O cheiro a terra queimada ainda se sente em Monchique. Parece que foi há uma eternidade que os telejornais abriram com as notícias deste fogo avassalador, o primeiro a deixar o País em choque depois do inferno sentido em 2017. Não foi, passaram-se apenas três semanas. Três semanas.
Parece que aconteceu tanta coisa entretanto. A nossa atenção não demorou muito a saltar das chamas para Marcelo Rebelo de Sousa a tomar banho numa praia fluvial, para a morte de Aretha Franklin ou para o novo restaurante vegan que tem pratos a 5€ — estamos a inventar, não abriu nenhum restaurante vegan com pratos a 5€. Mas devia ter aberto.
Três semanas pode ter sido tempo mais do que suficiente para desviarmos a atenção para outra coisa. Em Monchique, porém, está muito longe de ter sido suficiente para a serra voltar a ser o que era. As antigas serras verdejantes estão cobertas de árvores queimadas, a terra negra ainda está pintada a cinza. É desolador.
A paisagem do Macdonald Monchique Resort & Spa está longe de ser o que era. Depois de ter sido evacuado por questões de segurança a 6 de agosto, reabriu dez dias depois. Parece quase um milagre não ter ardido nada na unidade, sobretudo quando vemos as árvores queimadas aqui tão perto. Mas o fogo não chegou a passar os portões do resort de cinco estrelas, assim como o de outros espaços hoteleiros na região. Ainda bem.
Infelizmente, essa foi apenas a primeira batalha vencida. A segunda surge quando o medo toma conta das pessoas, e o telefone não para de tocar com cancelamentos.
Não estamos a dizer que foi isso que aconteceu no Macdonald Monchique Resort & Spa — não sabemos, não perguntámos, é sempre uma temática sensível que ninguém gosta de abordar. Mas sabemos que é isso que habitualmente acontece, e o número de hóspedes, mais reduzido do que seria expectável nesta altura do ano, fala por si.
Poucos querem ir para um local que acabou de arder. Só que é agora, mais do que nunca, que devem ir.
O cheiro a terra queimada ainda se sente em Monchique. Só que Monchique não morreu. Está a sarar das feridas, mas está vivo, de saúde (frágil, mas de saúde) e precisa de nós. Muito.
Fiz questão de começar por aqui porque olhar para aquela serra foi como levar um murro no estômago. É fácil esquecermo-nos das catástrofes quando deixam de aparecer nas notícias. Só que as coisas não ficam subitamente bem só porque a serra já não está a arder. E na batalha seguinte, todos nós podemos contribuir um pouco — seja indo uma noite para um hotel ou parando para almoçar num restaurante da região.
Como começou tudo mal no Macdonald Monchique
Pouca coisa é capaz de estragar as primeiras horas num resort de cinco estrelas. Era o que eu achava quando estacionei o carro no Macdonald Monchique, um resort & spa com 185 quartos, a maioria com varanda ou terraço, um spa com duches sensoriais, duas piscinas exteriores, quatro restaurantes e três bares.
Estava enganada. Há uma coisa capaz de arruinar as primeiras horas num resort de cinco estrelas: um estômago que precisa urgentemente de comida e ninguém lhe dá.
Ora imaginem o seguinte cenário: conduziram três horas depois de um dia de trabalho, estão cansados, com os olhos pesados, uma dor de cabeça que não vos larga desde de manhã e o estômago colado às costas porque a única coisa que têm no estômago são restos de Kit Kat que compraram numa bomba de gasolina.
Agora imaginem que chegaram ao paraíso mas, antes mesmo de poderem usufruir do que quer que seja, descobrem que não há absolutamente nada para comer. Nada: estão num resort com quatro restaurantes que, nota importante, fecham todos a cozinha às 22 horas. A que horas é que vocês chegaram? 22 horas. Mercearia? Há, mas fecha às 19.
A chegada ao MacDonald Monchique foi frustrante, desesperante e, admito, envolveu lágrimas nos olhos. Depois de ter sido informada de que os restaurantes estavam todos fechados, garantiram-me que o bar ainda serviria alguns snacks. Perfeito, ninguém quer comer nada de muito extravagante a esta hora da noite, uma tosta de queijo é perfeita. Só que não, afinal o bar não serve nada — só mesmo bebidas. Muito bem, regresso ao quarto. A mercearia está fechada, o serviço de quartos tem os habituais preços absurdos.
É a última coisa que me apetece naquele momento, mas não dá mais — estou prestes a desfalecer. Pego no carro e começo à caça de um qualquer restaurante ou café aberto. Problema: é terça-feira à noite, estamos numa terra pequena e está tudo, mas mesmo tudo, fechado.
Todos os espaços que por acaso ainda tinham alguém lá dentro mandaram-me embora, ignorando todas as minhas súplicas e olhar de carneiro mal morto. Passam das 23 horas quando dou por mim na rua mais pequena do mundo, com o carro a derrapar enquanto tento fazer as manobras necessárias para sair de uma subida maldita. É aqui que entram as lágrimas. Não chegaram a rolar pelo rosto, mas foi mesmo por muito pouco.
Decido regressar ao hotel. Já estou por tudo: perdi o amor ao dinheiro, que venha o serviço de quartos. Passo na receção para ter a certeza de que posso pedir qualquer coisa. "Lamento, mas o serviço de quartos termina às 23 horas". São 23h30 naquele momento.
