O programa “Casados à Primeira Vista” estreou-se com a segunda edição na SIC, este domingo, 13 de outubro, seguindo a lógica da temporada anterior: os especialistas Alexandre Machado, Eduardo Torgal, Cris Carvalho e Fernando Mesquita analisaram os perfis de diferentes candidatos, vestiram a pele de Tinder humano e criaram diferentes matches que resultaram em casamento, mesmo antes de futuro marido e mulher se conhecerem.
Mas há nuances face ao modo de funcionamento da aplicação de engate: na junção dos casais, basearam-se em fórmulas com uma alegada base científica — facto que, já agora, ainda está por ser comprovado, dado que na primeira edição todos os casamentos resultaram em divórcio.
Adiante. A certo momento, Cris Carvalho dá a entender que dificilmente o ser humano é feliz sem ter um companheiro ou companheira na sua vida. Fomos invadidos por uma comichão mental: então, pessoas solteiras não se podem sentir tão ou mais felizes e realizadas comparativamente a indivíduos com maridos e mulheres, namorados e namoradas? Fomos investigar.
Veredito: podem, só que muitas muitas vezes não sabem — sobretudo no sexo feminino. “Há tantas mulheres que me procuram por sofrimento em torno desta questão: ‘Se sou solteira e tenho 30 e tal anos, então tenho um problema”, conta à MAGG a psicóloga Filipa Jardim Silva.
A realidade é que o nosso bem-estar não deverá depender exclusivamente do outro. Carrie Bradshaw, protagonista da série “Sexo e a Cidade”, poderá não ser o melhor exemplo de calma e serenidade interna, porque afinco nunca lhe faltou na busca pela sua alma gémea — mesmo nos momentos mais atribulados, em que provavelmente ganharia mais estar sossegada. Porém, há uma expressão que se encaixa perfeitamente neste artigo: o “single and fabulous” existe mesmo e passeia-se nas ruas deste Portugal, como comprovámos através do testemunho de várias mulheres.
Num grupo fechado de Facebook, a MAGG pediu que várias pessoas apontassem as vantagens de se estar fora de uma relação. "Liberdade" foi a palavra mais repetida. No final, encontrámos ainda dois testemunhos com quem nos sentámos para falar ao telefone. Mas já lá vamos.
“Para sermos felizes numa relação amorosa é importante termos sido primeiro felizes na relação connosco mesmos”
Antes de avançarmos para os bons exemplos de uma solteirice por opção e feliz, é crucial realçar que um mau estado emocional raramente nasce única a exclusivamente da falta de uma companhia amorosa. Será, antes e provavelmente, sintomática de muitos outros assuntos internos por resolver, como explica a psicóloga. “Para sermos felizes numa relação amorosa é importante termos sido primeiro felizes na relação connosco mesmos."
O cliché é do mais real que há: quanto mais resolvidos estivermos, mais gostamos de nós. Além deste amor próprio, daqui nascem muitas outras vantagens: à partida, seremos mais criteriosos e ponderados nas escolhas dos nossos parceiros, uma vez que a carência não irá interferir na equação. Além disso, vamos ser melhores companheiros para quem escolhemos ter ao nosso lado.
Raramente se tem em consideração de que pode ser uma escolha e de que existem outros projetos de vida igualmente felizes e entusiasmantes que não passam por uma relação amorosa nem pela parentalidade. É mesmo verdade"
Mas é necessária alguma atenção e reflexão para que o auto-conhecimento tenha espaço para se desenvolver e fortificar. Não é fácil, mas é um trabalho fundamental na vida. “Há muitas pessoas que não se conhecem o suficiente, que não ultrapassaram situações do passado importantes de superar, que não aprenderam a fazer companhia a si mesmas e que saltam impulsivamente para uma relação na tentativa de fugir de algumas dificuldades, com mais ou menos consciência."
A outra parte do problema vive nos estereótipos. Esta noção de que um ser humano completo depende, em parte, de uma relação amorosa, confirma a especialista, é fruto de ideias erradas, altamente enraizadas e que há muito são alimentadas. “Tende a subsistir o mito de que alguém que não está numa relação amorosa é alguém só e incompleto, que tem o infortúnio de não conseguir um parceiro ou parceira.”
Apesar de o amor e o companheirismo de uma relação ser uma parcela importante na vida, há espaço para muito mais: há a família, a carreira profissional, a vida social, as atividades que nos dão prazer. “Um projeto de vida não pode depender apenas de uma área — para ser sólido e seguro necessita estar alicerçado em vários dimensões da nossa existência.”
Outro ponto importante: estar solteiro pode ser uma escolha e, assim sendo, não tem de significar estar encalhado. “Raramente se tem em consideração de que pode ser uma escolha e de que existem outros projetos de vida igualmente felizes e entusiasmantes que não passam por uma relação amorosa nem pela parentalidade. É mesmo verdade”, destaca a psicóloga.
Por isso, não sinta pena dos seus amigos solteiros — eles não têm necessariamente de se sentir mal e sós. Ser solteiro não é sinónimo de solidão. Pode ser uma escolha tão válida e tão (ou mais) feliz do que se estar envolvido com alguém.
Da próxima vez que tentar juntar amigos solteiros, lembre-se de que eles podem gostar e preferir estar assim, aconselha a especialista. “Faz-se isso com a melhor das intenções naturalmente, mas quando paramos para pensar, estamos a cair na armadilha de considerarmos que lhes falta algo, quando na verdade pode até nem faltar."
