E então amigos, sobrevivemos à Black Friday ou ainda estamos a fazer refresh na página da Pull&Bear para ver se aquele casaco a 10€ volta a estar disponível em M?
Ninguém é de ferro, eu sei. Também eu já comprei um portátil a aproveitar os descontos da Fnac nesse dia e também já me lancei em toda uma Zara que me chamava, qual osso em frente ao nariz do cão, com vales de 20% de desconto.
E mesmo na sexta-feira, sou sincera, foi difícil fechar os olhos a todas as montras a prometer preços mais baixos. Quando ouvi pessoas no trabalho a perguntar: "Já foste ao site da Ryanair hoje?", meti os phones bem alto e foquei a minha atenção no cursor a piscar na folha em branco.
O cursor ficou a piscar até hoje. Deixei passar a Black Friday, o Black Weekend, a Cyber Monday e, sem saber, pelos vistos escolhi a Giving Tuesday — um movimento que incentiva à dádiva — para escrever sobre esta loucura que se apodera das pessoas quando o assunto é promoções.
E alto lá que não estou aqui em modo irmã Lúcia. Se Nossa Senhora me aparece com um "desconto em cartão" no Continente, eu vou lá. Se o meu cartão do seguro do carro me dá desconto da Repsol, é lá que eu atesto. Se o Lidl tem um papel laranja em cima das "últimas oportunidades", é que nem olho para o resto. A diferença agora é que faço isso de forma pensada e sem aquele ímpeto difícil de controlar que é o de comprar sem ter necessidade disso.
Ainda a Marie Kondo andava a aprender a dobrar meias em rolinhos, já eu volta e meia olhava para o meu armário e punha no saco das doações tudo aquilo que já não me transmitia nada. Não chegava ao ponto de abraçar o par de calças mas, numa relação desprendida, pensava: "O problema não és tu, que ainda estás com uma ganga impecável. Sou eu que já não gosto de te ver nas minhas ancas". E seguia para outra, qual Tinder da arrumação.
Mas tal como nas relações, também aqui acabamos todos por ficar mais exigentes. Já não quero T-shirts da Primark que, certo, custam 3€, mas duram três semanas. Também já não quero vestir a responsabilidade de ter uma camisola da Zara muito linda, mas com a etiqueta "Made in Bangladesh" costurada na parte de trás por uma criança de 3 anos.
E é por isso que decidi há muito tempo — ainda que me renda aqui e ali ao fast fashion — optar por comprar em segunda mão, ainda que a minha mãe acredite que cada camisola dessas lojas traz consigo três DST.
As lojas em segunda mão, não só têm roupa incrível, como estamos a apostar na reutilização de uma peça em vez de comprar novo. Além disso, encontram-se verdadeiras pechinchas. Consigo chatear seriamente as minhas amigas quando me dizem: "Que vestido tão giro!" e eu atiro com um "Custou 5€". Um deles, encontrado no meio de um monte de roupa na Feira da Ladra, já deu para dois casamentos e uma festa de anos. Quero ver Black Friday que pague isto.
Mas melhor do que preços destes só mesmo quando não se paga nada, certo? E isso também é possível. Numa espécie de combate à sexta-feira de todas as compras, a loja de roupa vintage A Outra Face da Lua organizou um Swap Friday, durante o qual os convidados podiam levar determinado número de peças de roupa e bijuteria que seriam postos em exposição para troca direta. Eu levei um casaco, uma camisa, uma camisola e uns brincos e trouxe um casaco, duas camisas e uns óculos de sol.
O sucesso foi tal que é provável que brevemente se repita e desta vez aberto ao público. No entretanto, nada como mexer nas gavetas da avó, da mãe e da amiga. Há sempre algo que já não querem e no qual nós vemos potencial.
Reparo agora, nem de propósito, que na caixa de email me acaba de cair uma mensagem da Ryanair que começa com "ÚLTIMA CHAMADA", escrito mesmo assim, em letras garrafais. Vou carregar em delete sem ler e pôr os phones. Adeus.
(mas antes de hibernar para acordar num mundo com menos consumo, deixo aqui algumas das coisas que vou comprando aqui e ali em segunda mão. Sem hashtag pub nem patrocínios, amigos, só boa vontade e alguma chieira — palavra dita pela minha avó e que significa a vaidade de vestir o traje minhoto ou, neste caso, o traje vintage)