Ângelo Rodrigues esteve internado e em coma induzido no Hospital de São José, em Lisboa, na sequência de uma pneumonia por aspiração, após "mistura infeliz de substâncias psicoativas", como o próprio confirmou esta terça-feira, 21 de janeiro. Após a alta hospitalar, o ator de 37 anos falou publicamente pela primeira vez no podcast "Ar Livre", de Salvador Martinha, com quem contracena na segunda temporada de "Rabo de Peixe".

Uma conversa e não uma entrevista, comme il fault, porque conceder uma entrevista pressuporia ser confrontado com perguntas complicadas, do género "quem? o quê? onde? como? porquê?". E ninguém quer isso. "Não te sentes cheio de adrenalina?", pergunta um Salvador Martinha, genuinamente maravilhado, a um Ângelo Rodrigues acabado de sair de um hospital público, onde esteve novamente internado, depois de voltar a meter "substâncias psicoativas" no corpo por livre e espontânea vontade. O humorista parece quase admirar a odisseia médica pela qual Ângelo Rodrigues passou, como se ser colocado em coma induzido fosse o mesmo que fazer biodanza ou jejum intermitente. Ou isso ou estava nervoso. Não dá para perceber. 

Não vamos cair na armadilha de reagir com choque à entrada de Ângelo Rodrigues de maca, um gimmick tão original como um sketch dos "Malucos do Riso". Ângelo e Salvador têm em cima da mesa publicações como a "Nova Gente", mais fetiche do que acessório, e deixam logo claro no início da conversa o quão desprezam esse tipo de comunicação social, à qual voltam e com a qual parecem obcecados. "As notícias" e "os comentários nas redes sociais", os jornalistas e os internautas, os vilões de uma narrativa da qual Ângelo é vítima. Fala-se em "circo mediático", como se estivéssemos a falar de Hollywood, de Brad Pitt ou de uma estrela de dimensão internacional. Ângelo e Salvador deliram com a hipótese de haver imensos jornalistas à porta do Hospital de São José, enganadíssimos, a achar que Ângelo ainda lá está. O fetiche, novamente, com o mediatismo. Que tanto odeiam, que tanto querem. Deve ser tramado viver nesta ambiguidade. Mas nunca é um mediatismo do "Expresso" ou o "Público". É sempre o das revistas o mais cobiçado, o mais comentado. Curioso.

Ao longo de uma hora e 20 minutos, Ângelo Rodrigues não dá uma única explicação sobre o que se passou na noite que acabou com um internamento em coma induzido. Se tinha de o fazer? Não. Ângelo Rodrigues, o cidadão, não deve explicações a ninguém. Ângelo Rodrigues, a persona pública, concedeu várias entrevistas após o grave problema de saúde que teve, em 2019, onde nunca explicou o que o conduziu a um internamento de vários meses, falando de um acto racional que teve consequências nocivas para a sua saúde como uma viagem espiritual shanti shanti. Em 2025, volta ao mesmo registo. O que lhe acontece nunca é resultado de uma escolha. Como se encher a cara de "substâncias psicoativas" fosse como atravessar a rua e ter o azar de ser atropelado. Não acontece. Acontece-lhe.

Ângelo Rodrigues faz uma dissociação dos seus próprios actos e projeta fragilidades nas fragilidades dos outros. Os outros é que são frágeis, é que não fazem terapia suficiente para serem ser humanos incríveis. Os outros não viajam o suficiente, não têm o estilo de vida interessante o suficiente. Ângelo é que faz o caminho, é que filosofa, é que anda de mochila às costas em países e regiões pobrezinhas, porque é junto dos pobrezinhos que é mais fixe meditar, rezar rezas orientais, viver "experiências", como se a vida, 90% da vida, não fosse só a arte de saber estar aborrecido, de saber lidar com as chatices, com a monotonia.

Ângelo pede "mais compaixão" e empatia" mas devia começar por si mesmo. Por ter mais compaixão por si, pelo seu ego frágil e falho, que o faz ver defeitos em toda a gente e só virtudes em si. Mais compaixão e empatia por quem escolhe uma vida "normal", por quem escolhe ter filhos e casa e hipotecas, essas coisas banais que Ângelo despreza abertamente e considera menores.

Ângelo compara-se a Fernando Pessoa. Sim, isso. Porque ele também está a viver a sua "heteronomia". O delírio é coadjuvado por Salvador Martinha, que parece genuinamente maravilhado com Ângelo. Parecem dois estudantes de Filosofia da FCSH, deslumbrados com a descoberta dos livros e com o som da própria voz. Mas não. São dois homens, um com 37, outro com 41, aparentemente com uma crise de identidade, ou de meia idade, ou existencial. Ou excesso de tempo, de dinheiro ou a falta de uma máquina de roupa para estender.

Estoicismo, epicurismo, budismo, -ismo, -ismo, -ismo, Russell Brand da tugalândia, o prazer é mau, as mulheres são tentações vãs, o sexo impede Ângelo de atingir o nirvana intelectual. Por isso, Ângelo viaja - sempre para países pobrezinhos, nunca "para o Dubai ou Miami", esses lugares de perdição onde ruminam os não-iluminados.

Ângelo podia ser ético como Diogo Amaral ou José Carlos Pereira, abertos e francos em relação aos seus fantasmas, mas é só um moralista. Porque só um moralista é capaz de dizer esta frase: "É impossível, na minha vida sozinha, nas experiências que eu faço, tornar-me pior pessoa".

E noção, há?