Não foi um começo fácil. A excitação de abrir a porta da minha Suite Panorâmica no MacDonald Monchique quase ficou arruinada pelo desespero de quem só quer comer qualquer coisa. Só consegui de facto apreciar a minha suite, com sala de estar, kitchenette e um quarto com a maior cama do mundo, quando o telefone tocou. "Afinal temos uma tábua de queijos e outra de charcutaria que podemos providenciar", disse-me o rececionista. Respirei fundo. "Por favor, traga tudo o que tiver" — não disse isto, mas pensei.
Há pequenas coisas no MacDonald Monchique que precisam de ser afinadas. E este primeiro impacto com o resort foi a prova disso: o staff é composto por muitos jovens em início de carreira, que carecem da experiência e astúcia própria de quem já anda nisto há algum tempo. É assim em qualquer profissão. Se me tivessem alertado assim que cheguei ao hotel que não iria encontrar nada aberto na zona, e que o serviço de quartos iria terminar dentro de uma hora, teria evitado uma série de frustrações.
Não foi catastrófico, tudo se resolveu. Mas é um aspeto a repensar: ter jovens em início de carreira é importante, mas é importante também assegurar que há um chefe de cada secção a assegurar que nada falha.
É da minha suite que vou ter saudades
Com o estômago recomposto, pude finalmente apreciar a minha suite. Foi das coisas que mais gostei no hotel: a decoração é elegante sem ser pretensiosa, e não é difícil sentirmo-nos rapidamente em casa. As camas king size fazem justiça ao nome e são extremamente confortáveis. Já o tamanho impressionante da varanda fez desta divisão a minha favorita.
Cereja no topo do bolo é o facto de haver duas casas de banho (pela primeira vez em muito tempo não houve discussões logo pela manhã), imenso espaço de arrumação (apostaria apenas numas gavetas na casa de banho) e amenities da Osmè Cosméticos. Aqui me confesso, roubei um sabonete. Desculpem, era bom demais para ficar no hotel.
Só tive pena de não encontrar pratos de refeição na kitchenette: para ligar o fogão é necessário fazer o pedido na receção, e não sei se mediante essa solicitação seriam disponibilizados os pratos. Mas não faz muito sentido que assim seja — numa tarde fiz torradas com pão alentejano e tive de as servir no centro de mesa. Teve a sua graça, mas não foi lá muito prático.
Não é muito fácil circular pelo hotel. No total, são três edifícios, todos unidos, mas com alturas diferentes. Em termos práticos, isto faz com que às vezes tenha de apanhar um elevador para um determinado piso, sair, apanhar outro elevador e finalmente chegar ao seu destino.
Não é muito prático, é verdade, mas fica tudo desculpado quando percebemos o porquê de ser assim: estamos em plena Serra de Monchique, e o desafio da ampliação (o hotel resulta da recuperação de um mais antigo) foi minimizar ao máximo o impacto ambiental. Só por isso já vale a pena dar mais umas voltas. No final, até se torna divertido.
O chef Luís Batalha cozinha lindamente — o serviço é que dificulta a digestão
Na sequência dos fogos, a restauração do resort ainda está a meio gás. Só estavam a funcionar dois restaurantes: o Mon-Chic, mais gourmet, e o Mercado Culinário, onde são servidos os pequenos-almoços e refeições em regime buffet. A Pizzaria da Serra, de cozinha italiana, e a Petiscaria, com ementa à base de petiscos, estavam fechados. No que diz respeito aos bares, estavam a funcionar o Mezzanine e o Cascata, na zona da piscina.
A comida foi (sempre) deliciosa. Do creme de ervilha mais saboroso do mundo até às costeletas de borrego cozinhadas de forma irrepreensível, não houve absolutamente nada de que não tivesse gostado. Foi em fevereiro deste ano que o chef Luís Batalha se tornou o Executive Head Chef do Macdonald Monchique Resort & SPA. Da minha parte, só posso pedir-lhe que continue a cozinhar assim. Se quiser passar lá por casa também será bem recebido.
As refeições só foram ocasionalmente perturbadas pelo serviço. Na primeira vez que jantei no Mon-Chic, o atendimento e rapidez de serviço foram irrepreensíveis. A refeição deverá ter durado no máximo uma hora. Na segunda noite, porém, exatamente nos mesmos moldes (optámos sempre pela ementa do dia), a refeição durou mais de duas horas. Estivemos mais de 20 minutos à espera só para fazer o pedido.
Infelizmente, essa foi uma noite atípica para o staff. Pouco depois da meia-noite, entre oito a dez pessoas da equipa do hotel juntaram-se na piscina para atirar um ou dois colegas à água — confesso que me irritei e não assisti à cena toda, portanto nem me dei ao trabalho de contar os que acabaram na água.
O Macdonald Monchique tem coisas ótimas. Já falei dos quartos e da comida, aproveito também para referir o spa que, apesar de a utilização por duas horas ter o custo de 30€, vale muito a pena. Os duches sensoriais foram incríveis, a piscina interior é linda de morrer. Achei as piscinas exteriores um pouco pequenas para um hotel com capacidade com tanta gente, mas também não quero opinar sobre esse assunto — quando estive lá havia poucos hóspedes, portanto é a minha experiência que posso comentar.
Digo, e repito: o hotel tem coisas ótimas. Mas tem também neste momento falhas básicas no que diz respeito à organização e, sobretudo, ao staff. E isso acaba por pôr em causa uma experiência que poderia ser, sem dúvida, de cinco estrelas.
Consoante a época e a suite, os preços por noite variam entre 149€ e 304€, para duas pessoas.
*A MAGG esteve no hotel a convite do Macdonald Monchique