
Há uma enorme semelhança entre "Casados à Primeira Vista" e o futebol. É que quando se vê o programa da SIC nasce em cada um de nós um especialista em relacionamentos, um terapeuta de casais, da mesma forma que os adeptos de futebol são excelentes treinadores de bancada.
Mas se na bola há mesmo treinadores em campo, no programa da SIC também há especialistas a sério. Especialistas esses que andam há 5 edições a dar juntar casais, a dar conselhos semana após semana, a tentar tudo para que os casamentos durem, mas, quase sempre sem sucesso. Mas há um tema sobre o qual raramente falam, e que parece que é tabu na televisão: a tesão. A tesão, a química sexual, a atração, o desejo. Nunca se fala disso. E isso é absolutamente decisivo — goste-se ou não — para que os casais vivam o programa, ou pelo menos as primeiras semanas, como um verdadeiro casal, e não como dois amigos que estão ali de férias, que é o que se passa com quase todos os concorrentes, edição após edição.
Esta edição atual, a quinta, devia ficar conhecida como a edição do "Não me Toques". É que praticamente todos os casais (as mulheres, vá) dizem que não são pessoas "de toque". Tanga. Ninguém é uma pessoa de toque quando não sente atração física, quando não há desejo, química, tesão. E toda a gente é de toque quando isso existe. Uns podem ser mais tímidos, outros menos, mas a verdade é esta: sempre que houve, no programa, atração, quando os dois elementos do casal olharam para o parceiro e gostaram, fisicamente, do que viram, a coisa correu bem. Lá está, podem até nem acabar juntos, mas pelo menos durante as primeiras semanas a coisa corre bem.
A ideia que o programa parece querer promover — pelo menos é esse o discurso de grande parte dos casais — é que é fundamental que se construa, primeiro, uma amizade. O que é uma grande tanga. Quantas relações começaram sem existir qualquer amizade? Quase todas. As pessoas conhecem-se, sentem química, atração, saem, envolvem-se, começam uma relação emocional e física e, com o tempo, vai nascendo e crescendo a amizade. É assim que as coisas são na esmagadora maioria dos casos. Quando se faz aquilo que no programa se tenta vender como correto — trabalhar primeiro na amizade — normalmente o efeito é exatamente o contrário, um ou o outro colocam o parceiro naquilo a que se chama de "friend zone", e então é que fica praticamente impossível existir um relacionamento amoroso, com contacto físico, sexual, que é aquilo que diferencia um casal de amigos de um casal de namorados, ou marido e mulher.
Vivemos num mundo em que as vidas parece que têm de ser vividas de acordo com um guião, em que há cada vez menos espaço para o que é natural, animalesco, instintivo. Confunde-se cada vez mais aquilo que é o respeito pelo outro com a necessidade de se obedecer a uma série de regras. O homem não pode seduzir, senão está a ser abusador. A mulher não pode dar o primeiro passo, senão é oferecida. O homem não pode ser masculino, senão é tóxico. A mulher tem de ser distante e fria, senão não é empoderada (e se não for, não é cool). A mulher não pode cozinhar para o marido, senão é submissa. O marido não pode ficar no sofá a ver futebol e a mulher a fazer o jantar, porque o mundo agora é outro. A mulher não pode sair à noite com amigas se for casada, porque senão não está a respeitar o homem.
O tempo passa e estamos a encher as relações de normas, guiões, imposições sociais, molduras. E o resultado, qual é? É que cada vez mais as pessoas estão a ficar sozinhas. E querem ficar sozinhas. Homens e mulheres, porque não encontram ninguém que se encaixe nas tais regras que nos são impostas todos os dias.
Que saudades do tempo em que os relacionamentos eram movidos por amor, tesão, paixão. E depois o resto trabalhava-se. Era assim no tempo dos nossos pais, de alguns avós, que têm histórias de amor de 50, 60 anos. Sempre bonitas? Não. Sem problemas? Não. Histórias sempre cor de rosa? Não. Mas histórias reais e que nunca acabaram. O que acontece hoje — e que se pode ver no programa — é que procuramos aquilo que não existe. Exigimos ao outro o que não nos obrigamos a nós. Queremos que nos seja servido alguém feito à nossa medida, para que possamos continuar a ser sempre só nós, sem mudarmos nada (porque mudar é ceder ao outro, e ninguém se sente, hoje, na obrigação de mudar).
O amor é uma trabalheira, uma dor de cabeça, muitas vezes uma construção cheia de sacrifícios, dor e cedências. Mas hoje quem é que está para isso?