O fim de uma relação amorosa, seja ela mais curta ou mais longa, pode deixar-nos sem chão, mais em baixo, e com a sensação de que a vida já não faz sentido. De modo a ajudar a superar o término, a psicóloga clínica Joana Gentil Martins lançou o livro Como Reconstruir um Coração Partido?”, a 25 de março, onde fala sobre as fases do luto e propõe exercícios práticos para ajudar no processo. A MAGG falou com a especialista e conta-lhe tudo acerca deste tema. 

"Quiet quitting", ou quando o parceiro deixou de se esforçar na relação. Saiba tudo
"Quiet quitting", ou quando o parceiro deixou de se esforçar na relação. Saiba tudo
Ver artigo

“O fim de uma relação é doloroso, seja ela uma relação amorosa, de amizade, de trabalho, porque às vezes as pessoas podem pensar que será apenas para relações amorosas, mas a verdade é que nós sofremos também muito com relações de amizade, às vezes até mais se a relação for mais duradoura, com maior intimidade. O que acontece é que nós somos seres sociais, e é uma necessidade básica nossa termos relações com os outros. Quando nós não temos essa relação com o outro ou de alguma forma essa relação termina, existe uma sensação de rejeição e essa sensação aumenta os nossos níveis de ansiedade, aumenta a sintomatologia depressiva, porque é como se, no fundo, estivéssemos a ser rejeitados e a nossa sobrevivência estivesse em causa”, explica a psicóloga clínica Joana Gentil Martins à MAGG.

Joana Gentil Martins, psicóloga clínica
Joana Gentil Martins, psicóloga clínica Joana Gentil Martins, psicóloga clínica créditos: Divulgação

“Como Reconstruir um Coração Partido?” é o terceiro livro da especialista e acaba por complementar os dois primeiros. “O primeiro livro, o ‘Torna-te o Amor da Tua Vida’, foi sobre autoestima. O segundo foi ‘A Coragem para Seres Tu Própria’, onde ensino como lidar com a autocrítica, com o julgamento dos outros, ou seja, impor alguns limites. E o terceiro acaba por ser uma continuação no sentido de, quando nós trabalhamos muito a nossa autoestima, começamos a impor limites e algumas relações terminam. É uma sequência para ajudar as pessoas a lidar com o processo que poderá existir”, acrescenta Joana Gentil Martins.

Quais são as fases do luto? 

As fases do luto dizem respeito à forma como as pessoas lidam com o final de uma relação. Contudo, estas fases não ocorrem de forma seguida e variam de pessoa para pessoa. "Nós temos cinco fases do luto: a negação, a raiva, a negociação, a depressão e a aceitação. A fase da negação é quando a pessoa pensa: ‘Isto não pode estar a acontecer’, ‘Ainda posso fazer as coisas funcionarem’", começa por explicar.

"A fase da raiva, na qual a pessoa pensa: ‘Como é que o outro pôde fazer isto comigo?’, ‘Eu dei tanto a esta relação, isto não podia ter sido assim’. Ou seja, este sentimento de raiva. Depois a negociação, que é quando começamos a pensar: ‘Mas se eu tivesse feito isto, ou se eu fizer isto, se calhar ainda consigo fazer de outra maneira’. Isto é, quase que um tentar voltar atrás. A fase da depressão tem que ver com a sintomatologia depressiva, que não é uma perturbação, são coisas diferentes. Não é no sentido de perturbação, mas sim de a pessoa se sentir muito mais triste. Pode acontecer ter mais vontade de comer ou menos, de dormir, ou seja, há aqui uma alteração no seu funcionamento, que pode ser tanto para mais como para menos. Depois, existe então a fase da aceitação, quando a pessoa compreende que há o fim desta relação e consegue seguir em frente”, clarifica a psicóloga clínica. 

“O que nós sabemos hoje em dia é que as pessoas vão passar por todas estas fases, mas podem passar num dia por todas as fases ao mesmo tempo. Podem estar num momento numa negociação e depois voltar à fase de raiva, e depois voltar atrás, ou seja, no fundo, não há uma ordem”, acrescenta Joana Gentil Martins. 

Será que quem termina a relação sofre menos? 

É comum ouvirmos dizer que quem dá o passo de terminar uma relação amorosa é quem sofre menos e, por consequência, a pessoa que supera mais rápido. Mas será que é mesmo assim? 

