poder.

Os dois candidatos dos principais partidos, Pedro Nuno Santos, pelo PS, e Luís Montenegro, pelo PSD, partem com ideias, projetos, folhas de serviço e características políticas e pessoais totalmente distintos. E é interessante perceber como isso tem praticamente zero impacto nos resultados que têm sido conhecidos nas muitas sondagens feitas nas últimas semanas.

Antes de Pedro Nuno Santos ter sido eleito secretário-geral do PS, os socialistas apareciam a liderar quase todas as sondagens, com 1 a 4 pontos de avanço sobre o PSD. Depois de Pedro Nuno Santos ter sido eleito, as sondagens não mudaram muito, e o PS continua à frente, com uma vantagem idêntica, dentro dos mesmos intervalos. E o que é que isto diz? Diz que quem quer que fosse que os socialistas colocassem como candidato a primeiro-ministro o resultado teria variações pouco significativas (o que ficou demonstrado quando foram feitas sondagens em que o candidato era Pedro Nuno Santos e era José Luís Carneiro). Isto acontece, precisamente, porque as pessoas não estão a votar em ideias, estão a votar entre mudar ou não mudar, entre continuidade e mudança, entre o que sentem que é seguro e o que acham que pode ser arriscado.

Pedro Nuno Santos é, provavelmente, o pior ministro que passou pelos dois governos de António Costa (só ganha a João Galamba porque esteve mais tempo no cargo, e, por isso, fez mais disparates). Umbilicalmente ligado ao desastre que foi a re-nacionalização da TAP, com custos de 3,2 mil milhões de euros para os contribuintes, Pedro Nuno Santos é também o rosto da descoordenação política quando revelou a localização do aeroporto e foi desautorizado pelo primeiro-ministro, é o homem que mentiu sobre a indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis, e que depois deu o dito por não dito, é o responsável pela pasta da Habitação com resultados desastrosos, é o ministro que tinha a pasta dos transportes com companhias monopolistas (CP, Transtejo) que estão em greve dia sim dia não. Agora até se ficou a saber que os CTT, que estavam na sua alçada, viram o Estado comprar-lhes 0,24% das ações por baixo da mesa, com Pedro Nuno Santos bem caladinho até que se soube do caso. Nada daquilo em que Pedro Nuno Santos pôs as mãos correu bem. Quase todas as suas ideias estruturais e políticas para as suas áreas foram um fracasso. E tudo sempre debaixo de um manto de nevoeiro, com pouca ou nenhuma transparência, mentiras, decisões por WhatsApp, impulsividade, pouca seriedade e um total desrespeito pelo dinheiro dos portugueses.

Se, na altura de ir a votos, a pergunta no boletim fosse: confiaria 40% dos seus rendimentos a Pedro Nuno Santos para ele os gerir por si? tenho a certeza de que teria um resultado a rondar os 10%, que seriam os fanáticos absolutos do PS, que votariam no partido mesmo que José Sócrates voltasse a ser candidato a primeiro-ministro.

Vamos a Luís Montenegro. Comecemos com um desafio: se fossemos para a rua perguntar aos portugueses qual foi a decisão política de Luís Montenegro de que eles mais discordaram eu ponho aqui as duas mãozinhas no fogo, e ainda lhe acrescento um pé, em como para aí 98 por cento das pessoas não saberia dizer uma só. Zero. Algumas pessoas saberão que foi líder da bancada parlamentar do PSD de Pedro Passos Coelho, muitos saberão que é o candidato do PSD a primeiro-ministro, mas razões efetivas para não votarem nele... silêncio. É a minha convicção. Já fiz esse teste várias vezes entre amigos, conhecidos e família. As respostas são sempre as mesmas, e são aquelas com que começo esta crónica: "Ele não tem carisma". "Não vou com a cara dele". "Não me convence". "Não me inspira confiança". 

O argumento do carisma também vale para Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal. Ninguém diz conhecê-lo bem, ninguém consegue apontar nenhum defeito, nenhuma política com que não concorde, mas, no final, tudo se resume a um "não sei, não me convence", "não vou com a cara dele", "ainda não me mostrou nada".

Portugal vive neste profundo lodo que arrisca a tornar-se num pântano que nos poderá engolir vivos. Preferimos votar em que tem carisma, mesmo que já nos tenha mostrado ser um incompetente, um político pouco transparente, alguém que nos enterrou milhares de milhões de euros, que deixou a Habitação na maior crise de sempre e que não fez uma só reforma, que não resolveu um só problema estrutural das suas áreas, e que acabou despedido e fora do governo pela porta pequena, do que votar num candidato que não sabemos se é bom ou mau, de quem não conhecemos verdadeiramente as ideias, mas que não é carismático.

É o salve-se quem puder. Infelizmente, muitos de nós não podem fazer o que os jovens fazem: arranjar a malinha e pôr-se ao fresco para um país com salários altos onde podem viver bem e pagar uma casa. Temos de ficar cá, a empobrecer, na luta. Mas ao menos temos líderes carismáticos.