“Ainda bem que me conhecia antes. Preciso que ateste a minha sanidade”, disse, assim que entrou no consultório, uma das pacientes da psicóloga Rosa Amaral. Segundo a médica, esta mulher tinha então 70 anos e estava num “daqueles casamentos que acontecem e seguem a vida inteira”. Não era feliz, nem infeliz. Mas, há já algum tempo, que a atitude tinha mudado: vestia-se de forma diferente, tinha as costas mais direitas e até passou a preferir as escadas ao elevador da clínica. “Preciso que me faça uma avaliação formal”, continuou, naquela mesma consulta. “Não quero que a minha família pense que estou louca”. Em causa estava um novo amor, uma relação com um fisioterapeuta de 50 anos, que tinha conhecido por motivos de saúde e por quem estava preparada para pedir o divórcio.
Júlia (nome fictício) estava a regressar de umas férias em Madrid. Tinha 17 anos e estava a terminar o secundário. “Ela foi a última pessoa a embarcar, no seu estilo afogueado, mas com imensa graça. Mantém-no desde que a vi pela primeira vez”, recorda Vasco (nome fictício), 37 anos, que na altura tinha 28 anos e estava a trabalhar na capital espanhola.
Ele ia comprar-me as comidas de que eu gostava, da mesma forma que o pai vai comprar algodão doce à filha"
Apesar da correria, Vasco também não tinha escapado ao olhar de Júlia, atualmente com 25 anos. Pensou que era um “executivo”. Achou-o “charmoso” e muito o seu “género”. E teve sorte. Quando entrou no avião, era ao lado dele que estava. E, pouco tempo depois de descolarem, eis que surgem as primeiras palavras.
“As hospedeiras perguntaram se alguém queria ler alguma revista ou jornal, ao que a Julia respondeu que sim e pediu um desportivo espanhol, a Marca, o que me pareceu curioso”, relata Vasco. “Perguntei-lhe se se interessava por desporto e disse-me que sim, que era do mesmo clube que eu e aí descobrimos nosso o primeiro ponto de interesse em comum.”
Conversaram o voo inteiro. Júlia percebeu que se tratava “de uma pessoa completamente diferente” de todas as que tinha conhecido. “Compreendia-me e aconselhava-me sobre tudo, como ninguém”, diz. “Mais tarde percebi que, além de me fazer rir, de ser inteligente e de me fazer sentir a mulher mais especial do mundo é um romântico incurável”. No final daquela viagem, Vasco deu-lhe o seu cartão. O clube de que tanto gostavam jogava nessa noite, o que se afigurou uma excelente desculpa para começarem a trocar mensagens. Nunca mais se largaram. Começaram a namorar, durante algum tempo sem que ninguém soubesse. Há dois anos casaram e, mais recentemente, tiveram um filho. “Costumo brincar e dizer-lhe que ‘assim já não me troca por uma mulher mais nova!’”, diz Júlia.
Catarina (nome fictício) tinha 27 anos quando se sentou pela primeira vez ao lado de Rui (nome fictício), 54. Trabalhavam na mesma empresa, mas tratavam-se por “você” porque entre os dois havia 27 anos de diferença. Ela era uma jovem adulta. Ele já era um homem, divorciado e com duas filhas, uma delas com uma idade muito próxima à da sua vizinha de trabalho.
“Tínhamos muita empatia. Ele tinha sentido de humor. Divertíamo-nos muito com as nossas conversas”, conta Catarina, atualmente com 44. “Um dia combinamos ir almoçar fora e o meu namorado da altura disse ‘cá para mim esse velho quer alguma coisa contigo’”.
Por esta altura Catarina ainda não tinha pensado nisso, mas admite que se “entusiasmava muito com ele”. A partir daquele almoço, começaram a trocar mensagens “com graçolas e parvoíces” e começaram a entender que “aquilo era mais do que uma amizade”.
Ao fim de dez dias, foram jantar e no dia seguinte Catarina “deu um tempo” com o namorado de então, para, pouco depois, terminar definitivamente com ele. Passados 20 anos, continua com Rui. Casaram, tiveram uma filha e não se veem um sem o outro. São tudo: “Amigos, companheiros, pais, marido e mulher.”
Foi numa entrevista de emprego que Carolina (nome fictício) conheceu aquele que, durante um ano, viria a ser, não só o seu patrão, como a sua paixão. Na altura ela tinha 29 e ele tinha 49 anos.
“Atraiu-me o poder e o facto de ser um homem inteligente.”, conta. Os programas eram conjugáveis, porque gostavam de fazer as mesmas coisas, excepto os sítios onde ir comer: “Ele gostava de ir à Vela Latina. E eu aos sítios mais trendy”, recorda. “Ele ia comprar-me as comidas de que eu gostava, da mesma forma que o pai vai comprar algodão doce à filha.”
Esta foi a primeira e única vez que Carolina se sentiu atraída por um homem mais velho. Hoje é casada com alguém próximo da sua idade, mas antes, admite, a sua atenção dirigia-se frequentemente para pessoas mais novas. Aos 24 engravidou de uma pessoa de 19 e, já mais velha, chegou a ter alguns encontros que começavam no Tinder.
“Eu tinha 36 e ele tinha 20. Ainda nos envolvemos várias vezes e trocávamos mensagens, mas ele queria uma relação e eu não”, diz. “Acho que os homens gostam das mulheres mais novas porque a partir de uma determinada idade dá-lhes um boost de energia, especialmente na crise dos 50. Acho que com as mulheres acontece o mesmo”, admite. Mas, quando são mais novos, é diferente: “Os rapazes mais novos são básicos, no bom sentido, ou seja, têm menos bagagem. Já as miúdas, são mil vezes mais complexas: querem trabalhar, querem filhos, querem uma relação definida."