“Depende muito, ou seja, depende da forma como essa relação é terminada. Porque, às vezes, quem termina não termina necessariamente porque já fez o luto, ou já não gosta da outra pessoa. Por vezes, ela pode terminar a relação porque percebe que, de alguma forma, já não é saudável para ela, mas, ainda assim, ter aqui bastante dificuldade nesta superação do fim”, explica a psicóloga à MAGG. 

O que pode efetivamente fazer com que alguém supere mais rápido depois de terminar uma relação é fazer o processo de luto, começando a distanciar-se mais, ainda estando na relação. “Quando este processo acontece, ainda antes do término é que nós conseguimos perceber que a pessoa consegue superar mais rápido, no sentido de que começou o processo antes”, refere Joana Gentil Martins. 

Como superar o fim de uma relação? 

“As pessoas devem permitir-se sentir, reconhecer que emoções é que têm, o que é que estas emoções estão a querer dizer, ou seja, o que é que nos ensinam estas emoções, porque todas as nossas emoções têm uma função. Então, é importante pararmos e percebermos o que estamos a sentir, porque é que nos sentimos de certa forma, e não tentar logo fingir que não se sente nada ou recorrer à pessoa de substituição, que às vezes existe esta tendência”, conta-nos a especialista. 

Para além de nos permitirmos sentir, a especialista revela que é muito importante fazer uma auto-reflexão, entender o que aconteceu para a relação não funcionar e retirar aprendizagens da relação. 

É muito importante saber lidar com os pensamentos negativos, ou seja, aprender a perceber o que é um pensamento e o que é um facto. Saber distinguir, tendo em conta que os pensamentos não são factos, e depois poder fazer aqui alguns exercícios para poder lidar com estes pensamentos negativos”, acrescenta. 

Superar na prática 

No “Como Reconstruir um Coração Partido?”, Joana Gentil Martins propõe alguns exercícios práticos que vão auxiliar o processo de superação do término de uma relação. 

“Todos nós temos pensamentos negativos. Como é que distingo este pensamento de um facto? Nós procuramos evidências desse pensamento, mas a primeira coisa a fazer é distanciar-se do pensamento. Um exercício que nós fazemos é, por exemplo, eu vou colocar a frase ‘estou a ter o pensamento de’, antes do pensamento. Ou seja, vamos dizer que eu tenho o pensamento de 'eu não fui suficiente nesta relação'. Eu vou parar e dizer 'estou a ter o pensamento de que eu não fui suficiente, mas espera, o pensamento não é o facto'. Ajuda-nos a distanciar-mo-nos e a perceber que isto é só um pensamento, não é necessariamente a realidade”, exemplifica a psicóloga. 

“Depois, a seguir a esse exercício, passamos para o próximo exercício de procurar evidências, procurar os factos, de que este pensamento não é verdadeiro. Se eu estava a dizer que não sou suficiente, então o que é que eu fiz na relação, que prova que eu fui suficiente e que trabalhei para esta relação? O que é que eu fiz? Então afinal eu fui suficiente, este pensamento não é verdadeiro”, acrescenta Joana Gentil Martins. 

“Quem sou eu após o término?” 

No livro, a especialista tem um capítulo inteiramente dedicado à autoestima, no qual aborda o impacto negativo que o fim de uma relação pode ter e como é que nos podemos redescobrir. 

"É importante explicar que não é expectável que a pessoa termine uma relação e fique feliz. Quando eu digo ultrapassar de uma forma saudável, é isso mesmo: é permitir sentir as emoções que tivemos de sentir e conseguir processar toda esta perda e continuar a nossa vida diária. Porque, às vezes, as pessoas podem pensar que saudável é ficar sempre contente com o fim, e não é bem assim”, frisa a especialista. 

“É normal a pessoa ficar triste, é normal a pessoa sentir aqui alguma raiva, mas qual é a intensidade, qual é o impacto que tem na vida diária da pessoa? Por exemplo, eu posso sentir-me triste, mas continuar a ir trabalhar, fazer a minha vida, fazer o que tenho para fazer, ou eu posso sentir-me triste e ficar em casa, fechada, e dizer que não quero sair mais, ficar em isolamento social, aí já é um sinal de alerta. Então nós avaliamos sempre estas três situações, ou seja, qual é a duração, a intensidade, o impacto na vida diária. Isto é muito importante para percebermos se devemos recorrer à ajuda psicológica ou não”, explica à MAGG. 

Mas, afinal, “Como Reconstruir um Coração Partido?” 

“Trabalharmos em nós, respeitando o nosso tempo com auto-compaixão”, conclui Joana Gentil Martins.