Estávamos em junho. Eram 19h30 e estava sentada num banco de jardim, ao lado de uma igreja. Estava a pôr um ponto final definitivo na minha primeira relação que, quase três anos antes, tinha começado a poucos metros daquele mesmo sítio. Que cliché. A situação era dramática. A vida não podia ser mais miserável. E a frustração era desconcertante. Ele era o meu melhor amigo e a rutura pressupunha que deixássemos de fazer parte da vida um do outro. E assim foi. De um dia para o outro, o João (nome fictício) deixou de fazer parte da minha vida. Nunca conseguimos ser amigos.
Com o Miguel (nome fictício) foi diferente. A relação já estava condenada no dia em que, a caminho de Marrocos, nos conhecemos no aeroporto. Mas foi a forma de chegarmos à nossa melhor versão. Hoje somos amigos. Falamo-nos com frequência, tomamos vários cafés e continuamos a fazer programas com os amigos que temos em comum.
Dois relacionamentos tiveram finais diferentes. Um acabou, o outro transformou-se. A capacidade para construir uma relação de amizade com alguém com quem houve uma grande partilha de intimidade é impossível nuns casos e o caminho natural noutros. Há quem o deseje e há quem nem sequer coloque essa hipótese em cima da mesa. Mas o que é que é mais natural? Mais importante: será que qualquer pessoa consegue?
Rita Fonseca de Castro é terapeuta de casais, psicóloga da Oficina de Psicologia, e diz à MAGG que é "difícil construir uma relação de amizade com um ex-namorado". As ruturas "não costumam ser consensuais" e há muitas "emoções envolvidas". Não é fácil para ninguém: nem para quem termina, nem para quem vê a relação terminada.
Mas a própria definição do conceito de amizade tem muito que se lhe diga. Ser amigo significa ter um "interesse genuíno em saber como é que a pessoa está, em todas as áreas da vida, incluindo a amorosa”. Segundo a especialista, “esta informação não deverá ter um impacto diferente do que a de uma mudança de emprego, por exemplo."
Além de difícil, construir uma amizade com um ex-namorado também pode ser emocionalmente perigoso. É um terreno muito pantanoso, sobretudo se não dermos tempo ao tempo. Segundo a especialista, para criar um novo vínculo é crucial que haja uma fase de afastamento, porque, mesmo que já não exista paixão ou amor, há sempre mecanismos de dependência. Há que respeitar o "período de luto".
"Pode haver um conforto associado àquela companhia e manter a relação depois de terminar pode ser impeditivo para conhecer pessoas novas e redefinir o estilo de vida", diz a especialista. A reconstrução da identidade também é relevante: "Algumas pessoas definem-se pela relação com o outro e têm necessidade de recuperá-la enquanto solteiro."
A missão é complicada e cheia de etapas. Depois do detox, vêm as regras. Os limites da nova amizade têm de ser "muito bem traçados" e as “expectativas bem definidas”. No entanto, há uma pergunta que deverá colocar a si mesma: se conhecesse alguém que lhe parecesse compatível com o seu ex-namorado, seria capaz de apresentá-los? Segundo a especialista, se a resposta for positiva, força, estão prontos para ser amigos. Se for negativa, significa que o período de luto ainda não chegou ao fim. Às vezes, chega a demorar uma vida.
"Faço um luto e sigo com a minha vida"
Luísa Barbosa, apresentadora de televisão e animadora de rádio, e apesar de achar "perfeitamente possível", nunca transformou nenhuma das quatro passadas relações em amizade.
"Pode ser estranho se pensarmos que partilhámos tantas coisas importantes, mas fica muita bagagem. Fica muita história", relata à MAGG. "Eu costumo olhar para as relações como momentos estanques na minha vida, com princípio, meio e fim. Todas foram importantes naquele momento e fizeram-me crescer. Mas depois faço um luto e continuo a vida", acrescenta.
Para o humorista Diogo Faro, faz mais sentido o inverso: "Para mim, não é normal não ficar amigo de uma ex-namorada. A maior parte do tempo que passamos com essa pessoa é bom. Acho que é um desperdício esquecer isso e deitar tudo ao ar."
De quase todas as suas relações nasceram amizades. O seu relacionamento mais sério durou vários anos. Começou no secundário e, com algumas pausas pelo meio, só terminou nos tempos da faculdade. Hoje são muito amigos: "Ela já é casada e tem filhos. Fui ao casamento e sou muito amigo do marido”, conta o autor do livro "Na Boa". "Mas houve um caso muito mais complicado em que não pudemos ficar amigos.”
Infelizmente, a vontade não basta para ficarmos amigos de ex-namorados. São as circunstâncias que o determinam: há finais complicados, há personalidades diferentes e não há relações iguais. E muito do que construímos dentro delas define o que poderá nascer depois.
(artigo originalmente publicado em 2018 pela jornalista Ana Luísa Bernardino)