“Está a ver o feed do Instagram, onde pode verificar a atividade dos seus amigos? Cheguei a andar três dias para trás só para ver o que é que ele tinha andado a fazer. Quem é que tinha começado a seguir, em que fotos é que tinha posto like, o que é que tinha comentado. Precisava de ver. Era mais do que uma curiosidade mórbida, eu precisava mesmo de ver. Encontrar uma resposta, talvez? Não sei.”
Carla (nome fictício) começou a espiar o namorado nas redes sociais antes mesmo de a relação terminar. Quando as horas passavam e o telemóvel persistia em não tocar, o primeiro impulso era o de entrar nas redes sociais. Começava por abrir o chat no Messenger do Facebook para perceber se estava online — ou há quantas horas é que tinha estado online —, seguia para o feed à procura de algo novo. Dali ia para o Instagram: ora para a atividade, ora diretamente para o perfil.
“Nunca havia uma resposta certa. Se ele estava online naquele momento ou tinha estado há uma hora, se tinha publicado ou não uma foto ou posto um like novo em alguém, nada disso me deixava mais ou menos feliz. Mas tinha de o fazer à mesma."
Nos seis meses que estiveram juntos, Carla adotou outro comportamento obsessivo nas redes sociais: o de publicar fotos. “Chegava a sair de casa com amigas com o único intuito de ir tirar fotografias. Uma vez até levei peças de roupa diferentes, para mais tarde parecer que tinham sido tiradas em vários dias."
Para Carla, partilhar fotografias nas redes sociais era mais uma forma de acrescentar um novo desenvolvimento à história. “Assim que publicava ficava obcecada a olhar para o telefone à espera que ele colocasse like ou, melhor ainda, visse a foto e viesse falar comigo. Algumas vezes funcionou.”
O relacionamento de Carla foi sempre complicado. “Hoje olho para trás e percebo que ele não gostava de mim. Queria-me ali, perto, disponível para quando lhe apetecesse. Mas não queria uma relação comigo.” A instabilidade, as ausências prolongadas e a falta de segurança mantiveram-se durante os quase seis meses de relação, até Carla colocar um ponto final no assunto.
“Não me sinto uma mulher forte por ter terminado. Pelo contrário, só me pergunto como é que aguentei aquilo durante tanto tempo. Foram seis meses horríveis, de constante stress, raiva, procura de validação. Não sei. Eu gostava mesmo muito dele, mas não aguentava mais.”
Carla achou que terminar a relação seria suficiente para acabar com os comportamentos obsessivos. Não foi bem assim — nas semanas que se seguiram nada mudou. Continuava a procurá-lo com a mesma intensidade. Talvez até mais.
“Houve uma altura em que adotei uma série de estratégias, como bloqueá-lo no chat para não o ver sempre na barra lateral do Facebook; ocultar a atividade dele; bloquear as Insta Stories. Tudo aquilo que consegui fazer para o tirar das minhas redes sociais sem que ele se apercebesse, fiz. Só que não adiantou de nada.”
Carla tentava. Enquanto estava a trabalhar, dizia a si mesma que não podia abrir o telemóvel, não podia ir à procura. Só que ia à mesma. “Chegava a abrir a janela de chat para ver se ele estava online ou não. Portanto, tudo igual.”
Os comportamentos obsessivos não duraram muito mais tempo. Quando soube através de uma amiga que o ex estava com outra pessoa, Carla sentiu a raiva a invadi-la. E decidiu bloqueá-lo — em tudo.
“Não tenho palavras para explicar o quão libertador isto foi. De repente, não tinha mais como ir ver. Não o ia desbloquear, já tinha dado o passo de o bloquear."
Com o passar do tempo, Carla deixou de ter curiosidade em ver. Na verdade, passou a adotar o pensamento contrário: “Eu não queria ver, ponto final. Ainda hoje, eu não quero ver. Não quero olhar para ele, não quero saber o que anda a fazer. Acabou.”
Hackeou a conta da nova namorada do marido
A obsessão de Carla nunca chegou a extremos. Apesar de não ser um comportamento saudável, há histórias que se tornam muito mais graves. Foi o caso de uma paciente da psicóloga Sofia Taveira, que chegou a pedir ajuda à filha para hackear a conta da nova namorada do marido.
“Ela foi de férias para fora um mês e quando voltou ele estava com outra mulher. A obsessão dela virou-se para a nova namorada do marido — a partir desse momento, ela começou a tentar perceber tudo através das redes sociais: quem era, o que fazia, o que é que não fazia. Chegou mesmo a pedir ajuda à filha, que é uma espécie de hacker, para entrar na conta dessa mulher. E conseguiu.”
Os comportamentos obsessivos de Rita (nome fictício) eram constantes. Ela simplesmente não conseguia desligar. “Se estava num jantar com os amigos, o tema dela era apenas e só o ex-marido: o que é que ele fez, o que é que a nova mulher fazia. Não conseguia abstrair-se. Era uma mulher que estava muito magoada, muito ferida, mas isto passou a ser uma obsessão. Ela estava constantemente nas redes sociais, dele e dela, a ver o que é que eles faziam.”