“Antes era administrativa de comunicação. Hoje sou diretora de marketing”
“Se olharmos com mais atenção, poderemos encontrar homens e mulheres em relações amorosas a sentirem-se verdadeiramente sós, rejeitados e incompletos", diz a psicóloga.
É o caso de Telma Oliveira, 42 anos, natural de Lisboa. Depois de um namoro de 11 anos, envolveu-se, em 2014, numa relação que apesar de ter durado apenas nove meses, revelou-se altamente tóxica e traumática: foi vítima de violência doméstica física e verbal, tendo, por cima disto tudo, engravidado — estado que não impediu o companheiro de lhe bater.
“Sofri de agressões físicas e verbais”, conta à MAGG. “Achamos sempre que na primeira vez [que há uma agressão] aquilo foi um caso isolado, porque ele arrepende-se e pede desculpa. Acabamos por não entender a dimensão do problema. Só que depois não é isso que acontece.”
Fechei-me na relação. Vivia para ela. Era companheira, era mãe, era profissional, num emprego das 9 horas às 17 horas. Aos 35 tive coragem para pensar em mim, ser mãe e profissional"
Apesar de ter sido altamente pressionada para interromper a gravidez, Telma quis ter o seu filho. Nove meses depois de ter iniciado aquela relação, terminou-a e aventurou-se num universo da maternidade sem dupla, contando com o apoio incondicional do pai e dos amigos.
Atualmente, adora estar sozinha. E sente os benefícios de uma vida como mãe solteira. “Na parte da educação do meu filho é fantástico estar sem ninguém. Não há guerras e discussões normais de casais com filhos. Ainda bem que não tenho ninguém. Sou eu que estou maioritariamente com o meu filho e dito as regras.”
Do lado menos positivo, diz-nos que “não é fácil andar sozinha a correr de um lado para o outro", mas que essa desvantagem não suplanta o poder de educar livremente o filho.”Não tenho de dar satisfações a ninguém. Decidimos ir ao cinema, ao jardim. Não há uma terceira pessoa na equação.”
Não rejeita a ideia de voltar a juntar-se com alguém, mas não sente vontade de procurar. Fez o tal trabalho interno apontado por Filipa Jardim Silva: “Estou super bem, resolvida, super feliz. Já ultrapassei todas as situações por que passei. Quando aparecer apareceu.”
Nos fins de semana em que o filho vai para casa do pai, Telma aproveita para fazer outras coisas que lhe dão prazer. “Adoro estar sozinha na paz da minha casa. Vou a festas, estou com os meus amigos também.”
Esta também é uma das vantagens apontadas por Raquel Marques, 38 anos, mãe de uma menina de 10 anos. “Até há uns tempos, houve fins de semana em que ficava sozinha. Via uma série no sofá, comia o que queria, tirava três horas para mim em que estava extremamente feliz. O facto de estar sem fazer nada é uma atividade excitante.”
Não se sente culpada por também apreciar os momentos longe da filha e rejeita a culpa que tantas vezes invade quem vive no universo da maternidade. “Sou uma excelente mãe, não preciso de ter aquele peso na consciência. Isto é ótimo para as duas. Ela está muito feliz, porque tem uma mãe mais feliz ao lado dela.”
A pessoas ficam em choque quando eu uso a palavra ‘alívio’, mas é verdade. Tenho uma liberdade que nunca tive"
Raquel separou-se há três anos. A relação que mantinha desde os 25 anos, que durou 12 anos, estava desgastada. As obrigações e responsabilidades inerentes a uma vida de casal impediam-na de seguir os seus sonhos. “Antes era administrativa de comunicação. Hoje sou diretora de marketing”, conta. “Fechei-me na relação. Vivia para ela. Era companheira, era mãe, era profissional, num emprego das 9 horas às 17 horas. Aos 35 tive coragem para pensar em mim, ser mãe e profissional.”
Hoje vê que se anulava em função daquela relação. “Anulei-me porque me tentei encaixar naquilo que a outra pessoa queria e vivi muito em função da vida dela. Estava sempre a pensar em que é que eu o podia ajudar. Nos primeiros anos, achava que aquele era o meu papel.”
Hoje trabalha mais e, entre eventos ou reuniões com clientes, não tem horários bem definidos. À partida, esta seria uma desvantagem para uma mãe solteira. Mas com alguma ginástica tudo funciona e, no final do dia, sente-se realizada em todas as vertentes da sua vida. “Ou deixo a miúda com a avó — acredito que para ela também seja um alívio às vezes não estar comigo. Elas divertem-se imenso. Quando é preciso ela vem comigo para o trabalho. Se tiver um jantar de amigos e não tiver onde a deixar, ela vem comigo.”
Nada disto aconteceu de um dia para o outro. Não foi uma epifania súbita que a fez mudar de vida. “Foi gradual. Não foi em duas semanas. Foram três anos de construção. Depois da separação, demorei tempo até montar a minha vida, ter um carro — que já não tinha, porque só usávamos o dele — uma carreira, uma vida social.”
Pressupõe-se que o término de uma relação, sobretudo longa, seja sinónimo de dor. No caso de Raquel, depois de ultrapassadas as dificuldades inerentes a qualquer rutura, sentiu-se invadida pelas sensações de “alívio” e da “liberdade”.
Acorda às horas que quer ou precisa, escolhe o que é que vai ser o jantar ou os locais onde vai passar férias. Dedica-se à sua carreira com afinco e há alturas em que tem o sofá só para si. "As pessoas ficam em choque quando eu uso a palavra ‘alívio’, mas é verdade. Tenho uma liberdade que nunca tinha tido."