Os homens preferem mulheres mais novas e as mulheres homens mais velhos?
"Trabalho há 25 na área. Quando temos uma grande amostra, começamos a ver alguns padrões", diz a psicoterapeura Rosa Amaral, da Clínica Europa, em Carcavelos. "Mas não há uma resposta definitiva."
A teia é grande. As relações são complexas. Os cenários são diversos. E as motivações são várias. Tanto homens e mulheres podem preferir pessoas mais jovens, como pessoas com menos idade podem optar por relacionamentos com pessoas mais maduras.
Muitas vezes, na relações, os homens deixam de ter o seu papel e, com alguém mais novo, voltam a ter a sensação de utilidade, em que apoiam e são consultados"
"Vejo muitas mulheres a preferirem homens mais jovens na reconstrução de um novo relacionamento, porque normalmente, a primeira relação ocorre na mesma faixa etária", conta. Quando se procura uma companhia mais jovem, poderá haver a necessidade de preencher uma falha da relação anterior. No caso das mulheres, a psicoterapeuta dá dois motivos como exemplo: ou porque procuram alguém para realizar o sonho de ser mãe, ou porque querem resolver questões na área da sexualidade, que muitas vezes se "liberta com o amadurecimento.".
Mas Rosa Amaral também costuma ver o oposto. É comum mulheres que estiveram numa relação com alguém da mesma idade, envolverem-se com homens mais velhos. De acordo com a psicoterapeuta, esta procura por alguém mais amadurecido tem na sua origem um conjunto de características que culminam em apoio e estabilidade. Os homens mais jovens são mais "competitivos". Os homens mais velhos "têm mais paciência", "já conseguem seleccionar as discussões que valem a pena", são bons ouvintes e com uma "capacidade de resposta diferente."
O cliché também é real: há homens a procurarem mulheres mais jovens, tal como também acontece com o sexo oposto. A procura pela jovialidade poderá ser o principal motivo. "Sentem como se fosse uma pílula ou elixir para a juventude", diz. "Muitas vezes, nas relações, os homens deixam de ter o seu papel e, com alguém mais novo, voltam a ter a sensação de utilidade, em que apoiam e são consultados."
Esta é uma motivação perigosa, que facilmente se poderá esgotar. "Tenho uma paciente que está na casa dos 47, 48 anos e está a relacionar-se com alguém de 26.Todas as queixas da relação anterior desapareceram nesta: ao contrário do que acontecia, a pessoa com quem está não quer ficar sempre em casa. Alinha em tudo e há o fator imprevisibilidade", relata. "Mas tudo aquilo que não eram queixas na antiga relação, passaram a ser nesta: diz que é despreocupado, que é um 'puto' e que não a entende."
"A nossa relação não é a nossa diferença de idades"
A justificação para uma relação com uma ou mais gerações de intervalo não tem de estar relacionada com carências do passado, sonhos por concretizar ou saudades da juventude. Pode ser verdadeiro, genuíno e real. Pode ser avassalador e aquele pelo qual sempre se esperou. Como diz Rosa Amaral, independentemente dos anos, "quando há uma boa química e uma boa conjugação das características, a relação resulta", diz Rosa Amaral.
Julia e Vasco são exemplo disso. São cúmplices, são amigos, admiram-se e partilham os mesmos gostos: gostam de desporto, gostam de música, gostam de viajar, valorizam os amigos e o tempo em família. Com Catarina e Rui o mesmo acontece: "Somos muito de rotinas. Vamos tomar o café ao mesmo sítio, às compras nos mesmos sítios. Almoçamos e jantamos sempre à volta dos mesmos sítios. Gostamos de viajar, de comentar notícias ou outros assuntos. Conversamos muito, de várias coisas", diz Carolina.
Em termos de carreira, na minha opinião, até é uma vantagem porque ao termos vidas profissionais desfasadas compensamo-nos. Ele dá-me conselhos com base na experiência que já tem e eu incentivo-o a ver as coisas de uma perspetiva mais disruptiva"
Apesar de considerar mais comum haver envolvimento entre pessoas da mesma faixa etária, Vasco observa muitas que correm mal. "Talvez haja nestas histórias de amor entre pessoas com diferentes idades uma maior capacidade de resiliência, uma maior capacidade de ultrapassar obstáculos, inerente à natureza do início e manutenção de uma relação em que o amor de 2 pessoas é determinante para o seu desenvolvimento."
"A nossa relação não é a nossa diferença de idades", refere Júlia. A diferença de idades, relata, já teve influência na estrutura da vida do casal. "Algumas etapas foram ‘atrasadas’ porque eu ainda estava a estudar e outras podem ter sido antecipadas porque já era altura para o Vasco", diz. "Mas decidimos sempre em conjunto e considerando o que nos fazia felizes aos dois nesses momentos."
A jovem de 25 anos considera que a diferença de idades lhes oferece perspetivas complementares: "Por exemplo, em termos de carreira, na minha opinião, até é uma vantagem porque ao termos vidas profissionais desfasadas compensamo-nos. Ele dá-me conselhos com base na experiência que já tem e eu incentivo-o a ver as coisas de uma perspetiva mais disruptiva."
Segundo Rosa Amaral, aquilo que, de facto, mais importa é o espírito de cada pessoa. Há pessoas "muito jovens, independentemente da idade" e há outras com 40 anos que acham que estão velhas. "Se uma pessoa sente juventude dentro de si, é natural que vá procurar alguém que tenha o mesmo espírito.”
Seja aos 50, 60, 70 ou 80, o amor pode acontecer de forma verdadeira e, segundo Rosa Amaral, causar efeitos realmente rejuvescedores. Afinal, é só um número. E isso vale o que vale.