Tal como Carla, houve um momento em que Rita teve de decidir quem é que merecia ganhar este jogo: se ele, se ela. Ganhou ela. "Era ou a vida dele ou a vida dela. Ganhou a dela.”
A história também é contada pela psicóloga Sofia Taveira, embora neste caso nenhum dos intervenientes fosse seu paciente. O caso aconteceu no verão do ano passado, quando Tiago e Paula (nomes fictícios) terminaram. Ela não conseguiu lidar com a rutura, de tal forma que entrou na conta de Instagram dele e começou a ver as mensagens que ele trocava com outras raparigas.
“Ela confrontou-o com isso, mas nunca admitiu que tinha entrado na conta. Foi mais numa de atirar o barro à parede.”
Não demorou muito até Paula passar das redes sociais para a vida real. Ligava-lhe constantemente, chegou mesmo a persegui-lo de carro. “Esta situação continua até hoje”, diz à MAGG a psicóloga Sofia Taveira. “Estamos a falar de uma relação que viveu sempre do começa-acaba. Nunca foi segura para ela. Quando não temos segurança numa relação, tentamos encontrá-la de qualquer forma. Dê lá por onde der.”
Apenas curiosidade ou obsessão?
Porque é que não conseguimos parar de espiar o ex nas redes sociais? “Acima de tudo, isto vem da própria insegurança das pessoas”, explica a psicóloga Sofia Taveira. “Eles procuram a resposta para a dor, procuram um alimentar daquele amor e daquela obsessão. Deixar de ver, de perceber o que é que se passa, é como se o outro deixasse de existir. É como se aquela história nunca tivesse acontecido.”
Segundo a psicóloga, estes atos obsessivos também vêm geralmente de pessoas com baixa auto-estima, inseguras ou que, por determinada razão ou problema, naquele momento não se sentem bem com elas próprias.
“As pessoas têm necessidade de perceber o que é que fizeram de errado. E depois de dar razão a elas próprias: 'De facto eu é que sou feia’. ‘Eu é que sou gorda'. ‘Eu sou mesmo má’. ‘Não há nada que se aproveite em mim porque ele não está comigo.’ E não tem mesmo nada a ver com isso.”
No campo da obsessão, o nosso cérebro também nos prega partidas. Da mesma forma como ele nos tenta persuadir a fumar um cigarro quando estamos a tentar deixar o vício, ele também nos vai dizer que não faz mal espiar só um bocadinho. “No nosso inconsciente nós sabemos que é errado, mas o nosso consciente diz-nos que quer aquilo. ‘Como é que está errado se é uma coisa que eu quero tanto?’. É aqui que temos de parar.”
Então e como perceber se o ato de espiar o outro se transformou numa obsessão? “Quando deixas de ter vida. Quando começa a atrapalhar o teu trabalho, vida social, familiar. Imagine que tem um artigo para fazer, tem uma hora para ele mas passa 45 minutos no Facebook do seu ex-namorado a ver o que é que ele está a fazer. Agora imagine que faz isto durante semanas e semanas.”
Com o tempo, a situação tem sempre tendência para piorar. No início começa por ver só se há fotos novas, depois já está a ver em quem é que ele pôs like. Logo a seguir já está a entrar nas contas das pessoas que lhe deixaram um comentário para tentar perceber quem são.
“Já não chega. É preciso continuar a alimentar a história que já acabou. Se não houver um travão, a tendência é ir cada vez mais longe.”
Então e agora? O que é que eu faço se não consigo parar de abrir o Instagram dele?
“Vamos pôr as coisas na balança: de um lado os benefícios, do outro os malefícios. Depois, é preciso perceber de onde é que vem isto. Porque o ato de espiar é um sintoma. Qual é a doença? Porque é que estou a fazer isto? Pelo sentimento que tenho por ele ou por mim própria?”.
Nas estratégias para acabar com comportamentos obsessivos, há quem sugira começar a reduzir o tempo que passa na conta do outro. Sofia Taveira é de opinião contrária: “Não acredito em resoluções para obsessões”, diz de forma assertiva. “Não vamos andar a passar a mão em cima da cabeça quando não funciona.”
Não existem pensos rápidos em obsessões. Da mesma forma que não existem pensos rápidos em vícios. Fumar um cigarro por dia não é deixar de fumar, porque o indivíduo vai sempre ter aquele cigarro por dia. “Não há, acabou. É uma decisão para nós próprios.”
Para dar uma ajuda, a psicóloga sugere que se faça uma promessa a si próprio, de preferência por escrito e na presença de alguém. “Escrever, assinar e datar, para ficar algo mesmo oficial. ‘Eu faço esta promessa a mim próprio de que não vou ter mais este comportamento e de que vou dar tudo de mim para fazer isto.' Mas a pessoa tem mesmo de querer fazê-lo. Não há outra forma.”
(Artigo originalmente publicado em 2018 pela jornalista Marta Gonçalves Miranda)