“Mensagem para os jovens é clara: é uma profissão de futuro”. Esta frase foi proferida por João Costa, o nosso ministro da Educação. À margem do VIII Encontro Internacional da Inovação Pedagógica, que decorreu na Maia no passado dia 6 de setembro, o homem que reconhece todas as problemáticas da carreira docente, mas que se escuda no facto de esta ser uma complicação com 50 anos para justificar a ausência de resposta efetiva, quer que esta profissão passe a ser vista “como algo que vale a pena apostar”.

Ora, eu cá não gosto de apostar nem a feijões, mas por mais que alguém aprecie jogos de azar, ou simplesmente de viver perigosamente, a minha pergunta é… quem é que cai nesta cantiga? Percebendo que João Costa tem neste momento um enorme problema entre mãos – são precisos 35 mil professores até 2030, e as perspetivas de conseguir chegar um bocadinho que seja perto desse número estão ali coladinhas ao nulo –, não é com devaneios que lá vamos.

Quem é que quer ser professor num país onde eles nunca foram respeitados? Vamos lá falar a sério: quem é que no seu juízo perfeito quer entrar numa profissão onde toda a vida vai ganhar mal, terá de passar décadas a saltitar de um lado para o outro, diariamente será soterrado em burocracia, não raras vezes terá de ir trabalhar mesmo estando doente (cancros terminais incluídos) e pelo meio ainda sabe que não tardará a chegar o dia em que levará no focinho de um pai ou de um aluno?

Hm. O futuro que todos ambicionamos, de facto.

Há décadas que os professores se queixam do mesmo: precariedade, incerteza, contratos a termo, salários baixos, carreiras congeladas, progressão lenta, indisciplina, más condições de trabalho. E há décadas que as pessoas enfiam os dedos nos ouvidos e gritam «lá-lá-lá-lá», como uma criança de cinco anos. Governo atrás de governo, todos prometeram o que não cumpriram, todos reclamaram que os malditos professores só sabiam fazer barulho e todos foram incapazes de pensar no setor a longo prazo.

E nós fizemos o mesmo. Ainda que não tivéssemos nada para lhes oferecer, reclamámos vezes sem conta que eles só sabiam fazer greve, que lá vinha mais um dia sem aulas e valha-me Deus o que vou fazer agora com os miúdos, revirámos os olhos sempre que os vimos a protestar na rua e dissemos à boca cheia que nós também tínhamos problemas.

Só que agora eles vão reformar-se. Ah, sacana da vida, arranja sempre maneira de nos trocar as voltas. Eles vão gozar o seu merecido descanso, nós ficamos sem professores. E os jovens, João, lamento mas não querem ir para uma sala de aula quando tudo o que há para lhes oferecer são promessas com o prazo de validade expirado há 50 anos. Se calhar deixamos de dizer barbaridades. É preciso um plano efetivo e pensado a longo prazo para alterar de vez a situação da carreira docente. Infelizmente, porém, pensar a longo prazo e criar planos efetivos é algo que raramente acontece por cá.

Mudando de assunto.

Uma amiga chamou-me a atenção que eu não devia repetir temas nas crónicas, contudo há coisas neste país que não lembram ao diabo – e uma delas é a nossa capacidade de cometer sempre os mesmos erros. Mais uma moedinha, mais uma voltinha no carrossel. Vamos lá repetir: não, não é aceitável tecer considerações sobre os corpos das mulheres, sobre a sua aparência e/ou sobre aquilo que vestem. Não. É. Aceitável.

Claro que Marcelo Rebelo de Sousa acertou em todas no domingo passado. Tânia Graça resumiu lindamente neste vídeo o porquê das palavras de Marcelo não serem aceitáveis na sociedade atual. Eu gostaria de acrescentar que não entendo como é que um presidente da República diz uma coisa destas. Não me interessa a idade que ele tem – o meu pai tem 83 anos e não tece comentários sobre o decote de ninguém –, não me interessa que possa ter sido uma brincadeira, não me interessa que “andemos todos muito sensíveis” e “ai que agora não se pode dizer nada”. Não, não se pode representar um país dizendo barbaridades a duas mulheres que, ainda por cima, só estavam ali para prestar o seu apoio.

Marcelo Rebelo de Sousa é um exemplo. A figura de presidente da República serve para isso mesmo. Como exemplo que deve ser, eu gostaria que não tecesse considerações sobre quem é mais bonito ou que está demasiado frio para uma jovem mulher usar o que quiser. Reforço: este tema é importante porque duas mulheres foram humilhadas pelo Presidente da República. Se acham um exagero a palavra “humilhadas”, troquem-na por “incomodadas”, “importunadas”, “ficaram desconfortáveis”. O que quiserem. Ao final do dia, o resultado é o mesmo.

Já agora, e com todo o respeito, senhor Presidente, eu pessoalmente estou farta de ser incomodada anualmente com a sua imagem em tronco nu, a dar entrevistas na praia. Uma vez ainda tive de lidar com isso no inverno, por causa da vacina à COVID-19. Carrego também o trauma de infância de tê-lo visto na televisão a tomar banhoca no rio Tejo.

Senhor presidente, já viu bem a quantidade de vezes que nos presenteou com o seu tronco nu? Se calhar parávamos por aqui. Com respeito, sem body shaming, mas pare, a sério. Esse, sim, é o futuro que todos nós ambicionamos. Esse e um país que, além de ter professores, é guiado por um presidente da República que pensa duas vezes antes de abrir a boca.

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