Talvez nunca saibamos o que se passou naquela quarta-feira aziaga. Talvez nunca saibamos o que levou Pedro Nuno Santos (PNS), qual camião desgovernado, a levar tudo à frente e, sem o conhecimento (?) de António Costa, ir ao "Telejornal" anunciar A SOLUÇÃO para todos os males aeroportuários deste País (bom, para os males aeroportuários de Lisboa).
O que importa reter aqui - e esse é que é o trunfo do ministro das Infraestruturas - é que há uma solução. Há uma solução, foi apresentada, o País sabe. O processo que PNS iniciou já ninguém o pode parar e todos os envolvidos (e ofendidos) sabem-no. Costa sabe, Marcelo sabe, Montenegro sabe.
Desde quinta-feira até sábado, a palavra que mais se tem usado para descrever o acto de contrição de PNS, em direto para o País, é humilhação. Não posso discordar mais. Opinion makers vaticinam que PNS se rebaixou, que António Costa foi magnânimo no perdão, que Marcelo ficou extremamente zangado e que o recém empossado líder do PSD Luís Montenegro Montenegro ganhou poder para usar o tema como trunfo político. O único ponto verdadeiramente consensual é que isto foi uma trapalhada de todo o tamanho.
Ora agora vamos analisar isto da perspetiva do cidadão comum que vive fora do eixo Lisboa-Cascais e se está a marimbar para os hipotéticos novos aeroportos da capital. Aqueles milhões de portugueses que vivem, por exemplo, em localidades onde não há transportes públicos, onde auto-estradas ficaram por construir, onde não chega um turista (e podia chegar) porque, neste País, todos os caminhos vão dar a Lisboa ou ao Porto e o resto é uma doce, típica, silenciosa paisagem.
A opinião do português comum, aquele que não vive no frémito onanista das redes sociais, fratura-se da seguinte forma:
1) os que não vão à bola com PNS nem que este lhe apareça à frente coberto com molho de francesinha: consideram o ministro um brutamontes arrogante e prepotente, talvez um "esquerdalha", amiguinho do BE e do PCP;
2) os que acham que PNS tem, em português frugívoro, uns tomates do tamanho daqueles que até entram para o Guinness: PNS mostrou ao País que existe uma solução para um tema que anda a ser empatado há tantos anos que a gente quase que se voluntaria para pegar na pá e fazer o raio do aeroporto com as próprias mãos.
Portugal precisa de mais um aeroporto? Sim, precisa. Também precisa de mais ferrovia (outro cavalo de batalha de PNS), melhores estradas, etc. Se o tema cansa e o eleitor comum já só quer que se arranje uma solução para todos passarmos ao próximo problema? Sim. PNS mostrou ao País que era, finalmente, possível avançar, e cortaram-lhe as pernas, em prol de mais paleio, mais debate, mais discussão, mais empate, que irá redundar num aeroporto sim, mas feito de Legos ou então de esperanças, sonhos e pós de cauda de unicórnio. PNS pecou pela impetuosidade trapalhona mas solidifica uma característica de enorme raridade na política portuguesa. O chamado "botapráestradismo", qualidade de quem toma decisões e diz "bota prá estrada!", ao invés de as deixar a marinar na gaveta, à espera que o que venha a seguir decida.